Artigo

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A poesia e o cartum

Meu entendimento na arte dos versos e igual ao conhecimento sobre física quântica, isto é, nada! Entretanto, a poesia é uma das formas literárias que mais admiro e degusto com satisfação, talvez, por em meus delírios e impressões, ver alguma semelhança com o que faço, isto é, com os meus maus traçados e a poesia. Creio que o cartunista e o poeta têm em comum a fineza da síntese, a delicadeza e a sutileza de transmitir, muitas vezes, nas entrelinhas e traços,

Henfil com a pena no nanquin era mordaz e cortante como Ferreira Gullar em seu Poema Sujo: “Ferreira Gullar […] acaba de escrever um dos mais importantes poemas deste meio século, pelo menos nas línguas que eu conheço; e certamente o mais rico, generoso (e paralelamente rigoroso) e transbordante de vida de toda a literatura brasileira”, disse o Vinícius de Moraes.

Por falar no “Poetinha” ouso dizer que sua poesia e do jornalista Cid Augusto se entrelaçam em amores nas curvas sinuosas das mulatas desenhadas pelo cartunista Lanfranco Aldo Ricardo Vaselli Cortellini Rossi Rossini, ou simplesmente Lan, italiano de nascimento, mas brasileiro de coração, com o qual expressava no bico de sua pena as cariocas.

Laércio Eugênio Cavalcante tem a leveza e firmeza no traço imposto aos seus cartuns tal e qual as redondilhas que brotam da mente fértil do grande poeta mossoroense Antonio Francisco, transbordadas de sertaneidade na forma, cor no cheiro de terra molhada. Pode ser que alguns digam que Maria me deu o remédio errado, agora, não me neguem o direito de dizer que o Beco da Lama – Ora, outro dia um amigo me disse que o Beco da Lama é poesia – caminha de mãos dadas com os traços de Edmar Viana, que junto com o jornalista Everaldo Lopes encantou e divertiu por décadas os leitores do Diário de Natal e Tribuna do Norte, no seu Cartão Amarelo com seus traços poéticos.

Talvez tenha pouca lucidez, quer dizer, de fato, não tenho nenhuma, em se tratando de poesia. Mas ainda assim, me permito trazer essa semelhança entre o poeta e o cartunista, faço essa parecença sem o menor pudor, esse encontro, embora, haja tantas desencontros pela vida: ao poeta lhe confere respirar o mundo, suas dores, suas alegrias, suas mazelas, seus amanheceres e juntar palavras exprimindo sentimentos, isto é a matéria-prima do cartunista.

A charge tem simetria, métrica, pode ser concreta, lírica, épica, dramática…Me disse um amigo que sob a pena se imprimi a alma, talvez, seja por isto que a minha voa. Sei que vocês vão dizer que viajei na maionese. Ora (direis) ouvir estrelas! Certo. Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,”: Vou ali desenhar um poema. Vivas à poesia, vivas aos poetas!!!

Brito e Silva – Cartunista

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Bruninha – a bisneta

Todos dias eu e Maria calçamos nossos surrados e pisados tênis nos preparando para sairmos no rumo da venta a caminho da praça da Igreja Nossa Senhora da Candelária, quando lá chegando nos dedicamos a olhar aquela ruma de aparelhos para exercícios físicos, os quais evidentemente nos cansam, assim sendo nos dirigimos para o banquinho, que já tem a nossa cara e, por lá ficamos até às 17h35, então já recuperados e acabrunhados de ver toda aquele gente se martirizando naqueles monte de ferros, que para alguns desavisados causam até uma boa impressão, mas na verdade são equipamentos requintados para torturas e, pior, são indicados por médicos e fisioterapeutas de boa índole.

Bom! Hora e meia, já se faz, logo seguimos para buscar nossa neta Lívia na escolinha, a qual é a responsável direta por este nosso calvário.

Outro dia, antes do pai a leva-la à escola fez uma recomendação: “Vovó Có vá me buscar mais o vovô Bito e leve Buninha, no carrinho dela”. Ora! quem haveria de não atender um pedido desta natureza? Só se fosse um avô oco, um desalmado. Na hora de sairmos Maria percebeu a falta de pagamento de um boleto que chegou atrasado – estes malvados que consomem quase toda nossa renda doméstica, nos assombrando religiosamente todo final e início de mês, podem até atrasarem, mas faltar? Nunca – sugeriu irmos pela casa lotérica e lá fomos nós: ela com a boneca e eu levando o carrinho de Bruninha. Todas pessoas que passavam olhava de um jeito diferente: Umas riam, outras balançavam a cabeça – talvez, imaginando de qual hospício saíra estes dois velhinhos doidos -.

Maria entrou na lotérica, não antes de pôr a boneca no carrinho, me encarregar de ficar de olho, alguns minutos depois uma senhora saindo do prédio passou por mim, não se conteve “que fofinha” deu uma risada e danou-se apressada dobrando a esquina.

Boleto pago, seguimos à praça ao nosso observatório. O carrinho de Bruninha é um rosa-pink com detalhes verdes delata pupila, mesmo se você tiver miopia em alto grau, ainda assim, certamente, iria enxergar pelo menos a uns mil metros de distância. Os carros passavam sorridentes, transeuntes nos miravam intrigados com a cena de dois sexagenários sentados num banco de praça com uma boneca e seu carrinho, além do mais, uma vez ou outra Maria trocava algumas palavras com a boneca. O certo, é que pontualmente pegamos Lívia na escola e ela satisfeita com sua Bruninha, a caminho de casa dava alguns conselhos à boneca: “Olhe aqui filhinha, não pode pular no sofá, a vovó Có biga, entendeu Buninha?”.  

Sem netos seríamos apenas velhos troncos de árvores ressequidos pelo tempo implacável incapazes florescer na primavera. Creio que os netos são o que melhor pude ter nessa passageira vida.

Brito e Silva – Cartunista

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Carnavais de outrora

Às vezes me pego pensando que sou um alienígena neste mundo de meu deus, isto é, do deus que abençoa o carnaval de norte a sul, de leste a oeste aqui na terra de Tupã. Só me falta certidão para comprovar ser marciano ou quem sabe lá de Plutão. Confesso meio acabrunhado, olhando pro chão, na fazer parte da legião de “Vevete”, desses que saem por aí encurralados por uma corda e uma porção de brutamontes atrás de um trio elétrico balançando a rabichola na boquinha da garrafa, definitivamente não estou no tempo: me atrasei pra festa. Corro léguas, como o cão corre da cruz, destes carnavais de Vevetes, Chicleteiros, das Anitas…

Não confirmo que sou um herege por completo, já me entreguei por muitos carnavais à festa deliciosamente pagã. Quem nunca? Claro que aos sons dos clarins, até o escultor renascentistaMichelangelo Buonarroti teria mudado sua famosa frase dita ao finalizar seu Moisés, ao invés de “Parla”, certamente teria dito “balança o esqueleto aí meu filho”, o imperador Nero, talvez se fantasiasse de anjo e com sua arpa desafinada sairia no salto, rodando o saiote aos primeiros acordes da marchinha “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é…”.

Sou mesmo, sou das antigas e este clima de folia me deixa saudosistas, sim senhor. Apesar que qualquer semelhança dos carnavais de antes com os de hoje estar fora de questão, minha memória – que às vezes apaga o que não devia e talha em mármore o que tento não lembrar – me aporta, nos anos 70. Mesmo quando exprimo um esforço tão forte quando caldo de batatas para resistir às lembranças de outrora, minha neta Lívia, de 2 anos, diz que vai se vestir de colombina para o carnaval da escolinha. Envolto em imagens psicodélicas diabolicamente carnavalescas quando dou por mim estou nos Paredões, lá em Mossoró/RN, nos anos 70 com nossa vitrola Isabela V ABC – Voz de Ouro – animada tocando “Tudo é carnaval, tudo é carnaval, vamos embora pessoal…”. Na porta um “urso”, encarnado por um papudinho das cercanias, que neste período se veste em retalhos de tecidos, acompanhado de outro amigo de copo e de cruz esbaforido batendo descontroladamente um puído bumbo e ainda um outro terceiro maltrata um velho desafinado pandeiro quase sem platinelas, com um caneco de ágata amassado na mão pede algum dinheiro para alimentar o “verme”, iludido ser capaz de poder afogar suas cristalizadas mágoas. 

Depois de ouvir Elis Regina cantar Romaria na novela Maria, Maria, De Assis – meu irmão – Carlinhos de Giselda, Vandimar Mendes, Julhinho, Aldo Cortez e eu já na calçada todos a postos para botar o bloco na rua a caminho do bar de Tilon para jogar sinuca, tomar uns “burrinhos”, jogar Maizena uns nos outros e no compasso de “mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar…” subirmos para o Club Cardeal, ao lado da Igreja de São José ou descer para o Club Salinistas, na rua Prudente de Morais, que durante os outros dias do ano era uma escola – lembro de ter estudado lá -, convictos de cada um encontrar sua colombina para dividir os três dias de folia. Aqueles que dessem com os burros n’água, certamente, esticavam até à ACDP e AABB para apigorar no “sereno” esperando um vacilo do porteiro para entrar de graça e arriscarem a sorte com alguma desavisada menina rica da socialite “moscowita”.

Brito e Silva – Cartunista

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Nunca é tarde para lutar e agradecer!

O Papa Francisco, em Audiência Geral, no dia 30 de dezembro de 2020, concluiu a sua catequese, afirmando:

“Se formos portadores de gratidão, o mundo também se tornará melhor, talvez só um pouco, mas é suficiente para lhe transmitir um pouco de esperança. O mundo precisa de esperança e com a gratidão, com o comportamento de ação de graças, nós transmitimos um pouco de esperança. Tudo está unido e interligado, e cada um pode desempenhar a sua parte onde quer que esteja”. (https://www.vaticannews.va/…/papa-francisco-audiencia…). (Grifos nossos). É sobre a necessidade de fazer agradecimento que quero aqui relatar um pouco sobre minha trajetória acadêmica! 

Nesta semana, revisitando alguns arquivos próprios, encontrei os primeiros textos e registros fotográficos que subsidiaram a minha monografia de conclusão do curso em Ciências Econômicas na UFRN, começo da década de 1990, momento em que eu dava os primeiros passos sobre a importância do reaproveitamento do lixo como alternativa para a geração de ocupação e renda, diante de um cenário de precarização do emprego, de exclusão social e de ameaça ambiental.

Foi a partir da observação do número crescente de catadores de materiais recicláveis nas ruas da capital e de outras cidades do interior potiguar que comecei a ter interesse pelo tema, culminando com as defesas da dissertação de mestrado (2005) e da tese de doutorado (2019). 

De fato, a vida não foi fácil durante essa trajetória. No início, além das poucas publicações existentes, tive, ainda, que enfrentar o “preconceito” acadêmico sobre o assunto. “Ninguém – ou quase ninguém – queria, e ainda continua não querendo, saber de lixo”. Aliás, essa constatação é relatada por Sabetai Calderoni, no livro “Os bilhões perdidos no lixo” (2003, p. 25), quando ele diz: “O lixo é um material mal-amado. Todos desejam dele descartar-se. Até pagam para dele se verem livres”. 

Por outro lado, apesar das dificuldades, sempre houve motivação para seguir adiante. Os trabalhos acadêmicos de Idalina Farias Costa: “O povo no lixo: um estudo sobre a estratificação social da favela de Cidade Nova” (1978) e “De lixo também se vive” (1986), por exemplo, foram motivadores e fundamentáveis para a compreensão paradoxal da atual sociedade (consumista e excludente).

Por diversas vezes fui questionado por colegas sobre o motivo pelo qual estava estudando o tema (lixo). Mas, isso nunca foi para mim fator de desmotivação, apesar do “desconforto”. De certo modo, eu não estava só. Apesar dos poucos apoiadores, eles foram indispensáveis para a sequência dos meus estudos. 

De lá para cá, foram muitas idas aos lixões (meus laboratórios) e infinitas conversas com os catadores e catadoras (meus mestres e minhas mestras), em diversos lugares, deste e de outros estados. Aprendi muito nas visitas que fiz e nas conversas que tive. Apesar do ambiente do lixão não ser o ideal, era, e ainda continua sendo, um lugar “acolhedor” – uma espécie de “tabua de salvação e o único a “receber” geograficamente pessoas de vários lugares sem necessidade de passaportes – em que famílias inteiras retiram “alimentos”, até mesmo em disputas com alguns animais. 

Apesar dos dias difíceis daquelas pessoas, era possível constatar momentos “divertidos”, pois, entre a chegada do caminhão que trazia os resíduos de um certo “bairro rico da cidade” ou de algum supermercado, os catadores e as catadoras aproveitavam o intervalo para jogar uma partida de dominó e/ou de baralho, tomar um café e prosear. A expectativa da vinda do “carro do lixo” de um bairro em que morava gente de posses ou de um supermercado era grande, uma vez que as famílias que estavam naquele lixão já imaginavam recolher algo de valor econômico, algumas carnes, frutas frescas e iogurtes para as crianças. Sou testemunha de inúmeros acontecimentos dessa natureza. 

Com efeito, é através dos registros fotográficos de uma visita feita ao lixão de Caicó/RN, em 1996, que quero agradecer a todas as pessoas que contribuíram, e que ainda continuam contribuindo, na ascensão de minhas pesquisas sobre o lixo (resíduos sólidos). 

Para não cometer nenhuma injustiça, por não recordar daqueles(as) que acompanharam o meu trabalho ao longo dessas três décadas, não mostrarei os seus nomes. Quero, através desses poucos e importantes registros, fazer os agradecimentos a todos(as). 

De fato, este trabalho não encerra aqui. Continuaremos na luta, pois é necessário avançar muito neste assunto, principalmente nas políticas públicas de inclusão dos catadores e das catadoras, na educação ambiental, na erradicação dos lixões e na forma como a sociedade encara esse grave problema, isso porque, o “Panorama 2021 dos resíduos sólidos no Brasil” (ABRELPE, 2021) acabou de revelar que no Brasil, em 2020, foram coletados 76,1 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU). Desse total, 60% seguiram para disposição em aterros sanitários, enquanto para as áreas de disposição inadequada, incluindo lixões e aterros controlados, foram destinadas 40% do total de resíduos coletados. Na média, cada brasileiro produz diariamente 1,067kg de lixo. 

Registros de uma visita ao lixão de Caicó, em 1996. Arquivo do autor.

Professor Raimundo Inácio – UERN

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Com Açúcar, Com Afeto

Lá pelos anos 1960, aliás, para ser mais preciso no ano de 1967, em um barraco qualquer de uma favela do Rio de Janeiro/RJ, uma jovem senhora negra ainda apaixonada por seu “malandro” marido, que nos 362 dias do ano reclama de ser um operário, porém quando os clarins anunciam fevereiro, certamente, veste a fantasia de mestre-sala, sai a bailar na avenida, defendendo as cores de sua escola de samba do coração.

O malandro Duran, acorda às 9h, toma café preto, mastiga um pão dormido, põe seu terno de linho branco, com um beijo nos carnudos lábios de Maria se despede, não sem antes dar-lhe uma tapinha nas suas fartas ancas, sussurrando ao pé do ouvido misturando alguns “impropérios” promete voltar em tempo de sentar na esteira para o jantar, mas agora precisa descer o morro em busca de trabalho, pois precisa sustentá-la.

Vitória, ou simplesmente Vivi – como ele chama Maria Vitória – em um vestido de chita vermelho de bolinhas brancas cobrindo seu esbelto corpo negro e suas sinuosas curvas, parecendo mais uma das mulatas do cartunista Lan, desfilando num doce balanço a caminho do quintal pegar algumas goiabas e bananas para depois, na beira do fogão de lenha, fazer o doce predileto do seu ‘nego”. As bolhas de ar estourando no taxo exalando um cheiro a obrigava a salivar, mas, urgia para que continuasse a fazer movimentos circulares sincronizados com a colher de pau evitando não correr o risco de passar do ponto a deliciosa guloseima, que desandasse e ficar aguado. 

Então ela mexe, mexe, mexe. Mas, seus pensamentos estão ancorados na promessa feita por Duran, sabia ser mais uma a não ser paga. O Malandro com receio de suar e manchar o bem alinhado que fora caprichosamente passado à goma com ferro de brasa, desce as ladeiras e vielas a passos lentos, com molejo de sambista. Não oferecendo desfeita aos amigos, faz parada em cada bar, marca sua presença e pendura a conta no prego, vai descendo sem pressa, passo a passo. Já em Ipanema, fala com o “Galego” dono do bar, vai ao banheiro põe a roupa de trabalho, uma sunga preta que só conhece aquela praia, senta na calçada pede uma cerveja ao garçom, abraça um velho e surrado violão e faz pose, logo aparece alguém que sabe tratar o instrumento com merecido carinho para quem passa o belo pinho, vai para ponta da mesa e inevitavelmente começa a batucar um samba de Noel.

Embriagado pela beleza das saias de quem vive pelas praias coloridas pelo sol ao som do violão e das ondas do mar. Lá por volta das 17h, o malandro vê uma linda mulata gingando no passeio público a lembrando-lo de sua “nega”, apressado se despede, bate o “cartão de ponto” e diz um até amanha. Inicia sua peregrinação de volta, porém em cada esquina tem um bar. Já avistando a luz do lampião de gás de seu barraco pede um tom a Chico Sete Cordas, canta um samba em tom maior, mais um até logo e sobe.

Vitória, “trombuda” de cara fechada, pelo atraso costumeiro ouve o rangir da porta de zinco na soleira, levanta da rede, atiça o fogo quase morto, esquenta o prato, com um iluminado sorriso estampado nos olhos, com açúcar, com afeto abres os braços ao seu Duran.

Brito e Silva – Cartunista

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Feijão verde

Meu dia começa cedinho com o galo cantando, quer dizer, com uma sinfonia desafinada de pardais, bem ao lado de minha janela, na verdade é uma algazarra dos diabos, na verdade creio que seja um “abufelamento”, talvez por alguns tocarem fora do tom. Enfim, tão logo soam os primeiros gorjeios salto da cama no rumo do escritório, que fica a dois passos do paraíso. Assim sendo, não fico imune às vozes da rua.

Cotidianamente há uma multidão gente gritando vendendo algo: tapioca, cuscuz, bolo e hortifrútis. O “desfile” geralmente é aberto por uma Toyota Hilux exibindo seu bico de alto-falante sobre a capota com uma voz cavernosa anunciando os produtos, seguida por uma castigada Chevrolet C-10, que é atropelada por um senhor de bicicleta com buzina de FNM (Fê-Nê-Mê) proclamando em alto bom som, no gogó mesmo: “Olhe a mini-pizza, temos de todos os sabores”. Destes sons já calejei, não os ouço mais. Porém, nessa mistura de vozes, ruídos, gorjeios e latidos uma fala feminina, aveludada, similar a de nossa Alzinete – cantora mossoroense – me despertou “Olhe o feijão bem verdinho”, abri a janela, acenei e desci. Abri o portão da garagem, de perto vi uma jovem senhora – dava para perceber sua juventude – com marcas, sulcos profundos em seu afilado rosto, que certamente outrora fora por muitos cortejada. Perdido em meus pensamentos imaginando cada ruga tatuada naquela face seria uma ferida não cicatrizada, era uma história de dor e sofrimento. Fui despertado “senhor, senhor, seu troco”, dei-lhe bom dia e segui.

Subindo as escadas lembrei de um vídeo ancorado no Youtube, onde uma pessoa inicia um diálogo com um vendedor de feijão verde, porém não é um qualquer vendedor, é o Ezequiel do Feijão, uma criança de 11 anos que trabalha todas as manhãs de domingo a domingo. Seu interlocutor, rir da desenvoltura do pequeno comerciante – ou como diriam os vendedores de ilusões: empreendedor – que orgulhoso diz “quem quer ganhar dinheiro trabaia todo dia”. Na verdade, o Ezequiel é um trabalhador mirim inserido na nova modalidade de contratação de mão de obra criada pela Reforma Trabalhista o chamado trabalho intermitente ou talvez por prestar serviço para o pai e ganhar metade do que vende poderia ser chamado de “meeiro”. Na conversa ele diz que está juntando dinheiro para comprar uma bicicleta de R$ 1.800,00. Seu interlocutor compra os 4 pacotes de feijão restante e propõem um “rolo”, o manda pedalar para sua casa e o segue em sua pick-up, sem dizer ao garoto que pretende presenteá-lo com uma bicicleta. No trajeto, continua empolgado enaltecendo, louvando a atitude da labuta do menino e também conta sua vida de trabalho quando criança.  

Os comentários do vídeo são todos exaltando, engrandecendo e agradecendo a ação do benevolente doador. Não vi um pio, uma fala sobre a exploração sofrida pela criança. Inclusive, com o garoto dentro do carro a caminho de sua residência para efetivar o presente, sabendo que iria receber críticas pelo vídeo de uma criança em flagrante trabalho infantil saiu logo para o ataque perguntando “O certo seria uma criança de 11 anos, que nem já temos aí matando e roubando? Traficando? Este seria o certo para alguns que vão criticar, né isso?”

É vergonhoso e criminoso o que acontece com as crianças pobres no Brasil. Não falo de quem fez o vídeo ou do pai – mas ambos exploram aquela criança, sem entrar no mérito: o vídeo obteve 2.377.438 visualizações – mas a falta de políticas publicas eficazes com capacidade de devolver a infância e perspectiva de uma vida melhor às crianças desse país verde e amarelo, que às vezes parece esquecido por Deus.

Segundo os últimos dados disponíveis de 2019, da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 1,758 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Em 2020, 160 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos foram vítimas de trabalho infantil no mundo (97 milhões de meninos e 63 milhões de meninas). Estas crianças não trabalham por heroísmo, porque gostam, porque é bonito criança trabalhar, elas o fazem por necessidade, para saciarem a fome, diria meu amigo Delegado (porteiro, filósofo, monge e sociólogo): São tigres de papel.

Vi nos olhos da bela vendedora de feijão verde a tristeza da infância perdida de Ezequiel, talvez de ambos. Não duvido em sua ascensão, que logo “prospere”, seja adulto antes do tempo natural, compre uma moto e se tiver sorte pode até comprar uma Chevrolet C-10 e com um bico de alto-falante saia pelas ruas de Serra Talhada/PB gritando “Vai passando Ezequiel do Feijão, é só pedir para parar que eu paro. Aceito cartão e Pix”. Talvez até empregando outras crianças, como faz seu pai alimentando esse círculo vicioso e criminoso. Assim este tigre de papel aparenta ter ganho robustez, agora como “empreendedor” passa a “tigre de papelão”.

Lugar de criança é na escola e sendo criança!!! Ah! Maria está me chamando, o feijão está queimando.

Brito e Silva – Cartunista

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À morte de um canalha

Por Mario Benedetti (poema escrito e publicado em 1963)

Os canalhas vivem muito,
mas algum dia morrem 

OBITUÁRIO COM HIP-URRAS´

Vamos festejá-lo
venham todos
os inocentes
os lesados
os que gritam à noite
os que sonham de dia
os que sofrem no corpo
os que alojam fantasmas
os que pisam descalços
os que blasfemam e ardem
os pobres congelados
os que amam alguém
os que nunca se esquecem
vamos festejá-lo
venham todos
o crápula morreu
acabou-se a alma negra
o ladrão
o suíno
acabou-se para sempre
hip-hurra
que venham todos
vamos festejá-lo
e não-dizer
a morte
sempre apaga tudo
a tudo purifica
qualquer dia
a morte
não apaga nada
ficam
sempre as cicatrizes
hip-hurra´
morreu o cretino
vamos festejá-lo
e não-chorar por vício
que chorem seus iguais
e que engulam suas lágrimas
acabou-se o monstro prócer
acabou-se para sempre
vamos festejá-lo
a não-ficarmos tíbios
a não-acreditar que este
é um morto qualquer
vamos festejá-lo
e não-ficarmos frouxos
e não-esquecer que este
é um morto de merda”.

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Pra sempre ELIS REGINA.

Pode quem quiser meter o pau na Rede Globo de Televisão (eu inclusive faço muitas restrições do ponto de vista ideológico), mas é inegável a competência dela sobretudo com relação à questão do entretenimento. A qualidade técnica e artística das suas novelas, por exemplo, é reconhecida em todo o Planeta.

Acabo de ver no Fantástico uma matéria sobre a cantora brasileira Elis Regina, nos quarenta anos de sua morte. Tudo que diga respeito a ela me interessa e eu leio, vejo, curto e divulgo. 

Lembro-me do momento em que eu soube da notícia: estava no Terminal Rodoviário de Recife pegando um ônibus para Mossoró. Deu no Jornal Nacional através da voz solene e grave de Cid Moreira (se não me engano). Confesso que fiquei perplexo, paralizado, sem acreditar no que eu estava vendo e ouvindo: Overdose de álcool etílico com cocaína? Mas ela era conhecida no meio artístico como “careta” e não curtia muito droga!!! Impossível!!! Deve ser engano… uma pegadinha, talvez…. Ela estava no auge da carreira e sendo reconhecida como a melhor cantora do Brasil… vivendo um novo amor… Parecia que tudo estava dando certo! E agora? Como é que vai ser? Entrei no ônibus, me sentei na poltrona indicada pelo meu bilhete e comecei a pensar… era uma sensação esquisita de dor e anestesiamento… 

Passou como um filme na minha cabeça. Primeira vez que a vi foi no início dos anos 70. Eu trabalhava numa Empresa que ficava em frente ao Aeroporto do Galeão e todos os dias, no intervalo do almoço, eu e uns colegas íamos pra lá pra ver o movimento. Um dia vi quando ela se aproximou: vinha sozinha e duas coisas me chamaram a atenção: o seu tamanho (bem menor do que eu esperava) e o volume da sua bunda… Pensei: “Parece uma tanajura”. Ela ainda não tinha atingido o status que aos poucos foi conseguindo e eu ainda não era um fã tão ardoroso. O tempo foi passando, eu fui comprando seus discos, indo aos seus shows, até que, de repente, me dei conta que na trilha sonora de minha vida ela reinava absoluta. Estava presente nos principais momentos da minha adolescência e juventude, sobretudo na época da repressão. Fiquei triste com aquele desentendimento entre ela e o Henfil porque eu admirava demais os dois.

Com o tempo eu cheguei à conclusão de que ela era uma das maiores cantoras do Brasil. Um dia eu ouvi uma entrevista de Bibi Ferreira em que ela dizia que “a Arte é uma mistura do binômio técnica + emoção”. Alguns críticos acusavam Elis de que ela tinha muita técnica, mas quase ou nenhuma emoção. Foi quando a Rede Globo fez um especial em que ela cantava “Atrás da Porta”, de Chico Buarque e Francis Hime… Nunca mais me esqueci do close em que ela aparecia chorando enquanto cantava, com o rímel escorrendo pelo seu rosto misturado com as lágrimas. E eu fiquei pensando:

– Depois desta interpretação antológica, será que ainda vão fazer esta acusação? De que ela canta sem emoção? Impossível.

Até que cheguei à seguinte conclusão: ela não é apenas uma das maiores cantoras do Brasil, mas A MAIOR. E uma das maiores do mundo. Depois, já velho, sentenciei definitivamente: Ela é a MAIOR DO MUNDO.

Um amigo um dia me perguntou:

– E quais os critérios que você usou pra chegar a esta conclusão?

– Apenas um: nenhuma outra cantora no mundo toca a minha alma como ela. Nenhuma outra me faz ficar arrepiado quando as ouço.

Quarenta anos se passaram desde a sua morte naquele fatídico dia 19 de Janeiro de 1982. Ainda hoje sinto sua falta… ainda bem que, graças às novas tecnologias, a gente pode ouvir a sua voz insuperável. 

Dizem que ela tinha um temperamento difícil… Não foi à toa que Vinícius de Morais a apelidou de Pimentinha. Pode ser… mas e daí? Não bastava o seu talento extraordinário, beirando a genialidade? Ainda tinha que ser perfeita como gente? Talvez se ela fosse “boazinha” nem fosse a cantora em que se transformou. 

Obrigado, Elis… talvez agora, da eternidade, você possa dimensionar o seu valor pra todos nós. Pra mim, especialmente. Porque, sinceramente, acho que nunca existiu nenhuma outra cantora, não existe e acho muito difícil que possa existir alguém que sequer se aproxime de você em termos de qualidade técnica e de emoção.

Pra sempre ELIS REGINA.

Manoel Vieira Guimarães

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2022, sem medo de ser feliz

Como já cravei antes, tal qual o pardal sou um passarinho urbano, não em sua sinfonia, mas no romper da alvorada ao lhe fazer companhia. Cedinho, em silêncio total no escritório, no qual se ouve o enorme barulho de uma pena bater no chão, o mastigar de uma “bribinha”, que mora em minha estante, triturar uma aranha, logo foi quebrado por duas senhoras que passavam, talvez a caminho da padaria, tagarelando:

– Onde vai passar o Final de Ano?

– Em casa, dormindo!

– Não vai comemorar o Réveillon com sua família?

– Não! Isso é besteira! Nada muda, hoje é um dia comum como outro qualquer.

Determinante argumento para calar qualquer cristão ciente disto, foi exatamente o que fez a outra senhora: calou-se. As duas saíram mudas, talvez entaladas com o pão que comprariam.

Fiquei remoendo como uma pessoa acorda com tanta indisposição para vida? Suponho esta pessoa é assim todos os dias, talvez não creia em mais nada, perdeu a fé, perdeu o tato, olfato, audição, paladar e a visão já lhe é turva. Pobre alma não tem mais esperanças, perdeu a sensibilidade de um abraço, não sente mais o cheiro da respiração no :cangote”, não ouve mais aquela música que lhe arrepia os pelos, a maçã não lhe tem mais sabor e já não vê o sorriso de um neto, o sol não mais lhe banha o espírito, vive nas sombras, coitada, é apenas uma alma penosa a perambular entre as alegrias alheias desacreditando-as zumbizando.

Claro, sabemos que nenhuma data e, principalmente, o 31 de dezembro, como também o Natal, dia de seu aniversário, Dia das Mães, dos Pais ou as conjunções de Júpiter na 5ª casa combinada com o lado escuro da lua ou mesmo aquele milagroso livro de autoajuda irão mudar alguma coisa em sua vida. Não adianta cantar “este ano quero paz no coração…”, dar sete pulinhos em sete ondas…Fique certo que aquele Salpicão estragado faz mais efeito em sua vida que todas estas coisas juntas. 

Porém, para viver é preciso ter fé e estar em dia com todos os seus sentidos afiados: visão, tato, paladar, olfato e audição para poder externar todas as suas possibilidades. É preciso entender que qualquer mudança começa de dentro pra fora, tem que haver gestação para ser parida. Portanto, vá com sua falta de fé, seu mau agouro pra lá. 

Ora, que venha 2022, eu vou lhe usar sem medo de ser feliz.

Brito e Silva – cartunista

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Brito nas páginas de Navegos

Considerado o maior cartunista de sua geração estreia como Parceiro e Colaborador de Navegos, comentando a partir desta edição fatos e personagens da política do Rio Grande do Norte.

*Franklin Jorge
leitor@navegos.com.br

O maior cartunista e chargista potiguar vivo estreia parceria com Navegos, produzindo comentários visuais sobre fatos e personagens do RN, estado cujo mapa tem a forma de um elefante manco amarrado a interesses de políticos profissionais e grupos que controlam e exploram as potencialidades do estado, sempre subjugado e se arrastando em direção a coisa nenhuma.

Autor de uma biografia que o coloca entre os grandes caricaturistas de sua geração, começou a publicar em 1979, em Mossoró, no departamento de arte e diagramação do jornal Gazeta do Oeste. Nos anos de 1980 migrou para Natal, onde continua vivendo e produzindo uma arte que, via blogosfera, ganhou o mundo.

Ganhador do 42º Prêmio Vladimir Herzog, de 2020, tem participado de numerosas exposições dentro e fora do Brasil, dentre as quais, do Festival Internacional de Caricaturas e Cartuns de Saint-Juste, França; de Marseille.

Esperamos tê-lo uma vez por semana ilustrando a crônica política local que se expande em ano eleitoral que promete grande movimentação. Quando muitos se afadigam para obter o passaporte com validade de quatro anos para uma boa vida. Atualmente colabora com Papangu e edita www.blogdobrito.com

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A cultura do peido

Ontem,27, falando com o artista plástico, poeta e músico Airton Cilon sobre arte e cultura na cidade de Mossoró, logo a seguir emendei com o amigo Gilberto Loia também sobre o mesmo tema e igualmente, nós três descambamos para dentro da internet e suas influências na formação cultura da nova geração onde o que está posto disponibilizadas nas prateleiras têm conteúdos ruins e duvidosos.

Lá para as tantas alguém falou que nos anos oitenta se ligava a tv e tinha Chico & Caetano na Globo, Perdidos na Noite – com Fausto Silva na Band. As rádios tocavam Djavan, João Gilberto, Gilberto Gil e hoje no Altas Horas se vê Bruno e Marrone, Zeca e Zequinha, Chico e Chiquinho, Caguinho e Cagão, sem falar que a melhor cantora do Brasil dos últimos tempos das últimas semanas é Anita, que canta com duas bandas, isto é, com a bunda inteira.

No país que Deus nos deu Gal Costa, Maria Betânia, Simone, Bibi Ferreira, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Clara Nunes vêm “outros” e nos empurra Jojo Todynho, Anita, Cláudia Leite, Iza, Ludmila, sem querer fazer nenhum demérito ao que produzem – que para mim é ruim, de péssimo gosto -, se não fosse a grande mídia, internet e suas belíssimas bundas não fariam sucesso nem no banheiro, talvez no…

Certamente, vão me classificar de preconceituoso, vou logo dizendo que minha falta de massa encefálica me induz permitindo dizer estas asneiras sem nenhum remorso, pôr minha cabecinha no travesseiro e dormir feito um “anjo”. Dizem que arte e cultural é tudo aquilo produzido por um povo como forma de expressão, ora, mas nem por isto o selo de qualidade garante um bom produto, haja vista a sua origem e, hoje – como sempre, antes sem a internet – a “qualidade” desta produção cultural passa pelos youtubers, influencers (influenciadores digitais), eles são os verdadeiros Midas contemporâneos, tudo que tocam vira ouro ou merda, se os dois, estes são aclamados.

Por falar em merda, a influenciadora norte-americana Stephanie Matto está engarrafando seus peidos e vendendo pela internet, segundo a própria peidona, a produção de sua tripa gaitera já lhe rendeu R$ 284 mil em apenas uma semana. Bom quem quiser continuar comprando merda e peidos, que assim o façam, vou continuar com Chico, Caetano, Gal, Maria Betânia… E ouvindo Gilberto Loia tocando João Bosco e Airton Cilon o Raul Seixas.

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TABEFE – Brito, Laércio e Jaques

Lá por volta de 1983, Eu, Laércio Eugênio Cavalcante e Jaques Cassiano em algum bar, das noites da terra de Santa Luzia, Mossoró/RN, tivemos a ideia de criar uma revista de charges e cartuns que chamamos de TABEFE. Logo foi muito bem aceita na cidade e no mundo cultural. Naqueles tempos escuros o movimento estudantil se fazia bastante forte e era onde se encontrava eco e espaço vigoroso para lutarmos contra a ditadura. O lançamento da Tabefe foi no ACEU, numa promoção cultural do DCE/FURRN, hoje UERN. Não forço muita minha sexagenária memória a entregar lembranças de como viemos parar numa parceria com DCE da UFRN para lançarmos a revista em um evento cultural que seria realizado no Teatro Alberto Maranhão, certamente, foi através do DEC da UERN. 

Pois, muito bem. Fizemos uma “cotinha” para encher o tanque do Fiat 147 do poeta Gustavo Luz, que também vinha à capital lançar o seu livro Chuvas de Palavras, no mesmo evento. 

Saímos da boa terra com o galo cantando. Gustavo estacionou o possante na lateral esquerda do teatro por volta das 18h. Nunca havia feito uma viagem tão longa, por outro lado também nunca tinha visto na minha vida um carro tão cachaceiro, o “bicho” não podia ver uma placa de Coca-Cola na beira da estrada o motor logo “morria” e a nós só restava nos abastecermos com água que passarinho não bebe.

Teatro lotado e nós também cheios pela “tampa”, respirando álcool por todos os poros – não ficou um bar nas cercanias do Alberto Maranhão que não teve nossa honrosa presença – nos bastidores Geraldo Azevedo dava seus belos acordes de “Bicho de Sete Cabeças”, ansiosas as pessoas entoavam canções – não sei quem teve a brilhante ideia do roteiro: anunciar a gente em cima da hora do cantor, o apresentador sob as luzes diz: “Vou chamar aqui ao palco o pessoal de Mossoró que vem lançar uma revista de charges…”, na coxia já deu para se ouvir os primeiros ensaios de vaia e nós não decidíamos que iria “puxar” a fila para o centro do tablado, não sei quem me empurrou, mas quando abri os olhos estava no meio do palco, ladeado por Gustavo Luz e Laércio Eugênio Cavalcante, de microfone na mão bradei: “A revista Tabefe é um contraponto à Tio Patinhas que há mais de mil anos nos aliena”…Foi uma vaia das mais bonitas que já ecoou por aqueles lados, parecia que estavam cantando uma canção do Geraldo. Como diz aquele outro: a primeira vaia a gente nunca esquece. Porém, vendemos todas as revistas Tabefe e Gustavo vendeu seu livro Chuvas de Palavras. 

Brito e Silva – Cartunista

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Há perigo na esquina: resposta ao “jornalista” Gustavo Negreiros

Ataques e provocações caluniosas, preconceituosas e difamatórias em relação a profissionais da educação, cientistas e áreas do saber de modo geral, são recorrentes no Brasil de 2021. Os motivos, dentre os quais a onda retrógrada e negacionista que emana das principais instituições de poder eleitas em 2018, não são novidades.

Mais um episódio desses ataques ocorreu em 19 de novembro de 2021, no programa “jornal das seis” da rádio potiguar “96 FM”. Na ocasião, o “jornalista” Gustavo Negreiros dispara: “sabe quem é o segundo maior risco da educação brasileira? Não é o traficante, não. É o professor de Geografia, sabe, é o professor de ética, professor de filosofia, o professor de sociologia. Essas pessoas representam um risco às nossas crianças, e aos nossos adolescentes”.

Diante dessa situação vexaminosa, nos cabe enquanto comunidade geográfica brasileira, de um lado, repudiar veemente esse tipo de discurso racionalmente equivocado, eticamente lamentável e politicamente criminoso. Por outro lado, também cabe expressar profundo lamento pelo veículo de comunicação – uma concessão pública – que abre espaço para uma verdadeira propagação de riscos a formação o ensino e aprendizado de crianças e adolescentes, pois são justamente a presença de sujeitos como esse “jornalista” convidado entre outros propagadores de fake news que em setembro de 2019, nessa mesma rádio, classificou a ativista Greta Thunberg, uma jovem de 16 anos, como “histérica”, “mal amada” e que precisava “de um homem e de sexo”. Comentários esses carregados de estereótipos, machismo, misoginia e desrespeitos para com uma jovem mulher.

No mais, não cabe listar a folha corrida do “jornalista” para que se aponte o verdadeiro perigo para as nossas crianças, adolescentes e para a sociedade brasileira em geral. Sexualizar crianças, defender um governo inescrupuloso que sucateia e ataca a educação, e ainda comparar professores a criminosos é verdadeiramente um perigo, tanto aqueles que professam esses absurdos, como os escutam em silêncio. E não é o nosso caso.

Toda oportunidade para defender a educação e o livre pensamento, as instituições e as/os profissionais nelas envolvidas é válida e necessária. Ainda que Belchior tenha cantado em 1976 que “há perigo na esquina”, a comunidade geográfica brasileira, por sua vez, tem convicção de que nem “eles venceram” e nem o “sinal está fechado para nós”. Seguiremos na construção de uma Geografia e uma educação crítica, livre e solidária pautada na verdade e na Ciência. 

Associação dos Geógrafos Brasileiros,

22 de novembro de 2021.

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Eu vi

Sou um cidadão comum, sem muitas manias ou gostos exóticos, sou um sujeito sem graça nenhuma, sem um tiquinho de excentricidade, desprovido de esquesitices que mereçam destaque, a não ser que não gosto muito de sair do meu “banker”. Às vezes agendo um lançamento de livro de um amigo, um show, uma ida ao Riachuelo, ao Parque das Dunas, à praia…Mas um dia antes começam os sintomas: moleza no corpo, no dia aparece aquela ressaca de vodka ruim que tomei há uns 20 anos, podendo surgir febre repentina, não registrada em termômetro. Na verdade, sou um eremita urbano. Invento quase tudo para não sair de casa.

Porém, existem as boas causas que me fazem pôr o “fucin” ao vento. Ontem,20, foi uma delas. Acordei cedo, feito um passarinho urbano “desimbestei” para o Sebo Balalaika, onde tinha deixado o violão de Jade para Ramos dar “um trato”. Lá madruguei, encontrei a loja fechada sentei na soleira de onde passei a observar os transeuntes, moradores e lojistas da Rua Vigário Bartolomeu. Homens, mulheres e crianças se esguiando pelas micros-sombras das calçadas fugindo do sol.

Eram pretos, brancos, pardos, falsos índios, gays, lésbicas, hetéros, bêbados, drogados, feios, bonitos, ricos(?), pobres e miseráveis, todos fazendo parte da fauna que circunda a Casa Legislativa Estadual e o Executivo Municipal da Cidade do Sol. Todos em busca de algo: alguns atrás de livros e discos raros, outros de uma boa conversa, já outros tantos uma “talagada” de cachaça lhes descendo goela abaixo ao som de uma música brega das antigas se dariam por satisfeitos, entretanto, há aqueles que não buscam mais nada, estarem vivos já lhes basta, para alguns viver nem lhes importavam, pareciam mortos-vivos, zumbis reais perambulando de lata em lata de lixo, mas todos, sem exceção, empurram sua pedra montanha acima. Estas cenas me lembraram duas senhoras que vi outro dia no Shopping Midway, uma delas mais “enfeitada que a burrinha de Zé Garcia” a outra empurrava um carrinho de bebê com um cãozinho dentro igualmente vestido a senhora branca. 

Eu vi gente, gente de verdade. Vi gente lavando o rosto em água servida que estava empoçada na calçada de um restaurante, sair rindo e dizendo que só lhe faltava um pão, vi um casal de mendigo brigando por uma parte de papelão, vi um senhor, de uns 70 e tanto anos, gritando para outro que estava num primeiro andar:

– Ei, seu carai, onde está minha máscara?

– Está no seu queixo “véi” doido.

Quando dei por min já tinham se passado duas horas. Pronto para ir embora se aproxima um pedinte, sem camisa, corpo franzino, esquelético expondo as costelas, cabelos bastante desgrenhado e naturalmente sujo e uma bermuda rasgada me pedindo R$ 2,00:

– Por que dois reais?

– Porque se você me der um já serve.

Dei uma risada, entreguei um Real. Rindo me respondeu.

– Manjou, né?

Brito e Silva – Cartunista

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Do you love me?

Não tenho dúvidas que quem canta não só os males espanta, mas, certamente, fala diretamente com Deus. O filósofo prussiano, Friedrich Nietzsche, certa vez tatuou que “sem música a vida não faria sentido”, ouso assinar no rodapé.

Uma boa música é como um bom livro que faz você voar para novos mundos, novas paisagens, novos horizontes, para novos e velhos cheiros e aromas nos fazem rir ou chorar, pois ao passado as boas lembranças, saudades e outros sentidos são tão nítidos que os sentimentos brotam em tamanha profusão como se vulcão fosse. 

Claro, que não sou sinestésico nem poderia, pois meu vazio cérebro é tão oco quanto um sino sem badalo. Mas quando ouço algumas músicas me transporto simplesmente, e é certo que não fico no presente, às vezes me dano para o futuro o qual imagino um mundo com mais tolerância, mais justiça social mais amor, noutras horas volto ao passado nos tempos de galos e quintais, onde a inocência não padecia da malícia da vida que viria.

Há pouco estava ouvindo “Do you love me?” – Sharif Dean & Eveline D’Haese, música que também foi um sucesso danado com uma versão do Trio Esperança “Me ama?” lá por volta dos anos 70, de repente fui catapultado, me senti plenamente na confluência da Rua Augusto da Escóssia com a Afonso Pena aonde passei a perambular em meio a um aglomerado de pessoas andando de um lado para outro, outras em grupos reunidas conversando e rindo, ainda outros jovens fazendo medo para um casal na fila da Roda Gigante, vi um vendedor de picolé – não era meu pai – fazendo seu marketing gritava feito louco “quem comprar dois leva três” e “menina bonita não paga, mas também não leva”.

Nos quatro alto-falantes, um em cada direção dos pontos cardeais, no alto de um poste fincado bem no meio do parque uma voz parecendo sair de uma caverna anunciava “Essa música vai para o brotinho de saia azul, blusa branca de lenço rosa no cabelo, oferecida pelo rapaz de camisa cacharréu azul clara, calça branca e tamancos que está fumando cigarro Hollyood ao lado do Carrossel”: Do you love me? I love you, more than words can say… …“Menino seu café gelou”, era Maria me trazendo à terra. 

Brito e Silva – Cartunista