Não vou a cemitério para cultuar meus mortos, não impedido por qualquer crença religiosa ou por superstição, mas por não ver, de fato, qualquer razão mais urgente. Porém aos que fazem têm o meu respeito.
Meus mortos, minhas almas boas parecem viver em mim. Em 62 anos de vida a morte não me poupou de tirar algumas pessoas importantes: aos 9 anos minha mãe subiu aos céus – pois creio que toda mãe vira estrela e a noite no céu sorrir para seus filhos – depois minha ex-mulher Isi, anos depois Carlinhos meu irmão caçula e mais recente a morte carregou seu Luiz, meu pai, feito um pacote no seu manto me deixando órfão.
Entretanto, pouco choro meus mortos e, verdadeiramente sinto muitas poucas saudades. De minha mãe tenho resquícios de sua presença em minha mente, talvez, o instinto de sobrevivência apagou os poucos anos de convivência. De Isi minha ex-mulher todos ou quase todos os dias desfruto de lembranças vivas cristalizadas nas músicas que toco e ouço no meu dia a dia, principalmente na música “Andança”; de meu irmão Carlinhos, The Wall – Pink Floyd – o traz até mim, de meu velho pai, certamente, todo dia toco Boiadeiro – Luiz Gonzaga – música que sempre me perguntava se eu sabia tocar – e eu não tive oportunidade de tocar pra ele – portanto, meus mortos vivem comigo e em mim.
Entretanto, há outras almas, que circundam minhas lembranças, como a de minha sogra Nevolanda e seu cafezinho nas tardes lá nas Quintas, também de Mariazinha – sua mãe -, a qual, lá na cozinha de Petrópolis, Natal/RN, passava horas me contando suas histórias de vida e aventuras reais, isto sim me dá saudades, mas certamente, um dia me juntarei a essas almas de luz.
Na minha casa, na rua Augusto da Escócia, N. 49, lá nos Paredões, em Mossoró/RN, o qual finquei a minha infância e adolescência, quando se chegava na porta da frente, logo do lado esquerdo um console – hoje, se diz aparador – e acima dele um espelho oval bisotado com vários desenhos em arabescos, nos davam as boas-vindas, do lado direito uma Radiola de pé ABC Isabela IV, duas cadeiras de balanço as quais tínhamos que driblá-las para chegar a uma estante colonial que pomposamente se erguia separando a sala da cozinha, nela uma inquilina privilegiada e por todos amada, lhe roubava a cena: uma Televisão Telefunken em preto branco, com uma tela colorida – que mais parecia o arco-íris, que insistia em nos enganar simulando que às imagens por ela propaladas eram coloridas.
Neste cenário sobre a estante de cor nogueira, se destacavam vários livros, entre eles os Irmãos Karamazov – Dostoiévski -, em cor marrom com letras vermelhas-vinho, três livros de capas-duras, os quais lia e não entendia patavina – até hoje sou impedido por minha obtusa ignorância a oferecer um parecer sobre -. Em espaço exclusivo um livro saltava aos olhos, em formato grande, talvez um A4 – ofício para os mais antigos -, de capa dura, azul com letras romanas douradas dizia: Bíblia da Juventude, eu era fascinado, nela imprimi minhas digitais e de onde pude extrair um gosto de lutar por um mundo melhor, com mais compaixão, mais dignidade, mais igualdade. Na parte direita inferior da estante alguns locatários faziam morada, muitos deles ainda vivem em minha memória. Vejo nitidamente Francisco José cantar “Só nós dois” sendo interrompido por Ângela Maria com seu “Tango Pra Tereza”, sem falar de Vinicius de Moraes que faz seu “Apelo” e Moacir Franco flertando com os manequins em “Balada Para Um Louco”…
No lado esquerdo inferior se abancavam as revistas Cruzeiro, Manchete, Rodovia e algumas Veja. Nossa estante era uma mistura de vozes, umas cantavam alto ao divino, outras, talvez, ao diabo e ainda outras sussurravam profanamente aos ouvidos dos amantes. Às vezes me passava pela cabeça que eu morava por lá, fazia parte do mundo daquela gente, na verdade ainda hoje me imagino perambulando por aqueles cantos, contos, palcos e esquinas insinuando companhia e intimidade à todas aquelas personagens que ali residiam.
Existem algumas coisas que podem nos constranger no dia a dia, mas de fato, não alteram nosso humor, são apenas momentos que passam sem maiores ou nenhum dano moral e muito menos psicológico. Entretanto, quando vejo alguém me estendendo à mão pedindo algo para saciar a sua fome, isto me causa uma dor, uma angustia profundamente dilacerante no fundo da minh’alma e neste momento faço o que me é permitido: às vezes pode até ser uma negativa, o que me deixa ainda mais pesaroso.
Outro dia, logo pela manhã, ao acaso deparei-me com Luiz Gonzaga na primeira página de abertura do Youtube, de cara vi Vozes da Seca apertei o play e Seu Lua cantou: “…Uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão…” música do grande Zé Dantas e o Luiz Gonzaga, que em toda sua extensão é uma crítica feroz aos governos que trataram – e tratam, pois, continua atual – o Nordeste e o povo que vivem em situação de risco. Fiz algumas reflexões, anotações e alguns rabiscos.
Sai à minha janela para me debruçar sobre sua soleira para ver o mundo, o céu estava azul convida a contemplá-lo, corria uma brisa vindo ali dos arredores do Arena das Dunas, compenetrado em minha abstração, em devaneios mil, fui acordado por um “muito obrigado, senhora”, era um carroceiro de uns 35 anos acompanhado de uma senhora grávida que beirava a mesma idade, dois meninos por volta dos 5 anos – pareciam gêmeos – amontoados numa carroça um jumento amarado a grade lateral do transporte, que agradecia minha vizinha de frente por receber um vestido e algumas camisas às crianças, que já vestiam ali mesmo, se despedindo vocalizou “Deus lhe pague”. A mulher entrou e eles seguiram, fiquei observando e uns metros depois vi o homem passar as mãos nos olhos como quem enxuga lágrimas e correu de encontro a um dos meninos o pôs sobre os ombros e saiu correndo fazendo “aviãozinho” como se fora o judeu Guido (Roberto Benigni) e seu filho Giosué(Giorgio Cantarini) na cena do magistral “A vida é bela”, devo confessar que desabei, um nó na garganta e algumas lágrimas verteram me trazendo à realidade, naquele instante pude perceber que a vida pode ser bela, mas o homem é invariavelmente cruel.
À tarde, ainda com a cena vivinha em minha mente fui às redes sociais cuidar dos afazeres profissionais, entretanto, uma foto de uma plasticidade admirável obrigou-me ao encantamento, era um post da Assistente Social, Katharina Gurgel, com um texto comovente em que a cantora Elza Soares fazia uma síntese de vida, no qual ao final imprimia toda sua força, sua coragem, sua luta, sua consciência, sua lucidez ante a vida e seus desafios: “Naquela época eu achava que se tivesse alimentos pros meus filhos, não teria mais fome. O tempo passou e eu continuei com fome, fome de cultura, de dignidade, de educação, de igualdade e muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim”.
À noite, Elza Soares e o carroceiro foram os temas da janta. Dormi com a alma cansada e o coração apertado com sede e muita fome de justiça social, dignidade e bênçãos dos deuses.
Nunca imaginei que anunciaria, no jornal, na Tv, nos meios de comunicação, a busca incessante por você. Faço isso porque você tem carinho pelo meu estilo, pelo meu rosto. Quantas e quantas vezes ele me fez enxergar a vida de uma maneira diferente. Clareou minha visão, me fez enxergar os tropeços que a vida me apresentava; na chuva, como qualquer outro, você me ferra; no trabalho, você me ganha; de noite, eu te deixo; mas pela manhã, somos inseparáveis. Você já impediu minha cegueira muitas vezes, meu amor. Com você pude enxergar as miudezas da vida. Sem você sou apenas um cego, em um tiroteio, sem rumo. Na falta da sua presença o prejuízo é grande, com antirreflexos, ou filtros azuis, você faz meu dia mais feliz. Compreendo que, como todos, você precisa de limpeza e manutenção, nada na vida dura para sempre, eu sei. Mas não tem necessidade de você desaparecer assim, sem mais nem menos. Sei que o mundo é líquido, mas você não ficou nem dois meses na minha vida é já desapareceu sem justificativa. A última vez que nos vimos parecia que você tinha gostado de mim. Foi por um leve descuido que você sumiu sem avisar. Não sei se você já tem alguém. Ou se já está acariciando o rosto de um ou uma qualquer. Mas volte, prometo ter mais cuidado com você, prometo prestar atenção nos sinais que você dá. Venho agora falar com meu amigo leitor. Ele é redondinho, tem armação de tigre, bem moderna, a última vez que tirei a foto em família ele estava lá. Se alguém souber o paradeiro, por favor, entrar em contato, já procurei nos achados e perdidos, nas gavetas de casa, nos armários, em cima da mesa, na casa de amigos, já liguei para motoristas de aplicativo atrás dele, já refiz meu caminho para tentar achá-lo. Só penso uma coisa:
Quem está com ele, que devolva o mais rápido possível: meu par de óculos de grau.
Outro dia, numa postagem que fiz nas redes sociais, uma assídua amiga comentou que eu acordara saudosista. Aquilo me calou, não por ter me sentido ofendido ou algo que o valha, mas por conter a verdade nua e crua.
Naquela ocasião estava mesmo com uma saudade caninana, daquelas que a gente fica feliz da vida em sentir, mais feliz que pinto cisqueiro de reviver aqueles momentos que agora fazem parte de nosso baú de boas lembranças dos tempos de galos, noites e quintais, época de boemia jovialmente e despretensiosamente irresponsável.
Do alforje puxei umas cenas, entre milhares, uma quando eu Carlinhos, Jorge Braz, Laércio Eugênio, Hudson – certamente esqueci outros tantos, pois era uma corriola danada – íamos para o Djalma Bar, ainda lá nas cajaranas, creio que na sua casa, numa ruazinha, perto do Colégio Estadual, tomar cachaça com coração assado ouvindo Raimundo Fagner, Manera Fru Fru Manera, pois era o preferido de Jorge e que abria os “trabalhos”, claro Zé Ramalho presente no cardápio, depois de algumas dezenas de “burrinhos” discutíamos a política sindical, partidária e social, muitas das vezes varávamos madrugadas a dentro pra pegar o sol com a mão.
Também me veio à tona uma história de convite que chegou para inauguração de uma boate por detrás da Escola Padre Deon, no Alto de São Manoel. Numa sexta-feira alguém na redação do jornal Gazeta do Oeste diz do convite da Boate Estrela, este invadiu todo o prédio, logo começou as combinações: quem fosse terminado seus afazeres ia esperando os outros até estar completa a turma. Conferido, não faltando ninguém lá se foi o magote para “boiti”- Como dizia o saudoso Abel Rodrigues – In memoriam – o fotolitista do jornal -. Uma sexta-feira, no meio do mês já dizia do lastimável e precário momento em que se encontrava nossos “probrezitos” bolsos. Mas ora, quem anda com carteira de jornalista não passa “perrengues”. A solução foi “carteirada”, não lembro quem – se foi eu, também não digo -, um de nós iniciou a fila indiana na portaria:
– Isso é o quê? Perguntou o sisudo porteiro.
– Imprensa!!!
O porteiro espalmou uma mão com a carteira colocando a outra por cima pressionou, devolvendo falou: “pronto! Imprensei”, não se dando por rogado nosso “líder” argumentou:
– Somos da imprensa e convidados…
– Aqui até mamãe paga, imagine convidados da imprensa. Disse o porteiro com tom irônico.
Sem mais a quem ou a que apelar para “filar” passe-livre, nos reunimos para uma “vaquinha”, feita, nos dirigimos à bilheteria.
Já dentro boate as luzes negras fluorescentes denunciavam os casais nos cantos aos amassos, sarrando, mesas lotadas de gente e cervejas, dancing repleto de imagens se mexendo ao ritmo dos hits do momento e nós ali sem a menor esperança de um gole de coragem para entrar no relabucho.
Salvos por Laércio Eugênio que chamou o garçom e disse para encangar várias mesas uma na outra, logo estávamos todos acomodados, de esperanças renovadas e, por que não dizer, concretizadas, pois ao mesmo tempo nosso “benfeitor” tinha também indagado se havia cerveja gelada, ao receber resposta positiva, falou: “pois, bote cerveja gelada aqui como quem bota milho pra jumento”, os olhos de alguns de nós saíram da caixa.
Bebericando, comendo e dançando quando demos por nós o sol já descambava no horizonte, só tinha a gente e um monte de garçons prestando conta. Logo veio um em nossa direção, aqui senhor, Laércio Eugênio recebe a conta, retira do bolso uma quantia e entrega ao garçom:
– Senhor está faltando…
– Eu sei, mas tenho só isso…
– Como é?
– Eu não tenho mais dinheiro não…
– Mas foi você que disse que ia pagar a conta.
– Mas eu estou pagando!
– Não senhor, aqui não tem nem meus dez por cento…
– Mas é o que tenho, depois pago o resto.
O antes gentil garçom, saiu soltando fogo pelas ventas para falar com o dono. Olhando em volta já percebíamos garçons, seguranças, porteiros, cozinheiros, se dirigindo em nossa direção todos com caras de poucos amigos, quando de repente chega Abel – que trabalhava com a gente e também era garçom – dizendo que já tinha falando com o dono, estava todo certo, na segunda-feira ele iria no jornal receber nossa conta com juros e correções monetárias.
“Sem música a vida não faria sentido” – Nietzsche. Sentença com a qual estou plenamente alinhado. A música é um dos meus combustíveis, é minha armadura, para batalhas e pendengas diárias.
Lembro quando trabalhávamos no jornal Gazeta do Oeste, sobre nossa mesa nos acompanhando, residia um aparelho de som em que passava dias e noites nos prestando seu serviço fim. Na verdade, era uma mesa bem longa onde acomodava eu e Maria. Duas pranchetas também compunham a sala, as quais fazíamos rodízios com prioridade para quem fosse ou estivesse desenhando.
Na sala de arte e diagramação éramos três: eu, Maria e Lins – um amigo de infância lá dos Paredões que por ser um fino desenhista levei para trabalhar comigo na Gazeta, infelizmente não está mais conosco, subiu aos céus – pois bem, por vezes a gente gravava uma fita cassete, os dois lados, somente com uma música e ouvíamos por semanas, isto irritou Lins, que foi reclamar com Canindé Queiroz:
– Canindé não tem quem aguente aqueles dois. Eles passam o dia ouvindo música e pior: é somente uma música!
Canindé em sua irreverência respondeu: Mas você não é surdo?
Nesta pandemia, senti muita falta dos filhos e netos reunidos e eu gastando meu vasto repertório de três músicas, tendo como uma efusiva claque dos meus fiéis netos. Devidamente furado duas vezes com AstraZeneca, álcool em gel e máscara já estou recebendo meus filhos e netos. Lívia, minha neta caçula, quando me viu com o violão pegou um pedaço pau, que a avó iria usar num artesanato, postou-se como se fosse um violão e começou a cantar junto comigo, quando eu parava, ela insistia “canta vovô bito”. Agora, de violão em punho fazemos dupla, afinal, ouvir “vovô” é música para meus ouvidos e abranda meu coração.
Esses dias, me encontrei com Stanislaw Ponte Preta. O cronista? Não. O Uber mesmo. Não sei o que deu no pai desse homem para colocar o nome do filho de um cronista. A crônica, por muitos, é considerada um gênero menor da literatura. Mas, pelo pai desse motorista, a crônica era o que havia de primeiro.
– Nada de menor, vai ser o nome do meu filho!
– Sergio Porto! Não! Tem que ser nome de artista, para o pessoal botar uma fé. Concluiu o motorista.
– Patrão, já ouviu a história da velha contrabandista?
– Aquilo é Brasil, patrão!
– Enquanto os policiais esquentam com a areia que a velha carrega, vai passando a lambreta desapercebida.
Eu pensei comigo: não é que o homem conhece mesmo a história do cronista e seus escritos? Fico pensando: será que, quando eu morrer, minhas crônicas serão comentadas em botecos? Algum Uber vai ter meu nome e conhecer minhas obras? Ou taxista vai perguntar:
– Para onde vamos?
E alguém vai responder:
– Para rua Abraão Gustavo.
Ou alguém em transportes públicos, na fila do dentista, na sala de espera de um hospital, lendo esta crônica, com um sorriso no canto da boca?
Bom, para não ter erro, vou fazer meninos e colocar os nomes dos cronistas que eu admiro. Gostei dessa ideia, já imaginou?
– Bilac, vai ajudar sua irmã, Clarice, a vestir a roupa para ir à escola.
– Pô, Drummond, já falei para você parar com história de pedra no meio do caminho, seus colegas não entendem você, meu amor. Nem todos estão a fim de ingressar nessa viagem.
– Braguinha, como foi o futebol na escola?
– Veríssimo, fez gol? Teu negócio é música, né? Pede ajuda do Vinicius.
– Sabino, desce daí. Você vai cair, cara!
– Amor, o Prata não tomou banho ainda. Disse que o Chico já está no banheiro há meia hora.
– Lygia, vamos com papai na padaria, filha?
– Arnaldo, hoje o cinema está fechado, filho.
– Manoel, concordo com você. Ficar muito tempo no celular faz mal.
– Paulo, seu nome é lindo, cara. Mendes Campos. Olha só que natureza!
Na volta para casa, fui deixado por um outro motorista enquanto pensava. O nome dele? Adivinha? Descartes. Fico pensando se essa moda pega em larga escala.
Esses dias eu precisei ir ao médico e peguei um Uber que me fez lembrar a infância. Nos tempos que ia a parquinhos de diversões de bairro. Nada contra os grandes parques, como Hopi Hari ou Playcenter, mas os de bairro são mais vagabundos e divertidos. Por exemplo, a Barca, para quem não sabe, é um dos brinquedos mais divertidos de um parque de diversão, não somente pela adrenalina do brinquedo em si, mas pela sensação de estar em um brinquedo enferrujado, que tem sempre um nome em inglês abrasileirado: Flying Dutchman, mais conhecido como Holandês voador, que nunca ouviu a palavra “manutenção” desde o início de sua existência. Geralmente, é controlado por alguém que aparenta ser um ex-presidiário, em regime semiaberto, com tatuagens de cadeia à mostra, com cicatriz no rosto, provavelmente tem pouca coisa na vida a perder e gosta do perigo. E quanto mais escuta gritos de pessoas, mais ele faz o barco voar.
Sempre desconfio de pessoas que dirigem um Classic branco e perguntam: – Está com pressa? É com emoção ou sem emoção, meu patrão?
Fico pensando que as grandes ideias foram escritas de calcinha e cueca, e imagino Karl Marx escrevendo o livro “O capital” de cuecas vermelhas desbotadas e uma barba imensa, branca e preta, com seu charuto barato, cheio de meninos correndo pela casa gritando e brigando: – é meu, é meu, e ele pensando: – maldito capital! Imagino Dostoievski andando nu, de um lado para o outro, e dizendo para sua datilógrafa: – coloque o título “Humilhados e ferrados”. – Não! Enquanto olha para baixo: – Humilhados e ofendidos. – Um bom título! Fico pensando Clarice Lispector, entre cigarros e cafés pela manhã, de calcinha velha e branca meio amarelada, sem sutiã, em sua casa sentada, em banco de madeira com uma mesa improvisada, batendo em sua máquina de escrever rapidamente, entre um cigarro e outro, olhando para o céu, revisando seu texto e pensando no título “A hora da estrela”. Imagino Freud com uma cueca cetim azul de tiozão e um charutão mole na boca, colocando o título que viria ser “O mal-estar da civilização”. Imagino Beethoven, sobre composições e papéis, com seu cabelo bagunçado e sua cara de louco, de cueca reluzente, dourada, sua barriguinha saliente, compondo sua sinfonia em Dó menor Op. Nº 5, dita a sinfonia do destino, viajando sozinho em seu quarto gelado sobre a neve europeia. Penso em Agatha Christie, em um quarto de hotel, com sua calçola de Odete, finalizando em sua máquina de escrever “O Assassinato no expresso do Oriente”. Imagino grandes oradores das histórias, como Winston Churchill, com sua cueca branca GG, sua pança de urso e seu rosto sisudo de bolacha, em um quarto luxuoso britânico, tomando um whisky e ensaiando na frente do espelho sua retórica que faria milhões de soldados se motivarem a lutar pelo seu país. Me desculpe por escrever esta crônica de pijama do Mickey; é que coloquei na máquina para lavar todas as cuecas.
Não há dúvidas quando falamos de alguém bem ou mal, por mais que minúsculo seja um comentário, uma simples opinião ou mesmo uma robusta tese feita sob os melhores e mais rigorosos métodos tecnológicos disponíveis, ainda assim não seremos justo o suficiente para, de fato, sem ter medo de errar e mostrar uma descrição capaz de vestir a figura e se o fizer, na verdade, esta será apenas uma embalagem e talvez, uma fina e frágil camada que a qualquer momento pode se romper e vir à tona, emergir o real sudário, a verdadeira essência nua e crua.
Na noite do dia 4 de setembro, lá por voltas das 20h, recebi uma ligação no WhatsApp dizendo: aqui é fulano, posso fazer uma ligação de vídeo, quero ver você, Socorro e mostrar para vocês meus netos e minha bela Sônia – nome fictício -” de pronto, disse que sim.
O reconheci pela voz, apesar de anos sem nos vermos. Ele é um amigo de mais de trinta anos, que nos conhecemos em Mossoró e que foi morar no Rio de Janeiro, agora, já aposentado veio residir em Natal, me encontrou através do meu site e redes sociais.
– Boa noite, amigo. Quanto tempo?
– Isso mesmo, amigo faz um bom tempo.
– Como vai você? Parece que o tempo não passa para você, amigo.
– Amigo, sua generosidade continua a mesma, mas o tempo é cruel com todos nós.
Falamos de nossas jornadas profissionais, dos tempos, de Luzia do Ponto Frio, do Bar de Djalma, quando ali perto do Colégio Estadual – hoje Jerônimo Rosado – onde por milhares de vezes com algumas várias meiotas de Pitú, devidamente acompanhada de coração assado, víamos o sol nascer. Ah! Também trocamos “figurinhas” sobre doenças como faz qualquer sexagenário que encontra outro, falamos dos níveis de açúcar no sangue, pressão alta e por coincidência ele também foi acometido de um AVC. Enfim, passamos reciprocamente todos os nomes de remédios que hoje tomamos no lugar dos longínquos “burrinhos”.
Maria e Sônia já impacientes, entraram na conversa falaram, falaram, também não muito distantes de nossos assuntos. Fotos de netos prá cá, foto de netos prá lá, foram mais de léguas de papo e boas lembranças e muitas risadas. Já marcamos uma sentada, agora, com um copo de vinho para cada, sob a supervisão da “tropa de choque”: os netos.
Em nosso bom papo, além de se dizer fã dos meus trabalhos e de como meus desenhos são pertinentes, mostrou-me várias caricaturas como Wallpaper do seu celular, dos meus textos, falou que morria de rir e ficava sempre esperando o próximo, entretanto, lá para tantas, veio o “mas” – quando se diz “mas”… Sei não… -“em seus artigos você fala sempre na primeira pessoa, você fala sempre de você”:
– Ora, quem conhece eu melhor do que eu? Indaguei.
Riamos e morreu por aí o assunto, pulamos para nosso Botafogo. Tenho gosto por uma frase que muitos põem na conta de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”. Por certo, quando esta foi posta seria e, é muito mais elástica do que parece ou quer dizer nossa vã filosofia. Entretanto, ainda na superfície, para escrever com verdade escrevo sobre minhas experiências e vivências, assim não corro o risco de me desviar da verdade. Ainda assim, alguns podem não me reconhecer, afinal, não sou apenas um, mas um universo e, certamente, sou um cada escrito. Vivas aos “eus” em todos nós. Freud que explique!
No Conversa com Bial, Maria Betânia disse que gostava de assistir filmes de bang bang americano para despairecer. Lembrei-me que tinha Keoma em algum lugar perdido na estante fazendo companhia ao Último dos Moicanos, programei para vê-lo no outro dia, no sábado.
Não me pergunte o enredo, não sei, – Tenho um problema com filmes: no dia seguinte não lembro de nada, algumas vezes aparecem uns flashs, uns takes e só. Mas, tenho Maria que além de tudo, é minha memória para filmes -.
Sem dizer, se o filme tiver uma boa trilha sonora, aí lascou-se: embarco nela e pouco sei do resto. Keoma é um destes que assisto milhares de vezes e ainda não sei sua história do começo ao fim. Enquanto, Franco Nero mata bandidos só tenho ouvidos para música tema, diga-se de passagem, é sensacional.
O outro que ainda vou saber sua história tim-tim por tim-tim, quando assisti-lo com o dedo no botão de mudo, é o Último dos Moicanos.
Pois muito bem, assisti Keoma – Maria disse que tinha no Youtube -, lá fui ver, terminado entrou outro filme automaticamente, na mesma vibe, isto é, de faroeste. Neste que já esqueci o nome, o mocinho, Anthony Stephen, é acusado por um crime que não cometeu, – coisa que não acontece em filmes de Western -, fugiu da cidade à procura do verdadeiro bandido. Em sua busca para provar sua inocência matou 1100 pessoas, deu 17 mil tiros, não foi de fuzil, mas com um só revólver 45, sem trocar o tambor uma única vez, no final trouxe o criminoso, que foi enforcado ao pôr do sol e terminou sendo nomeado o Xerife da city. Esse enredo tem alguma semelhança com o sujeitinho que provocou a morte de mais de 300 mil brasileiros – segundo especialistas – para provar que um remédio para matar lombriga, mataria o coronavírus.
Ah, para não parecer mais retardado do que sou, lembro de uma cena do Último dos Moicanos, quando um índio corre subindo uma montanha atrás de outro indígena que havia matado seu filho, mas aí é fácil lembrar, a cena toda é acompanha da trilha sonora: Espetacular, a cena e a música.
Ontem(21), por lembrança do amigo Damata Costa, postei uma caricatura de Emanuel Amaral, um dos grandes cartunistas potiguar de primeira linha, o qual tive pouco convivência, mas o suficiente para admirá-lo.
Quando cheguei em Rio Branco/AC, no final dos anos 80, para dirigir o departamento de Arte e Cenografia do Jornal e Tv Rio Branco, se falava muito, a boca miúda, do atentado ao jornal “Folha do Acre”, onde Emanuel publicava suas ácidas assertivas charges, as quais o fizeram cair em desgraças com o poder dominante da época, que culminou em um atentado a bomba ao jornal. Emanuel saiu às pressas de Rio Branco/AC, sendo preso em Fortaleza por tráfico de cocaína. Em sua bagagem fora encontrada uma certa quantidade de cocaína, a qual ele atribuiu aos seus desafetos políticos acreanos. Cumpriu pena, mas morreu negando ser sua a droga, no que acredito. Todos sabem do que são ou eram capazes políticos ainda com resquícios ditatoriais. O fato é que este acontecimento trágico em nada manchou sua história de vida e profissional. Fico certo, que seus familiares, amigos e todos que o conheceram jamais deram crédito a sua culpabilidade e, sim, o veredito de todos foi por sua inocência.
Conheci o Emanuel no início dos anos 80, quando vim para Natal trabalhar na gráfica RN Econômico e na Cooperativa dos Jornalistas de Natal, entretanto, o encontrava esporadicamente, sem muita intimidade.Nesta época conheci outros artistas do traço como Falves Silva, Mauricio Oliveira, Cláudio Oliveira, Edmar…Mas, vindo do interior e, como sou bicho do mato, pouco afeito a amizades à primeira vista tive pouco contatos com estes, exceto Mauricio, com o qual íamos juntos para Tv Universitária – se não em engano ele já funcionário, eu de penetra, somente para desenhar – , quando era ali na Avenida Rio Branco, o qual o reencontrei agora no Facebook. Mauricio, estou esperando a pandemia passar para ir aí tomar um café com você.
Nos anos 2000, não lembro bem o ano, já morando em aqui na Cidade do Sol, o filho de Emanuel passou na minha casa, lá em Petrópolis e, ficou de promover um encontro, – certamente, tínhamos muitas histórias acreanas para contar e trocar – sabe-se lá porque o destino interviu para não acontecer.
Há uns três anos projetei fazer um jornal impresso, somente com cartunistas potiguares – gorou por falta de cartunistas e talvez por falta de mais empenho meu, também nesse meio-tempo fui acometido de uma AVC – e combinei com Ramos, do Balalaika, irmos até a casa dele, foi mais um encontro frustrado, desta feita para sempre: a morte veio e o carregou feito um pacote no seu manto.
De toda forma e, certamente, Ramos ainda irá promover a exposição.A caricatura permanece a disposição de Severino, para a homenagem ao grande cartunista Emanuel Amaral.
Neste domingo, Dia dos Pais, é o primeiro que vou passar sem Seu Luís entre nós, há pouco mais de um mês, no dia 29 de junho, Deus o carregou enrolado em seu manto. Ficamos órfãos: Eu, De Assis, Elian, Eliana, Márcia, Cristina e Eliene e Alexandre (neto criado por ele).
Vejo muitas pessoas estufarem o peito dizendo: “Isso é besteira esse negócio de Dias dos Pais, todo dia é dia dos pais”, em alguma medida têm razão. Porém, o “Dia dos Pais” não pede nem obriga ninguém a negligenciar os outros 364 dias do ano, se partirmos deste princípio, os aniversários, natais, fins de ano, aqueles almoços de domingos, logo todas estas datas são besteiras bestas.
Ora, quando vejo alguém assim pensar e dizer, fico com uma pena danada desta pobre alma que não sabe o que é fazer outra pessoa feliz, não tem o prazer de reconhecer, e também ficar feliz, um sorriso verdadeiro que apenas os olhos podem mostrar. E sei o que estou dizendo.
Seu Luís não era muito de afagos explícitos: abraços, beijos, declarações, mas apenas uma “bença pai ou bença vô” era possível ver seus olhos brilharem de alegria. Em meus 62 anos nunca o vi chorar, exceto no dia em que meu irmão mais novo, Carlinhos, foi morar com Deus.
Meu velho pai em sua vida não amealhou fortuna, morreu pobre como a maioria do povo brasileiro, dizia ele “dinheiro é bom, mas não é tudo”, também não possuía estudo, na verdade, mal sabia assinar seu nome, entretanto, continha uma grande visão da vida, de mundo, uma sabedoria nata. Sempre dizia “é, sim. Basta ter respeito por tudo e por todos, sem nunca baixar a cabeça”. Depois de tempos foi que percebi a profundidade de suas palavras, no RESPEITO está cristalizado o amor, honra, honestidade, humildade, ética, verdade, todos valores caros para que se possa ter uma vida sem magoas, sem rancores, sem vinganças, sem desamores. Meu pai era sábio, era leve.
Em seu velório alguém me disse no ouvido que o senhor falava constantemente: “meu filho no dia 20 de julho, dia do aniversário dele, vai tomar a 2ª dose da vacina e vem me ver”, não deu tempo meu pai. Imagine o senhor, naquele clima, você ouvir isto. Essa frase ecoou e doeu profundamente na alma, as águas que jorraram dos meus olhos encheria o açude de Baixa do Chico. Entretanto, logo percebi, que certamente, não era isto que o senhor esperava de mim: toda aquela tristeza. Pois sei, que pai nenhum deseja ver o filho triste, pelo contrário, faz qualquer coisa para vê-lo feliz. Então tratei de guardá-la no fundo de minha alma como declaração de amor e carinho.
Lamento, o senhor sabe que não era assim que queríamos que fosse. Devo confessar que também não amaldiçoei a vida, não roguei praga à morte, não desacatei, não falei o nome Deus em vão e nem procurei achar desculpas para sua partida, também não me enchi de culpas, remorsos por não ter feito algumas coisas que prometemos fazer juntos, coisas bobas que sempre adiamos, como viajar ao Amarelão, lá em João Câmara/RN, irmos à Mossoró na casa de seu amigo Chico. Entendo que Deus achou melhor assim. Para ser mais sincero, as oportunidades que tivemos aproveitamos todas, eu a minha maneira e o senhor a sua. Nossas risadas às vezes sem motivos óbvios, pareciam nos dizer só por estarmos juntos ali, seria motivo suficientemente para alegrias gratuitas. Temos a mangueira por testemunha.
Porém, é certo, queria ter tocado a toada que o senhor sempre me perguntava: “sabe tocar Boiadeiro?” Sim, respondia e prometia da próxima vez que fosse à sua casa levaria o violão, o que não aconteceu. Meu velho, se Deus conceder, em sua generosidade, de um dia estar com senhor novamente, fique certo que tocarei “De manhãzinha quando sigo pela estrada, minha boiada pra invernada eu vou levar…”. Seu Luís, obrigado por ter sido meu pai. Um Feliz Dias dos Pais para todos.
Diz a filosofia que nós humanos somos desprovidos de instinto, isto é, nascemos sem saber quem somos, não temos a menor ideia do que fazer (como tudo tem exceção, às vezes alguém nasce já relinchando e se torna Presidente do Brasil). O gato quando nasce sabe que é gato, e segue sua vida de gato inteirinha sem aprender absolutamente mais nada, nada de aprender coisas de cavalo, de porco ou de tubarão, na verdade vai levando sua vidinha miando e fazendo gatices. O homo sapiens precisa aprender tudo. Dizem que o único instinto que temos é o da sobrevivência que nos impulsiona a procurar o peito materno.
Aprendemos a andar, falar, ler, nadar, correr, escrever, ciências, enfim, somos impostos a saber ser humano. Claro, evidentemente que fomos dotados de um cérebro, e é bem verdade que o tal órgão vem zerado e sem manual de instrução, fazendo-nos dependentes de outros humanos que irão nos abastecer de informações para que nós possamos entender que somos humanos e, evidentemente compreender o mundo em nossa volta. Porém, as informações, ações, comportamentos, exemplos não são uniformes a todos os humanos recém-chegados a terra, mesmo se fossem, não serviria para todos, pois, cada humano é uma peça única. Um gato que nasce no Japão não mia em japonês, mia em “gatês” língua miada por todos os gatos na face de todo o planeta terrestre, já uma criança nascida no Japão vai aprender falar, andar, cantar e se comportar como japonês e para se comunicar com um brasileiro terá que aprender português ou o brasileiro falar japonês, que também passou pelo processo de aprendizagem.
Entretanto, para não nos aprisionar em um divã por toda vida. Talvez, para aliviar sua consciência e compensar nossa falta de instinto, a natureza nos deu o que se convencionou chamar de dom, talento, habilidade natural, mas por sacanagem não disse qual o dom de cada um: Todos têm que se virar, procurar o seu. Conheço uma porção de gente que não encontrou sua habilidade natural, se tornando pessoas frustradas, maus profissionais, maus pais, maus amigos. Aqueles que têm a felicidade de conseguir se consagram bons profissionais: bons advogados, cientistas, professores, músicos, empresários… …Assim formam a maioria da raça humana usando seus dons medianos.
Porém, existem aqueles sujeitinhos sortudos, que chegam atrasados e vão para o rabo fila e quando da sua vez, já cansada a “natureza”, ver um monte de dons amontoados, se não forem usados serão desperdiçados, decide então entregar ao último, e o cara nasce com mais talentos que os outros, com uma espécie de “inteligência plus” assim como Jesus de Nazaré, Albert Einstein, Gandhi, Mozart, Van Gogh, Da Vinci, Caetano Veloso, Lula, Madiba, Sócrates, Platão…
Aos que flutuam ali no limiar, naquela linha tênue entre a mediocridade e a completa falta de raciocínio lógico, a chamada burrice nata – meu caso -, há um consolo, dito pelos que, cheios de caridade, generosidades e piedade, profalam: “Se você não vence pelo talento, irá vencer pela persistência”.
Até hoje, aos 62 anos completos, no 20 de julho, ainda não sei onde me encaixo: tenho certeza que não fui o último da fila e, se fui, certamente, quando chegou minha vez não tinha mais nenhum talento disponível. Também esse negócio de persistência é papo furado, pelo menos para mim não funcionou. Há 35 anos resisto, persisto e não desisto nunca de um dia aprender a tocar violão. Mas devo confessar, quando vejo Gilberto Loia tocar Corsário ou Jade – de João Bosco – e Geraldo Carvalho dedilhando seu pinho, tenho vontade de desistir, mas como bom brasileiro não desisto, resisto. Se não conseguir sair das três notas musicais que aprendi, mas se resistir e vencer Bolsonaro já estarei de “boa”.
Fezes
Os boletins médicos afirmam que foi retirado 1 quilo de fezes, através de cateter inserido no nariz do Presidente Bufão. Quando disse que o cagão expelia fezes e gases por todos os orifícios era apenas uma força de expressão, o que agora, deixa de sê-la.
Galvão
Galvão Bueno, como narrador esportivo não poderia ser mais desonesto, antiético, mesquinho e pequeno. O sujeitinho quer ganhar a todo custo, menospreza os adversários, nos empurra um sentimento de rivalidade danoso, infla o “jeitinho brasileiro” de levar vantagem em tudo, fair play para ele é somente uma palavra. Os meios justificam os fins, enfim, é um pulha.
Caricatura
Caricatura de Elza Soares, feita para participar do Prêmio Valdemir Herzog. Porém, li e agendei: Inscrição até 30 de julho, era 30 de junho, perdi prazo, quem manda ser analfabeto e cego.
“A cidade acorda e sai para trabalhar, na mesma rotina, no mesmo lugar”, verso da música Conformópolis, do grande músico Di Melo. Depois de muita resistência, laudos falsos(imaginários), dores na cabeça no dedo mendinho do pé esquerdo, desculpas descaradamente esfarrapadas para Roberto Freitas, meu genro fisioterapeuta – a quem agradeço todos os dias e todas às vezes que me oferece oportunidade e, assim farei sempre, por seu atendimento imediatamente nas primeiras horas do meu AVC – que dizia se eu não caminhasse, certamente, acrescentaria mais uma deficiência à minha “cacunda”, desta feita, física.
É verdade, passados 2 anos a minha fonte de alegações para não deixar o calor da cama definhou, sua força gorou, tal qual o argumento do energúmeno que vomitava não haver corrupção no seu desgoverno. Porém, Maria também perdeu a paciência e, unilateralmente, decretou: “A partir de hoje, vamos caminhar!”. Ainda tentei um habeas corpus junto a mais alta corte familiar, para ter o direito inalienável ao bom cristão de permanecer deitado no seu “berço”, pedido indeferido pelos netos, com anuência dos filhos, em complô fizeram coro com Maria. Hoje acordo com a cidade, torturando minha admirável e amada preguiça da alvorada, saio para caminhar como quem vai à fila da Caixa Econômica para receber o “milionário auxílio emergencial de R$ 150,00”. Na verdade, essa coisa de caminhar é uma tortura disfarçada de ter efeitos à vida saudável, um castigo permanente. No instante em que ponho o pé fora da cama, igual a Sísifo, imagino logo que cumpra a árdua tarefa o dia acaba e amanhã terei que fazer tudo novamente, igualzinho.
No trajeto encontramos gente indo e vindo de carros, ônibus, motos, bicicletas e outros a pé, todos apressados. São trabalhadores que por motivos mil não podem ficar em casa em isolamento social e são obrigados a cumprir seus destinos. Cada um com suas histórias de vitórias e derrotas, acertos e erros, amores e desamores. São pretos, brancos, mulatos, pardos, homens, mulheres, LGBT+, católicos, evangélicos, umbandistas, espíritas, com partido, sem partido. Na verdade são apenas humanos condenados a comerem o pão que o diabo amassou, dia após dia, além de tudo, não bastasse os dessabores da falta de transporte público com o mínimo conforto, educação de qualidade para si e seus filhos, saúde, salários dignos ainda são forçados a enfrentarem a besta-fera do Coronavírus e aquela outra inquilina do Palácio do Planalto.
Quando os ônibus apinhados passam por nós, me pergunto que destino terá essa gente? Não daqui há um ano, dez anos, mas logo amanhã, no dia seguinte? Na volta sempre passamos por um senhor com seus 1,60cm de altura, uns 120 quilos, estático junto a sua moto a espera de compradores para seus salgados e sucos, que ora, descansam no bagageiro da Cial. Me entristeço e, certamente, se soubesse rezar, rezaria, como não sei, com um nó na garganta sigo caminhando e cantando, em silêncio.