Artigo

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Pacífico Medeiros: resignificando a fotografia

Por Márcio de Lima Dantas

“No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa” Roland Barthes

Pacífico Medeiros (Natal, 1967) reside desde sempre em Mossoró. Tendo uma carreira pontuada por diversos cursos e eventos vinculados à fotografia, embora haja nos seus trabalhos uma distância das técnicas utilizadas desde sempre nesse meio de retratar a realidade.

Antes de adentrarmos um pouco mais sobre esse original fotógrafo, cremos ser necessário voltar no tempo e buscarmos determinadas explicações que nos ajudem a compreender com mais propriedade e conhecimento alguns estilos de pintura que sofreram impacto quando do surgimento da fotografia.

Vejamos. Quando surge a fotografia, por volta de 1826, instala-se uma série de indagações acerca dessa nova maneira de retratar a realidade. Ao que parece, não havia o artesanal da pintura, do desenho ou da escultura. A pintura, mais apressada, sentiu-se emparedada, inquirindo afinal qual era mesmo sua função, pois sempre ocupou o papel de retratar a realidade, seu entorno e contornos. Sintomaticamente surge o Impressionismo, deixando a tela esmaecida ou tão-somente sugerindo, sobretudo, a retratação do humano. O recuo de formas bem diferentes, assim como sabia fazer o Realismo, Romantismo ou Academicismo, engendrou imagens que necessitavam de recuo físico da tela para que a imagem se desse a observar e conhecer. Basta contemplar a tela de Claude Monet: Impressão, nascer do sol (1872).

Acabada essa digressão, cumpre-nos tratar do ethos da fotografia fora do comum de Pacífico Medeiros. Refratando modelos, o produto final desse artista ocorre por meio de uma sobreposição de técnicas advindas de outros sistemas semióticos, sendo que estas são produzidas através de programas de

computadores, em um jogo no qual a fotografia primeva esmaece e é também ressaltada. Quase sempre emoldurando com contornos dramáticos o retrato de quem expressa um sentimento ou encontra-se envolvido em atividades de algum ofício. Tais figuras podem ser duplicadas ou triplicadas em uma espécie de crescendo, engendrando um belo efeito cromático de preto e branco sobre figuras geométricas coloridas.

Com efeito, há que compreender a função de múltiplas técnicas, – passando pela gramatura do papel e indo buscar um pano-de-fundo nos antigos mosaicos (ladrilhos) de residências ou igrejas, só para restar em um exemplo, – essa função perfaz uma aura estética inauguradora de uma nova obra, quem sabe uma nova ordem de pensar e refletir acerca da realidade.

Quero dizer com isso de uma nova ordem na fotografia, no qual a mensagem, via meios tradicionais e digitais, assomam no nosso derredor, largando uma forma monolítica que o retrato em preto e branco ou colorido demanda ao expectador. Mesmo detendo um eidos estético, com o sumo da mensagem multisignificativo, não esquece de apontar caminhos e pistas a quem está diante. Bem claro que o significante suplanta e questiona o que se diz, sugerindo o como.

Sucede um fenômeno nosso momento histórico; como sempre, este, fruto das condições socioeconômicas que a tudo e todos pintam com suas cores e nuances. A saber, uma algazarra de informações contidas nas redes sociais, sintetizadas no nome Internet. Muitos nem conseguem alcançar certas nomenclaturas e determinados manuseios nos grupos sociais. Contudo, podemos equacionar da seguinte maneira: tem tudo de bom, tem tudo de ruim. Nunca esquecendo o mal-estar que bafeja sobre tudo e todos, inclusive sobre a crítica de arte, ao que parece, em franca extinção.

O fotógrafo Pacífico Medeiros optou pela primeira, ousando inscrever suas fotografias em um amálgama de técnicas oriundas de diversos meios. Não deixando de lado o kairos, ou seja, o momento certo, a oportunidade não perdida de apreender através da objetiva elementos figurativos que irão compor uma espécie de ponto de fuga: mulheres, homens trabalhando, uma senhora que aquiesce, por meio das mãos, as vicissitudes do destino.

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Os pecados são todos meus

Não costumo me esquivar dos meus erros e terceirizar malfeitos, creio ser uma canalhice, uma cretinice. Portanto, como já disse antes que tenho poucas coisas para me arrepender, não que minha carga seja maneira, mas por ser crente do merecimento e, assim sendo, sou ciente de minhas enormes falhas, as quais ao longo do tempo tentei sepultá-las, algumas consegui mantê-las no porão, mesma aquelas mais latentes as pus em corrente curta, entretanto, outras tão sutis e dissimuladas, quando você imagina que as domou elas surgem violentas e nos revelam quem somos, por outro lado elas me mantém lúcido e certo de minhas robustas debilidades.

Eu conheço todas as minhas qualidades boas e más: fraquezas, imperfeições, também minhas aptidões e brio não que tenha posto o pé na soleira da sabedoria, esteja sob a paz infinita, me tornado “iluminado”, encontrado meu nivarna. Caminho muito distante disto, meus pecados, defeitos são maiores que minhas boas qualidades. Todo santo dia, quando ele se esvai vejo que Leonard Vinci foi claro e preciso quando cunhou “A maior decepção que o homem sofre advém das suas próprias opiniões”. Juro que tento ser menos arrogante, mais humilde, mais compreensivo, sabendo que para isso é preciso ser forte e corajoso, porém, acabo me rendendo a fraqueza e a covardia. Talvez meus valores éticos, morais e visão de mundo tenham envelhecidos ou, talvez, já tenha me tornado em um velho tolo. Entretanto, como diz Gilberto Gil “os pecados são todos meus”. 

É certo, que a arrogância, a empáfia, a falta de humildade nos permeiam, nos cobre a pele como um grosso casaco de inverno dos esquimós e, por que isto? Não sei. Talvez quem sabe, lá no fundo d’alma, para aqueles que acreditam na “Palavra” não seja a vergonha de revelarem-se pobres diabos hipócritas descrentes, que apenas finge e assim se constituíram em sepulcros caiados”.

“Meu pastor não sabe que eu sei da arma oculta em sua mão”, música de João Bosco, Milton Nascimento e Toninho Horta. Me causa pena, dos que, com Bíblia na ponta da língua cultivam gestos e ações na ponta do ariete.

Quando digo que há pouca coisa para me arrepender, ora quero dizer que dessa vida nada se leva, se é que se vai algum lugar, nem as riquezas e menos ainda os sacrilégios. Haja vista, que aos que aqui têm o privilégio de andarem não se vão devedores, todos pagam seu quinhão, todos compram antecipadamente a passagem de ida.

Brito e Silva – Cartunista

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Especial: A casa de Quincas Saldanha nos Arredores de Caraúbas.

 Por Márcio de Lima Dantas.

oaquim Silva Saldanha nasceu em 11 de dezembro de 1872, faleceu em 14  de junho de 1936, na cidade de Caraúbas. Era Coronel da Guarda Nacional,  latifundiário de terras no Rio Grande do Norte e Paraíba. Essa titulatura,  menos remetia a se considerar como um quadro de uma instituição nacional,  e mais como espécie de título encomiástico que imprimia a quem houvesse  tê-lo, poder e valor, visto está quase sempre atrelado a personagens da região  Nordeste caracterizados pela posse de grandes datas de terras e ao criatório  de animais adaptados à região do Semiárido. 

O Coronelismo foi uma  instituição extremamente importante na gramática do teatro social, desde  sempre das gentes habitantes sertões adentro. Foi casado com uma prima, a  Sra. Joaquina Veras Saldanha, tendo gerado dez filhos. Passou e residir na  casa dos arredores de Caraúbas em 1920. 

Vinculado ao patriarcado das gentes nordestinas, administrava suas  propriedades rurais como um legítimo senhor de terras e gentes. Residiu por  muito tempo em duas suas fazendas: Fazenda Aldeia e Fazenda Amazonas,  sendo que nessa época estavam localizadas no município de Brejo do Cruz.  Na época, a aristocracia agrária se confundia com a política. Em assim sendo, 

participou da Revolução de 30 como um dos chefes no Rio Grande do Norte,  filiado ao Partido Nacional Socialista. Era conhecido pela alcunha de “Gato  Vermelho” (Informações acima podemos encontrar no livro A história  continua… Saldanha & Veras, de Francisco Galbi Saldanha, Natal:  Fundação Vingt-un Rosado, 2021) 

Saindo da região Assu/Mossoró, com destino à região Sertão do Apodi,  adentrando pelas quentes terras que caracterizam as condições  climatológicas oriundas das bodas entre um sol inclemente e da ausência de chuvas, sobretudo quando assoma a estação seca, eis que podemos encontrar  a cidade de Caraúbas. Pouco antes de chegar à zona urbana, do lado  esquerdo, ergue-se uma casa que quase obriga os passantes nos automóveis  a contemplar. É o que ficou conhecida como a “Casa de Quincas Saldanha”. 

A casa parece refletir a personalidade do seu proprietário. Os traços  arquitetônicos são inequívocos ao primar pela ordem, equilíbrio e  sobriedade, lançando para distritos outros que abriga o emotivo, sentimentos  de arrebatamento do espírito ou os chamados pulsares que ficou conhecido 

como coisas do coração. A própria cobertura de telhas, com sua água anterior  declinando para a fachada sugere ao visitante que se achega à casa firmar seu  contato primeiro com a residência. Não há como negar, um monumento  erguido não somente pela sua funcionalidade de habitar e servir de abrigo,  mas ergue-se discreta simplicidade de linhas retas, como objeto estético a ser  contemplado e fruído. 

Com efeito, essa fachada, ausente de porta de entrada, ergue-se a partir de  uma cumeeira que cai em duas águas. Ao invés do que tradicionalmente  consta na arquitetura dita clássica, visto que as duas águas mestras  encontram-se no cume do telhado, conformando um triângulo retângulo cujo  pico do telhado é o encontro das duas águas, aqui é diferente, remetendo  muito mais as casas construídas em regiões quentes. A altura possibilita a  entrada e a circulação do vento, refrescando o interior da casa. A porta de  entrada localiza-se do lado direito, onde há um oitão largo e longo, separando  essa casa da residência do que parece ser a de um morador. 

Retornemos à fachada principal. Há uma platibanda de pouca altura, se  considerarmos uma linha que sobrepõe todo um retângulo circunscrevendo  as duas faces exatamente iguais, quer dizer, podemos riscar uma linha  cortando a fachada ao meio: teremos duas janelas de cada lado, dentre outros  elementos ornamentais, também com presença bilateral, provocando uma  suave harmonia no espírito de quem avista a casa pela primeira vez. 

Dessarte, a platibanda com essa compleição, deixando nu o telhado que cai  para a fachada principal, não consegue esconder o que ficou conhecido como  sua função. A saber, disfarçar ou esconder o que recobre uma casa. Talvez  essa obrigação de obliterar o telhado ou elementos da cumeeira, como  madeira mais espessas ou caibros, esteja relacionado às residências urbanas,  de cidades pequenas ou não, no qual a aparência deve ser algo valorizado. 

Há quatro janelas, cuja porta de entrada do lado direito permitiu que se  organizassem os elementos acima citados. Toda estrutura e repartição em  cômodos remete à arquitetura das casas sertanejas, apenas a fachada refoge,  evocando em sua compleição as casas urbanas, embora esta detenha um  requinte estilístico que a faz conter em seu conjunto uma planta que diz  respeito a determinadas tradições estéticas dos estilos históricos que  podemos, sem muito esforço, encontrar os traços. 

Isso posto, ainda temos a levar em consideração formas que persistem na  História da Arte desde sempre, emergindo de vez em quando, consoante a  necessidade ou demandas de condições históricas relacionadas a povos ou  países. Eis o caso do Barroco. Alguns pesquisadores apontam as 

especificidades do cone semântico nos quais determinados elementos  integrantes das edificações do século XVII. 

Isso não quer dizer que essa escansão seja rígida, como se ao findar  determinado Ar do Tempo, imediatamente encerrassem as formas de sentir  e agir de grupos sociais. 

Essa digressão nos permite compreender e classificar o estilo da casa de  Quincas Saldanha como caudatária do que ficou conhecido como estilo  Clássico, sendo que nesta todo o vocabulário de elementos manuseados  encontram-se estilizados ou são paráfrases, ou seja, não iremos encontrar o  glossário de referente aos elementos integrantes das edificações grecolatinas.  Contudo, um expectador mais atento encontrará os princípios que regem a  arquitetura dessa tradição que sempre acompanhou a História da Arte  ocidental. 

Faz-se necessário remarcar a compleição da fachada. Apenas as quatro  janelas detém um caráter funcional, na medida em que servem para deixar a  luz iluminar o interior dos cômodos, bem como permitir a circulação do  vento, refrescando e funcionando como “limpador” das energias paradas do  interior da casa. 

Podemos observar uma série de elementos em autorelevo. Foi o que  insistimos em nominar de estilização ou paráfrase. Cinco colunas  quadráticas perfilam toda a fachada, tanto nos extremos direito e esquerdo  quanto como adereços separadores das janelas. As duas janelas centrais são  encimadas por espécies de frontões mais elevados do que o retângulo  horizontal observado na totalidade da fachada. São puramente decorativos,  sendo que destoam um tanto do conjunto, pois aparece e predomina a linha  curva, sem ostentação ou extravagância. Ao que parece, imprime uma certa  solenidade para visitantes, antes de chegar na calçada da herdade, sendo o  que arremata todo o conjunto a existência de dois triângulos, com volutas  voltadas para baixo. Há que remarcar o adorno presente em todas as  estilizações das cinco colunas: conchas superpostas, encerrando lá em cima  o ataviamento da platibanda. 

Por certo, foi para compor uma harmonia, tendo em vista o aparecimento da  linha curva, e sua reverberação, que puseram dois círculos no meio e em cada  lado, uma redução em linhas gerais de uma flor, como soi acontecer em toda  a História da Arte no Ocidente, no qual foi presença marcante no estilo 

Gótico. Sintomático que apareça justo nos dois lados da linha que separa a  fachada em duas faces exatamente iguais. Essa forma da rosácea sempre foi  manuseada no âmbito das edificações para serem usadas como janelas e 

filtrarem a luz para o interior da construção. No nosso caso, os dois círculos  com traços evocadores de uma rosa no seu interior, ou seja, a metonímia da  parte pelo todo, visto não existir pétalas, mas riscos que emanam do centro,  parecem sugerir insígnias invocadoras de uma geometria relacionada ao  sacro, pois desde sempre as tradições religiosas relacionaram o círculo como  totalidade, simbolizando Deus. 

De fato, consciente ou inconscientemente, organizou-se na fachada  representante da moradia do Coronel Quincas Saldanha simplificações  geométricas de formas que atentamente observadas podemos encontrar uma  confluência de símbolos que reforçam o lugar social do seu morador. No  caso dos círculos, eis a representação e presença do divino. O deus aqui  presente é o relacionado às tradições da Igreja Católica, desde muito  dominantes nesses sertões interior a dentro. Cúmplices e justificadoras de uma microfísica do poder, imperando por meio de alianças cujo Deus  legitimava a ideologia do Patriarcado Rural. 

Por fim, destacaremos a casa de morador do lado direito, edificada com  extrema simplicidade. As duas águas seguem o paradigma das casas oriundas  dos sertões: pé direito sempre alto, abrindo espaço interno para a ventilação,  haja vista o clima tendo dias longos e quentes, esse artificio permite um tanto  de conforto. Há uma porta e uma janela, na sua fachada nua, desprovida de  qualquer ornamentação, quer dizer, tudo é funcional, mesmo a calçada um  tanto alta, para nivelar o sítio onde está a casa. 

Outra coisa é a parede circundante do curral, a qual foi construída em  alvenaria, dividida meio a meio. A parte inferior é maciça, já a parte superior  tem uma alternância de colunas separadas por espécies de ripas de concreto,  em número de três. E assim segue o mesmo padrão, sendo que apenas na  linha onde se encontra a porteira prevalece. Essa corporatura,  provavelmente, não é muito comum nos currais das casas de moradores mais  modestos ou mesmo detentor de vastas propriedades. 

Para encerrar, se faz necessário proclamar a beleza da Casa de Quincas  Saldanha, chantada nos ermos das terras agrestes do Semiárido. Sua  simplificação geométrica nas formas expressa uma disposição de espírito inerente, quase sempre, aos que nascem sertões afora, voltados para rotinas  vinculadas a um escandir do tempo preocupados com as duas estações: a seca  e a chuvosa. Quando a seca se estende por muitos meses ou anos, há que  buscar artifícios de sobrevivência, mesmo para pessoas abastadas, como é o  caso do proprietário dessa herdade.

Por fim, gostaria de registrar uma informação acerca de Quincas Saldanha,  o seu neto Joaquim da Silva Saldanha Neto (31.05.1937 – 28.07.1979), filho  do Sr. Benedito Veras Saldanha (Beni Saldanha) e da Sra. Helena Saldanha, médico formado no Recife, sendo que faleceu no Rio de Janeiro. Beny era  filho de Quincas Saldanha. Casou-se com a Sra. Isaura Amélia de Sousa  Rosado Maia (*09.10.1947), em 09 de outubro de 1969, filha de Dix-Sept  Rosado e Adalgisa Rosado. Esse médico exerceu a profissão em Mossoró,  conhecido como gentil e generoso, querido pelos mais humildes, nunca  recusando atender qualquer pessoa. Era agropecuarista de região de Campo  Grande (RN) e Belém do Brejo do Cruz (PB).

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Especial: A (meta) pintura de Laércio Eugênio

Por Márcio de Lima Dantas 

Laércio Eugênio (Sítio Mata Seca, Frutuoso Gomes, 1959) assenta-se, contemporaneamente, como um dos mais importantes artistas plásticos do  Rio Grande do Norte. Detentor de uma dicção pictórica assaz original no que  concerne aos meios utilizados pela pintura desde sempre. Acontece que o  artista optou por outro caminho, imprimindo à sua obra um tanto de  originalidade, fazendo com que marque um diferencial com relação aos seus  pares. 

Com efeito, suas telas parecem ser puro pretexto para questionar uma  representação realista ou abstrata do mundo que o cerca ou como chegam as emissões do real em seu íntimo. Ora, o que parece almejar é discorrer acerca  do ato de retratar qualquer que seja o tema, em um movimento que se volta  sobre si mesmo, chamando atenção e proclamando, – por meio de precisas  pinceladas mais espessas, ora usando o pincel, ora arrematando com a  espátula, – que o sistema semiótico pintura é uma outra realidade. 

Assim sendo, descobrindo seus próprios meios, ou seja, autodesvelando-se,  em uma atitude que tem muito de crítica, no sentido de que a tela não mais  busca ou salienta o que chamamos de tema, conteúdo ou significado. Vai  valer pelo significante, pela forma, em movimento que se volta sobre si  mesma. Ora, nada mais é do que aquilo que sempre foi a ontologia da Arte:  há que mirar-se na forma, e não no conteúdo. 

A obra do pintor Laércio Eugênio é um discurso que se pretende um “tratado  de pintura”. Eis a tinta ocupando o lugar que seria do desenho, conformando  um possível lugar de volumes quase sempre estáticos, reafirmando o que  dissemos. É uma espécie de contemplar objetos isolados ou em conjunto,  conduzindo o ato de pintar para engendramento de uma outra realidade,  antípoda ao que chamam de real empírico, lugar onde sucede a interação  entre os homens, seus objetos, seus sistemas de valores, suas maneiras de  agir ou representar. E suportando todas as atribulações, sendo espécies de  marionetes, em um eterno embate com as forças que nos chegam à nossa  revelia, impondo mando e jugo. 

Mas eis que temos a arte para nos redimir, uma dimensão outra perpetrada  por uma singular presença no mundo, consignando contornos, inventando  perspectivas, percebendo ângulos inusitados, alterando a ordem ditada pela Ideologia, fazendo-nos crer em uma possível outro jeito de pensar. Enfim, o  que de um imo singular emanou, dessa presença individual chantada nos  logradouros da realidade, de um que ousou pensar diferente e tornou essa  matéria em arte, eis a suprema capacidade de expressar uma pluralidade, um  coletivo, uma etnia, um país, um dado momento histórico e o seu Ar do  Tempo. 

Antes do mais, há que dizer que farei uso livremente das funções da  linguagem propostas pelo linguista russo Roman Jakobson (1896 – 1982).  Sua proposta das funções da linguagem é bastante dúctil, possibilitando que  se analisem outros sistemas semióticos, não apenas a Língua. O termo  Linguagem amplifica-se a todo e qualquer fenômeno da cultura, sendo que à  medida que houve uma evolução dos primeiros agrupamentos humanos de  caçadores e/ou agricultores, a língua foi se impondo como um dos mais  importantes meios de comunicação, dada a sua versatilidade e economia de  paradigmas conformando um sintagma. Quer dizer, um reduzido número de  fonemas é capaz de dar conta de línguas circunscritas a áreas geográficas ou  etnias com o mesmo laço de parentesco. 

Mesmo assim, as artes visuais seguiram paralelas, organizando  representações por meio de escrituras rupestres nos abrigos e cavernas,  também em baixos-relevos sobre o granito, como se tivesse sido riscado pela  mesma pedra. Esses são apenas alguns exemplos. Para além da dimensão  mágico-religiosa, havia a necessidade de expressão de um indivíduo à cata de inscrever fora de si uma outra realidade. Eis o que motiva o surgimento  da arte enquanto fenômeno de cultura, da mesma forma o que impulsiona  aos que, parece, sentem necessidade de cumprir determinada ordem vinda  das regiões mais profundas do seu íntimo. 

Esse conceito de Função Metalinguística empregaremos para analisar em  uma perspectiva ensaística a obra de um pintor originalmente relacionada  com o desenho, visto ter colaborado durante muito tempo como cartunista  do jornal Gazeta do Oeste, tendo despertado para a pintura em 1988. Aqui já  expusera seu talento em um desenho firme e detentor de uma dicção  extremante criativa. 

Separaremos, para fins didáticos, sua obra em três arranjos. As naturezas mortas, as paisagens e as marinhas. 

Suas naturezas-mortas detém características bem particulares, começando  por manusear uma rica paleta de cores e seus respectivos tons. Expressa o  pleno domínio da luz que esplende sobre arranjos de flores ou frutas isoladas,  em um preciso sombreamento. A luz nessas telas assoma sempre de um ponto, maneira arguta e sensível de fazer com que o objeto em cena quedado proeminente, resplandecendo a luz que ilumina a composição retratada por  meio da técnica expressionista: consistentes pinceladas que mais parecem ter  sido feitas de chofre, como se não houvera previamente o desenho. Evoca  uma espécie de pressa, no melhor sentido que possa haver. As grossas  pinceladas sugerem mais um artista pleno no domínio de seus meios. 

Tenho para mim, que os vasos de flores talvez sejam o que de melhor  conseguiu fazer valer sua estética, em uma maestria capaz de lograr êxito a  partir da sua experiência com as telas e os pincéis, demonstrando suas  capacidades de imprimir uma hegemonia da cor sobre o desenho, em um  despotismo de formas, cores e contornos capazes de desmistificar o retratado  como lugar agradável e puramente decorativo. 

O Expressionismo enquanto estilo histórico ou escola vinculada às  vanguardas que surgiram no início do século XX, caracteriza-se por buscar  a transmissão de emoções por meio de uma técnica muito parecida com uma  forma abrupta de transmitir para a tela o real e seu entorno. Isso mesmo, uma  espécie de pressa ao colocar em grossas camadas ou pinceladas, com  espátula ou pincel, o que se apresenta ao olhar ou se movimenta no entorno  do artista. Desse modo, alguns procedimentos empregados desde sempre são  esquecidos. Basta ver como os vasos com flores estão muito mais do lado de  insculpir emoções do que imprimir na composição um equilíbrio de formas  ou procedimentos desde sempre buscados por escolas de pinturas do  passado. 

Por isso, fomos buscar adjutórios, para efeito de compreensão, nas funções  da linguagem. Essas telas referendam uma arte que se dobra sobre si mesma,  como se quisesse testar o código. Assim sendo, podemos inscrevê-la como  uma arte metalinguística, na medida em que não busca retratar aspectos  tendo em vista uma cópia da realidade, como por exemplo, a estética  Realista, Romântica ou Acadêmica. Ao dobrar-se sobre si mesma, acaba por  revelar o caráter de que estamos diante de um objeto no qual outorga um  discurso de que não passa de uma composição, cuja organização cromática  chama atenção para as possibilidades de se plasmar algo que pode até  remeter a um referente do real, mas não se quer uma cópia deste. 

As paisagens propostas por Laércio Eugênio também remetem ao que acima  discorremos, no sentido de buscar a luz, sendo que aqui procura captar a  luminosidade natural, quer seja nas praias, quer seja em ermas zonas,  parecendo muito mais fruto da imaginação do que factíveis de existirem.  Reforçando a ideia de recortes do real muito mais como desculpas para se elaborar o luzir claro de um possível sol e uma possibilidade de encetar  contrastes entre cores e nuances que se opõem, como o azul, a terracota e o  verde.  

Com efeito, encontramos nas telas amplos céus azuis, conformados por meio  de espessas pinceladas em diversos tons dessa cor. A perspectiva é  conseguida quase sempre através de alguma nuance, não do desenho, que  desaparece, para dar espaço e vida às cores que entram na composição.  Sugere precisão e uma falsa urgência, pois sabemos que essa espécie de  técnica requer tempo, silêncio e um olhar atento, distanciando-se, vez em  quando, para saber a exata medida do que se está elaborando. 

Fica difícil não chamar atenção para a luz, com sua clara transparência, assim  como se passasse direto, vinda do firmamento, não recebendo nenhum  obstáculo. O artista consegue com destreza alcançar, com imensa  propriedade, esse privilégio das zonas rurais ou de algumas cidades  nordestinas. 

Por fim, vejamos o virtuosismo do artista em dos seus temas principais, as  marinhas. São detentoras de imensa beleza cromática, fazendo valer o que  ousou e usou nas paisagens. Nada devendo a ninguém. Limita-se a engendrar suas telas, como pessoa um indivíduo discreto e sem nenhum vestígio de  soberba, apenas transforma em paisagens marítimas as ordens que emanando  seu interior. Esse mando e necessidade que forças da natureza demandam  transformar em “energia” uma “dínames” (Aristóteles). Assim como se fosse uma imanência, algo que chafurda dentro de si,  ansiando por se tornar Arte. E com o pintor Laércio Eugênio, encontramos  esse A no melhor sentido, de benfazejos objetos incorporados aos que o  cotidiano já detém, sendo que na Arte, e sobretudo nas marinhas, há uma  nova forma de contemplar a realidade, na medida que há um diferencial, pois  refrata o que formos acostumados a ver ou o que nos dizem como ver. Aqui  há um novo projeto de vida: transmitir sentimentos por meio de uma  determinada maneira, ou seja, de como se assenta a realidade no interior do artista. E assim ele transmite, por meio da sua pintura, as emoções que  rebentam em seus músculos, ossos sangue, estrumando os cães adormecidos  na sua alma, fazendo com que se transformem em uma outra realidade  possível.

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“Busco um homem honesto”

Digo sempre aos meus, que todos os dias levanto com o propósito de conseguir o que há de bom para poder tentar me tornar um ser humano melhor, não como modismo e a vulgaridade que a frase impõe, mas, como um modo de proteção mental neste tempo fluído e líquido, e quando percebo que não correspondi a expectativa ao longo das 24h, fiz algo que não deveria ter feito, busco amparo na frase do grande estadista e humanista Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, que um dia cunhou “na vida nunca perco, ou eu ganho ou eu aprendo”.

    Pois, muito bem. Gosto muito da companhia dos meus filhos, são eles sossegarem a minha alma e o coração, quando estamos juntos sempre temos boas e compensadoras conversas.

    Outro dia, depois algumas fatias de pizza e goles de coca-cola, passamos às atualizações familiares, mas logo mudamos o foco para assuntos mais globais ásperos e caros à humanidade, entretanto, como não poderia deixar de ser, enveredamos pelo mundo da política e claro, corrupção foi o mote, tema este que permeia a cabeça de todo brasileiro com as mais diversas percepções. À mesa eu, Jade, Maria e Pollyanne – Felipe e Roberto, meus genros, calados no sofá com seus celulares pareciam observadores da ONU – já de posse de um cafezinho, o assunto foi se avolumando e, como toda erosão de caráter tende a ser do outro e nunca sua e, certamente, por pura ignorância no alto dos meus 64 anos, refutei a tese de Pollyanne, não por ela está errada, porém, por ter sido ela a dizer, já que todos a têm como a mais equilibrada, a mais ponderada: “Ora papai todo político é corrupto”.

Retruquei novamente, argumentando superficialmente “que não é bem assim”, mas logo fui nocauteado por outro golpe de esquerda “se o senhor estivesse no poder eu confiaria, mas em nenhum outro”, me senti tal qual Maguila estirado se debatendo no ringue depois de sofre um cruzado no queijo “disparado” por Holyfield, procurando saber em que planeta estava. Ora, ora, como foi generosa, mesma certa, me fez um carinho e mostrou que sua visão de mundo estava muito além da nossa pequena conversa. O que me levou a Diógenes de Sinope, o filósofo grego, aquele mesmo, o qual a história prega ter sido inquilino de um barril e durante o dia caminhava pelas ruas de Atenas, em plena luz do dia com uma lamparina alegando estar procurando um homem honesto.

Agora, me sinto como outro grego, não o filósofo, todavia, o mais astuto dos mortais, o filho do rei Éolo: Sísifo, não por sua inteligência e sim, por seu pesado castigo. Eu que já me impunha uma autorregulação, todas às noites me ponho à penitência pelos erros cometidos durante a luz do astro-rei. Entretanto, não sei se acordo mais “limpo”, porém, certamente, muito mais disposto a ser menos corrupto, invejoso, guloso, luxurioso, arrogante, pretensioso, intolerante…

Filha minha, você tem razão: todos os políticos são corruptos, até porque são da mesma espécie que nós: humana.

“Que atire a primeira pedra aquele que nunca pecou” disse outro grande homem: Jesus Cristo, líder daqueles que têm a pretensão ao Paraíso.

Brito e Silva – Cartunista

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Harmonização facial

Que me perdoem os entendidos do “babado”, sou completamente ignorante do borogodó e, portanto, posso cometer algumas heresias por permanecer apenas na superfície, pode ser que diga bobagens, o que não seria alguma novidade.  Percebo que o preenchimento facial fazia e, talvez ainda faça, a festa nas bocas e orifícios das celebridades midiáticas – profanadoras dos belos beiços de Angelina Jolie – entretanto, não sei se por erros de aplicação ou mesmo se o “aplicante” fez esforço desumano e no final o resultado não mostrou frustrante, pois sabia ser impossível obter outro que não fosse o desimbeiçamento, algo como receber uma esquerda do Mike Tyson sem o protetor da cavidade oral, ainda assim a “vítima” injetada, por ter ciência ou não, da “desarmonia” com que a natureza lhe deu nascituro, corre ao espelho numa selfie exibindo o seu, agora, fresado orifício bocal avolumado assemelhando-se às nádegas vermelhas de alguns primatas da Amazônia, quando estão na maturidade prontos para acasalar,  para os seguidores das redes sociais.

Porém, a nova moda ao cenho da moçada é a tal da “harmonização facial”. Para alguns revela que não há dúvidas um upgrade, de fato, parece trazer um rejuvenescimento, meio plastificado é certo, a pessoa se mostra mais ou menos como era há alguns anos, logo, é válido. Porém, para aqueles seres com as quais a natureza não lhes foi muito benevolente o resultado não é o mesmo, quer dizer, na verdade é o mesmo, com os mesmos resultados lógicos, entretanto não contemplam o mesmo desejo: o bonito quer ficar mais bonito, em geral, acontece. O feio faz a harmonização buscando ficar bonito e, por força da natureza, acontece uma “desarmonização” conjuntural cósmica: a bonita volta ao passado parecendo mais jovem e mais bela, o feio avança ao futuro se revelando mais velho e muito mais desprovido de beleza.

O bom de se saber que é feio, é que vai viver assim para o resto de sua vida e, pode tornar o espelho apenas uma peça de consciência, esquecendo a nesta frase “espelho, espelho meu…”, pois, reconhece no espelho sua verdade. Lembro, que na adolescência quem me deu a consciência de ter sido preterido por Afrodite e que você podia fazer do limão uma limonada, foi um feio que nos anos 70, na Europa, fazia bonito no cinema e junto as mulheres, com outros astros bonitões do momento como Paul Newman, Alain Delon, porém, reza a lenda urbana nas margens do Sena quem “degustava muita gente”, quem se submetia a “ficante” das moçoilas francesas era o Jean-Paul Belmondo, titulado como “o feio mais bonito do cinema”.

Os escritores em suas escrivaninhas sob a luz difusa do abajur, quando são envoltos pela nevoa branca do luar penetrando pela fresta janela desvirgina a penumbra, criando um ambiente propício ao ócio criativo e assim se deixam levar por turbilhões de ideias inspiradas passam a escrever freneticamente suas obras primas, tomados por forças além da nossa exosfera, como a jovem escritora britânica Mary Shelley, que, certamente, numa dessas madrugadas de Londres – como imagino ter acontecido – nos brindou com o Frankenstein. Só não sei se ela podia prevê tanta imitação barata, hoje, sob as luzes de led nas salas de cirurgias, não pela pena, mas por bisturis sem fio e agulhas rombudas são produzidos alguns Frankenstein mal engendrados que passam a orbitarem, com abundância, as redes sociais perseguindo likes.

Semana passada quebrei um canino, joguei o problema odontológico para um futuro pertinho, pois muito bem. No dia seguinte, ainda, provavelmente aborrecido comigo, o lado direito do rosto amanheceu grosso, inchado, corri ao espelho, que coisa horrenda, parecia ter feito harmonização com Paulo Marchante, um amigo que esfola bode no seu terreiro, lá nos Teimosos, em Mossoró/RN. Evitando traumatizar meus netos, socorri-me de Pollyanne para me levar a uma urgência-odontológica.

Quem quiser que fique, que faça suas harmonizações. Fico com minha cara de cafuçu. Vai-te retro!!!

Brito e Silva – Cartunista

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Há 18 anos, morria em Mossoró, Dorian Jorge Freire, referência do jornalismo local

Há exatos 18 anos, falecia em Mossoró, o escritor e jornalista Dorian Jorge Freire. Nascido em Mossoró, aos 14 de outubro de 1933, filho de Jorge Freire de Andrade e da professora Maria Dolores Couto Freire de Andrade, Dorian iniciou a sua vida no jornalismo, seguindo os passos do pai e logo aos 12 anos de idade já ocupava uma coluna no jornal O Mossoroense.

Ao longo da sua vida, morou no Rio de Janeiro e São Paulo, onde se firmou como um jornalista combativo e de grande estilo. Entrevistou figuras importantes como Jânio Quadros, Aldous Huxley e Jean-Paul Sartre (Prêmio Nobel de Literatura).

Também manteve contatos com Fidel Castro, Elizabeth II, Craveiro Lopes, Raymond Cartier e Greene. Foi fundador, juntamente como Alceu de Amoroso Lima e Samuel Wainer, do jornal Brasil Urgente, um dos precursores da imprensa independente do país. No Rio Grande do Norte escreveu para os jornais Tribuna do Norte, O Mossoroense e Gazeta do Oeste. Dorian faleceu aos 71 anos de falência múltipla dos órgãos. Confira abaixo crônica de Dorian Jorge Freire em homenagem a Mossoró, gentilmente cedida pelo Blog do Carlos Santos.

SOU MAIS MOSSORÓ-RN

Por Dorian Jorge Freire

Natal, maio de 1985.

Lembrando Pedro Nava, eu sou mossoroense “de propósito”. “Só de mal”, como diria meu querido Guido Leite, assassinado impunemente.

Não poderia ter nascido em outra parte. Nem no Aracati de meu Pai, nem em São Paulo de minhas saudades mais leais.

Definitivamente, Mossoró.

Conhecendo – como Jaime Adour da Câmara – Oropa, França e Bahia, sendo tiete das velhas cidades mineiras e também de Olinda, Alcântara e São Luís, minha opção preferencial é sempre por Mossoró.

Paris, eu amo antes da primeira vista. Florença, amor à primeira vista. Ainda assim, sou mais Mossoró.

Dirão que há, em Paris, o Café Procope. Mas eu fico com o Café Tavares.

Ainda em Paris, encontramos as ruas St. Séverin e St. Jacques, roteiro de Dante. Mas eu prefiro a 30 de Setembro.

Cortot? Temos o Beco de Jeremias Cego. Chevalier de la Barre? Vicente Sabóia.

Mossoró não me deu apenas a certidão de nascimento. Deu-me, também, o seu temperamento. E, uma a uma, as suas idiossincrasias.

Sou vidrento como Mossoró é vidrenta. E não sou exceção. Qualquer mossoroense é assim.

Em São Paulo, por exemplo, o velho Estevão Cruz colecionava rótulos de Cerveja Mossoró, que lavava com as suas lágrimas. No Recife, um grupo chefiado por Mário Marques tem reuniões sucessivas em Boa Viagem para falar em Mossoró.

No Rio, no bairro de Ipanema, Raimundo Nonato não falava em outra coisa dia após dia – Mossoró, Mossoró, Mossoró. Em Brasília, 24 horas diárias, Vingt Rosado faz mossoroísmo. Wilson Lemos, exilado há mais de 30 anos, telefona dos confins de Mato Grosso para pedir notícias.

Meu Pai, cearense, vivendo seus últimos dias no país do sul, pedia que as suas cinzas e sementes fossem plantadas em Mossoró. Jaime Hipólito Dantas, em Natal desde março, trancado em seu apartamento, curte as saudades mais melancólicas.

Não é bairrismo. É mania. Mania? É vício. Os mossoroenses somos viciados em Mossoró.

Disseram – parece que foi Grimaldi Ribeiro – que Vingt Rosado era um deputado municipal. Vingt inflou de orgulho.

Duas vezes impediram Dix-huit de governar o estado. Sabem a resposta mossoroense? Duas vezes fizemos Dix-huit nosso prefeito.

Dias atrás anunciaram que o meu exílio natalense estava no fim e que eu voltaria para Mossoró. Foi um alvoroço no meu coração e lá em casa. Os netos vibraram, o pé de cajá deu uma carga temporã, os coelhos ficaram mais ativos, o canário – mesmo belga! – cantou o Hino Nacional com o charme da Nova República de Fafá de Belém. E meus 10 mil livros? Machado valsou com Colette, num assanhamento que só vendo.

Não sabem os filisteus e saduceus, os nefelibatas, que exílio de mossoroense é marcado pela transitoriedade? Mossoroense está sempre voltando à sua terra. Senão em vida, na força do homem e da mulher, no molho de ossos bem lavados. Basta encostar o ouvido no chão, que há o chamado da terra.

Estarei falando demais de Mossoró? Conversa! De Mossoró fala-se sempre de menos. Deve est ar acontecendo que o meu subconsciente não aprova a minha ausência. Não aprova que eu fique longe do 30 de Setembro, longe de Santa Luzia, longe das valsas de Zé de Ana, longe das matinês do Ipiranga, longe dos bailes da ACDP, longe do sol da seca ou da água da inundação.

Sei que não faço falta, que há 180 mil irmãos voluntários da pátria a serviço do capitão Dix-huit. Ainda assim…

Ainda assim, Mossoró. Mossoró, sempre.

E se me permitem, deixem que eu puxe a memória e lembre histórias. Não sou dos fundadores da cidade, nem vi bangolando por estas capoeiras os índios monxorós, nossos bisavós. Mas prestei, calado, muita atenção a conversas dos mais velhos. E arquivei na memória alguma história e muitos causos.

Sei que éramos simples e cordiais, hospitaleiros, que pensávamos que o visitante poderia ser Nosso Senhor e era preciso acolhê-lo carinhosamente, com renda limpa, lençol cheiroso, água fria e café quente.

Sei também que vivíamos em paz uns com os outros, embora não habitássemos o Paraíso e vez por outra caningássemos com nossos irmãos em querelas sempre terminadas ao redor de uma tapioca.

Essa situação indiscutivelmente cordial, partida só de quando em vez por encharcamento mais febril, subsistiu até os anos 40, começo da dezena seguinte. Quando éramos mais ou menos 30 mil orgulhosos mossoroenses.

Respeitávamos o prefeito, venerávamos o bispo, temíamos o delegado de polícia, confiávamos no juiz, admirávamos os intelectuais, estimávamos os tipos populares, amávamos as mulheres e não trancávamos nossas portas nem nossos corações.

Mas veio a política roxa sucedendo a queda da ditadura. PSD de um lado, do outro UDN, e o mais era enfeite. E veio a ambição do poder, a disputa acesa como brasa de acender o pito. Começou, então, a ciranda do desaforismo. Em crescendo. Cada vez mais agressivo, mais contundente. Era doutor Tarcísio contra doutor Nicodemos. Era Walter Wanderley contra Mário Negócio. Eram Mota Neto, José Luiz, Dix-sept .

Dois jornais se digladiavam. Afora eles, havia os folhetins, os alto-falantes, os comícios perigosos. Um boletim surgia contra um, dissecando um sabujo. Menos de 12 horas depois, vinha a resposta furiosa: dissecando um cadáver. Parecia até que a política municipal se fazia num Instituto Médico-Legal…

Foi a partir daí – lembro – que começou a invadir a cidadezinha, antes serena e boa, hospitaleira e cristã, um cheiro de rosas machucadas das que enfeitam a morte antes de enfeitarem a vida. Seguido do cheiro aziago de vela de velório.

Mau presságio. Todos tínhamos nossos partidos, todos estávamos partidos e repartidos pelas paixões inflamadas, mas não havia ninguém que quisesse ir ao enterro do outro. E quando a coisa descambou da política para caso de polícia, os contendores receberam convite do padre Mota, ex-prefeito de M ossoró e vigário-geral da diocese, para uma conversinha.

Todos atenderam ao chamamento. Iam chegando à casa do gordo padre, que os esperava, despreocupado, fumando seu charutão e indo lá dentro buscar a cadeira para escutar o cura d´aldeia.

E levavam um baita carão:

– Tenham modos! Vocês não são crianças! Lembrem-se que todos somos uma mesma família, sem Caim, só Abel.

Todos ficavam com os olhos no chão, feito Capitu. E um a um, cada qual foi levando sua cadeira lá para dentro e saindo com o sorriso irmão do grande padre.

Por que rememoro isso? Por nada, nadinha. Apenas para lembrar, mossoroense que sou desde o início dos tempos.

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Pai e filhos

Nestes últimos dias venho ouvindo uma frase em um comercial, evidentemente, sugere compras para o Dia dos Pais “o pai nasce com o filho”, o que é de fato, uma verdade. Não se pode ser pai sem filho, iniciam-se juntos. Pais e filhos começam, em milésimo de segundo o milagre acontece e, por isso, talvez assim, permanecerão ligados para o resto de suas vidas.

Outra frase que uma vez ou outra rabisco no quadro negro de minha já cambaleante e puída memória a figura do Imperador Marco Aurélio falando ao seu filho Cômodo “as tuas faltas como filho, são as minhas falhas como pai”, no filme o Gladiador, a qual demonstra toda decepção com o mau-caratismo, a falta de ética e o ódio contido em Cômodo. Que imaginava que todo carinho e admiração de seu pai eram dedicados ao general Máximo – O gladiador -, o que não correspondia a verdade, de fato, Marco Aurélio, apenas conhecia seu filho e, apesar, tentava protege-lo.

Mas, a cena ainda pesada e devastadora vem após o término do diálogo, Cômodo assassinando Marco Aurélio. Me restam poucas dúvidas se ali não morreram os dois. Assim como no instante em que morre um filho, se o pai também não sucumbe? Se nascem juntos, certamente, morrem juntos.

Por que hoje Dia dos Pais falo disto? Ora, porque sinto que todos nós somos um pouco ou, talvez, um completo “Marco Aurélio”: todo pai conhece seus filhos, sua prole e por ela faz tudo que é possível para protege-la, às vezes de si própria, para poder torna-la ética, moral e capaz de enfrentar as batalhas, as derrotas, os fracassos e o sucesso, esquecer a arrogância, vestisse de humildade para que a vitória seja completa. Entretanto, necessariamente o filho, não se torna um “Cômodo”, porém, inevitavelmente, também cobrirá o rosto com o elmo, vestirá armadura, com escudo e de espada em ponho será um “Marco Aurélio” até o fim. O filme o Gladiador é um bom filme para se fazer algumas reflexões filosóficas.

Não tenho seu Luiz, meu velho pai, fisicamente por perto. Não o vejo ali debaixo do pé da frondosa mangueira, que plantou, adubou, podou e a protegeu dos animais de comerem suas folhas. Arrancou ervas daninhas abrindo espaço para que pudesse seguir sua natureza. Ela, por certo, para agradecer lhe deu frutos saborosos e sob sua vasta copa ofereceu uma sombra onde ele se aconchegava em uma cadeira de balanço e por horas a fio ouvia suas músicas preferidas, e assim os dois, em uma simbiose nutriam-se mutuamente. Até que um e dia essa relação abruptamente foi rompida na raiz: seu Luiz encantou-se. Disseram-me, que sua carga – quantidade de mangas – está menor e as folhas, por um tempo, ficaram murchas, provavelmente, ela também morreu um tiquinho com ele. Não pairam dúvidas, que também feneci um pouco. Ora meu caro, não se morre de uma vez, esvai-se todo dia um naco. Porém, dizem por aí, também se renasce.

Veja você, em dia de alegria, Dia dos Pais(?) eu aqui falando de decesso, saudades, amores, sentimentos, dessas coisitas mais démodé. Então, vá às compras. Ora, pois!

Aos meus filhos e filhas, obrigado e desculpem. Às vezes fiz o que queria, outras, o que era preciso ser feito! O resto “eu sou eu e minhas circunstâncias”, como disse o filósofo espanhol, José Ortega Gasset.

Brito e Silva – Cartunista

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Está tudo mudando

No domingo, 6 de agosto, meu amigo Laércio Eugênio Cavalcante, artista plástico e cartunista com o qual dividi e desenhamos uma amizade – que já ultrapassou os 40 anos – nas pranchetas do jornal Gazeta do Oeste, me fez um carinho, enviando via WhatsApp, escaneada não, fotografada pelo celular, uma carta que lhe enderecei direto de Rio Branco/AC, lá no início dos anos 90, por ocasião de nossa estadia no Jornal e Tv Rio Branco, onde dirigíamos o departamento de arte e cenografia, nela dizia de minha tristeza frente a nova programação gráfica do jornal Gazeta do Oeste, o qual o jornalista Washington Aquino em viagem à Mossoró, me trouxera de presente.

Esse fato de como a gente se comunicava anteriormente, me levou a pensar nesse caldo tecnológico em que estamos sendo levados, nesse privilégio que é vivenciar extraordinárias evoluções e poder fazer parte disto e até certo ponto, ensinar aos filhos, netos e amigos mais jovens, oferecendo uma certa compreensão de como funcionava a comunicação, a interação entre as pessoas no século passado e como isto nos afetou.

Na adolescência ganhei uma calculadora de bolso, levei para aula de matemática da professora Tamela, que não permitiu o uso. Entretanto, não me impossibilitou do vício naquela maravilha. Quando troquei a ultrapassada maquininha, que só fazia as quatro operações, por uma calculadora científica fui ao ápice e o que me restava da tabuada na cachola desceu pelo ralo, nunca mais soube somar de cabeça 2+2, se hoje o fizer por vezes, certamente, a cada final teremos um resultado diferente.

Pois, muito bem. Quando entrei no jornal Gazeta do Oeste no ano de 1979, a impressão era híbrida, isto é, usava dois tipos de tecnologias em todo seu processo, as chamadas de “impressão a quente e a frio”. Logo passou definitivamente para impressão a frio e, mais uma inovação: o Bip, que era entregue a gente para quando o jornal quisesse falar o aparelho soava e você ligaria de um telefone fixo ou se dirigia a um orelhão.

Lembro quando chegou o celular, lá em “nóis”, em Mossoró, por volta dos anos noventa, o aparelho era quase do tamanho de um tijolo maciço ou uma rapadura cariri. Eu só falava com Nelson Rebouças e ele comigo, pois não conhecíamos mais ninguém que possuísse aquele trambolho. Depois comprei um Nókia que se aconchegava perfeitamente no bolso da camisa, a estas alturas pouco usava a prancheta, mas sim, um PC que travava o tempo todo porque o Corel Draw era muito pesado, dava tempo tomar um “burrinho com mão de vaca” lá em Luzia do Ponto Frio, enquanto ele abria um arquivo. Ah, também já havia abandonado meu fusca e me exibia em um Chevrolet Monza.

Polary, meu primogênito, deu-me um Nókia N90 (hoje, vintage), sentenciando quando a tecnologia chegasse em Natal poderíamos nos ver através daquele aparelho que cabia na palma da minha mão, fiquei um pouco ressabiado. É meu amigo Laércio o tempo passa e a evolução é inevitável. Gostaria de estar lhe escrevendo a moda antiga, com caneta Bic em uma folha de papel pautado, mas devo confessar: há muito não vejo uma caneta e também os Correios, como disse Chico Buarque, já não andam mais “arisco” e sim, de “bengalas”, atestado por um jovem amigo.

O Bob Dylan cravou “está tudo mudando…”. Hoje, meus netos pedem a bênção pelo WatsApp.

Obrigado, pela boa lembrança amigo Laércio Eugênio Cavalcante.

Brito e Silva – Cartunista

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64 anos: vale a pena estar por aqui

Coluna da Revista PAPANGU.

No último 20 de julho completei 64 anos de vida, diria que bem vividos, claro, a minha maneira de ver e projetar que perceber o mundo ao meu redor, certamente, haverá alguém a dizer que não foi bem assim, certo, acredita saber mais de mim que as próprias células que regam minhas veias, e, por isso mesmo, dirá “e os momentos que devem ser esquecidos?” Ora, sobrevivi! E hoje posso contar aos filhos e netos da aventura de cruzar o “Cabo da Boa Esperança” e, o que é carregar mais de 6 décadas nos costados e estar feliz por isso.

Certamente, nesta caminhada foi necessário aprender a viver e lidar com o universo em torno de mim, que nunca se dispôs a ajudar, me apontar caminhos menos tortuosos, sem pedras, sem medos, como também não esteve ali para me causar algum mal, por vezes fiquei certo que tramava contra mim, logo fui obrigado a entender que eu era um nada, um zero a esquerda aos “olhos” dele, que apenas se expandia (se expande) completamente indiferente a minha parca existência, segui tocando a vida sem sobressaltos de conspirações universais. Creio ter feito uma boa travessia até aqui, sem muitas culpas, não dando bolas à síndrome do Epitáfio. Sim, existiram coisas que hoje não faria, se dissesse que faria igual, evidentemente, seria cinicamente hipócrita, o que foi feito, feito foi, não há o que se fazer nada a respeito.

Todos meus erros e acertos forjaram o que sou e, cá pra nós, ando satisfeito quando me olho, não que, se os astros e o acaso, permitirem ainda terei outras conquistas: ser menos egoístas, mais transigente, não me tornar um velho mais tolo do que já sou. Minhas inspirações hoje são mais calmas, um afago de Maria, um “paim”, um sorriso de um neto, um pão doce quentinho com uma boa caneca de café com leite e música a gosto já me fazem alguns segundos de imensa felicidade, a qual imagino nem merecer tamanha desmedida, mas que vale a pena estar aqui e, por isso mesmo, tenho muito para agradecer.

Rezo todos os dias que Deus dá para não cair na esparrela de me encantar com a tal da “melhor idade”, porra nenhuma! Quando vejo um sujeito caminhando no rumo aos 70 anos falando, vestindo e se comportando como “boy”, rezo a Buda, Alá, Jesus, Tupã e todos os deuses do Olimpo que me concedam a graça de não me tornar um velho tolamente ridículo.

Jumento

O “inteligente’ Bolsonaro em evento, na capital paulista chamou o Presidente Lula de “jumento” e “analfabeto” ao mesmo tempo que acusava Fenando Haddad de nunca ter trabalhado.

Lula três vezes Presidente do Brasil, por isto só, basta. Fernando Haddad bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia, professor da USP, foi ministro da Educação duas vezes, prefeito de São Paulo e atualmente ministro da Fazenda.

França

O chargista fluminense radicado na “Cidade do Sol”, Natal/RN, Brum, como diria os colunistas sociais “está afivelando as malas”, para uma estadia de duas semanas na França. Na terra do “liberté, egalité, fraternité” será recepcionado pelo cartunista potiguar Joe Bonfim, que organizou uma exposição de charge, cartuns e caricaturas do Brum, no Festival de Humor Saint Juste Le Martel.

Inclusive o Brum está fazendo uma campanha para arrecadar fundos para custear sua empreitada. Se você quiser participar com qualquer valor basta fazer um pix para a chave PIX: (CNPJ) 49.859.482/0001-29 (Rodrigo Serra Brum Machado)

Barbie

Uma preguiça danada de assistir o filme “Barbie”. Talvez, quando os evangélicos começarem a queimar a “rosadinha” em praça pública irei ver.

Marielle

Quem mandou matar Marielle? A família de milicianos está em polvorosa com o ministro Flávio Dino.

Frase

“O que seria ofensivo seria comparar um jumento a ele, isso sim. Ofensivo aos jumentinhos que não fazem mal a ninguém”, ironizou o presidente nas redes sociais⁠ em resposta a Bolsonaro.

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Nem só de pão vive o artista

O grande @hermetopascoal, o gênio da “raça” publicou em sua página oficial do Instagram uma caricatura assinada por mim, o que já fizeram outros artistas não menos importantes: a bela negra Zezé Motta; o paraibano Chico César; o Nando Cordel; o sambista Luiz Ayrão; Raimundo Fagner, que às 5h da manhã me passou uma mensagem por WhatsApp elogiando a caricatura e se pondo à disposição, outros ícones da arte que agora não consigo acionar minha raquítica voluntariosa memória, dentre muitas outras pessoas que não orbitam o mundo das artes.

Isto é o que, de fato, traz um pouco de paz, alento e importância e satisfação íntima, afago e felicidade à alma.  Sei que alguns perguntarão “e o dinheiro não importa?” Ora, dinheiro é o dinheiro e pode comprar tudo que é visível, e quando pode, compra. Logo o dinheiro é importante para se comprar o que ele pode comprar. 

Mas voltando ao prazer do artista. Não tenho dúvidas que o dinheiro não está nas primeiras linhas e não é o objetivo principal, não que artista não deva ter, querer e precisar de dinheiro, ao contrário a arte deveria ser muito bem remunerada, porém, isto é outra história. Lembrando aqui uma cena que ficou tatuada na memória, um cantor na calçada do shopping MadWay – Natal/RN – dedilhava seu violão soltando a voz apenas para uma criança sentada no chão o ouvia atentamente. Não me causaria espanto algum se aquele músico que ao final de sua apresentação enfiasse sua viola no saco e tivesse sido sua plateia apenas aquela garotinha, certamente, estaria ainda, com o peito acarinhado, pois sua música, sua arte alcançou outro coração, pois é sabido por todos que arte é para emocionar. 

O solitário músico é o cantor e compositor Alan Persa, que hoje, arrasta milhares de pessoas para ouvir e encantar “nosotros” potiguares. “Não importa o tamanho da plateia, faça sempre o seu melhor” – @alanpersa

De volta às vacas magras. Claro, que o afago destes ícones das artes me deixa envaidecido e grato, por um lado demonstra que eles além de serem o que são, também são seres humanos que como nós têm sentimentos e gostos, podem tomar um sorvete de baunilha na praia, como da mesma forma gostar de uma caricatura desenhada por um cabeça chata, vindo lá dos cafundós do principado de Baixa do Chico – Afonso Bezerra/RN.

Ah! E se você é um dos que acredita que isto é pouco, espere para ser elogiado por Hermeto Pascoal ou outro mostro sagrada das artes, cultura, e então, rejeite.

Brito e Silva – Cartunista

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Solidão

Nunca tive medo da solidão, pois acredito que a pior solidão é aquela acompanhada, aquela solidão da falta do só na multidão. Mas a minha solidão é a do silêncio do mundo, daquela de ficar sozinha com minhas ideias, graças a Deus tenho um grande amor para chamar de meu – como digo sempre meu Brito – com quem aprendi a segurar a mão e não soltar, com ele aprendi que amor e solidão se completam, nós dois gostamos da solidão. Por vezes o vejo perdido em seus pensamentos no escritório, sozinha, talvez não, mas concentrado em turbilhões de ideias, pensamentos e imagens para desenhar ou escrever.

Gosto da solidão. Talvez por ter sida criada em uma casa com vários irmãos, e pouca vezes ou quase nunca conseguia ficar sozinha no silêncio, curtindo a solidão das madrugadas tantas ensejadas por mim, para estudar ler, escrever, ouvir uma música baixinha quase sussurrando como a brisa que sopra do mar.

Minha solidão é acompanhada, muito bem acompanhada. Ficar “sozinha” para organizar minhas ideias, forjar inspiração para pintar, escrever, desenhar. Sempre gostei de dormir cedinho, no máximo às 19 horas, para ceder ao silêncio da madrugada me reclama, a temperatura baixa não esfria, ao contrário aquece minh’alma, a solidão das ruas que entra pela janela, uma energia que brota de dentro para fora, me acompanho de mim mesma e dos pensamentos, me perco e me acho olhando a paz do céu escuro onde as luzes da cidade escondem os mistérios do infinito.

Na solidão da alvorada, trabalho nos meus livros, lê-os respirando a paz, as orações se mostram mais fluídas, a conexão parece mais rápida, não sei explicar.
Logo ali, ao lado, tendo alguém para despertar e juntos embalar o sonho da solidão de quem escolhemos a nós acompanhar na jornada.

Socorro Brito

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Ela partiu

Há muito tempo ela chegou na minha casa, novinha, cheirosa, linda, confesso que foi amor à primeira vista, ainda mais quando se propunha a fazer a parte mais cansativa da casa. 

Minha nova secretária era perfeita, fazia tudo com muito esmero, e eu fui assim me apaixonado, a casa serviço eu ficava mais agradecida, depois eu vi que não era só gratidão, minha secretária era perfeita, a melhor que uma dona de casa pode ter, sempre limpinha, não importa suas curvas, que para falar verdade, foi bem desenhada, era o máximo.

Passávamos horas e horas eu e ela, ela e eu. Eu precisava de seus cuidados e ela estava ali, sempre pronta, mas ultimamente vinha dando sinais de insatisfação, cansaço já não mantínhamos mais a mesma conexão, não da minha parte, por vezes eu não nos desentendíamos. Seus afazeres estavam deixando a desejar, tentei um carinho, dei um melhor cantinho, porém, não surtiu efeito algum, emburrada não queria conversa. Devo reconhecer que tenha sido negligente, talvez precisasse de cuidados mais especiais, mais carinho, porém ontem, foi a gota d’água: ela me revelou que já não aguentava mais essa e partiu me deixando na maior tristeza.

Hoje entendo Belchior e a relação dele com sua “madame Frigidaire”. Pois é, hoje me vi tão sozinha vendo aquela porção de roupas jogada esperando outra a me ajudar.

Minha máquina de lavara roupas Eletrolux partiu, deixou meu coração partido, meus braços mais ainda doloridos.

Não sabe ela, que foi um dos melhores presentes que ganhei nos últimos anos 

Vá em paz minha máquina Eletrolux.

Socorro Brito

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Pingo de Mei Dia

“Não troco meu oxente pelo Ok de ninguém”, frase do grande mestre, que não carece de apresentações, o dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, que a formulou como uma espécie de desabafo e um apelo à reflexão a nós nordestinos e brasileiros no trato com nossa arte, cultura, língua e nossa identidade.

Ariano parece conclamando para que nós pudéssemos olhar um pouco mais para interior: tanto o pessoal como geográfico, nosso torrão, para vermos que são nos rincões, grotões, povoados de chão batido que a cultura, a identidade do povo nordestino borbulha: Pastoril, Boi de Reis, São João (com fogueiras), o cordel, os cantadores de viola, emergem sem o marketing, sem as redes sociais, sem os chamados “agitadores culturais”. Porém, na verdade muitas das vezes, ou quase sempre, puxadas por brincantes analfabetos que apenas queriam (querem), de algum modo, expor suas emoções, uma forma de extravasar, exorcizar suas angústias, suas dores da vida sofrida na labuta diária e, por uma fração temporal exibir um sorriso no rosto.

Ariano era intransigente na defesa da arte da aldeia, quer dizer, da cultura popular isto está refletido em suas obras: literatura, desenhos e em falas à imprensa, nisto todos concordam. Mas, existe aqueles que o acusam de radicalismo. Ora que seja. Se faz necessário mais empenho, mais valia na defesa da arte popular. Arte tem que ser generosa, não sufocante e sufocando outra.

Na minha época de menino e toda minha adolescência lá na rua Augusto da Escócia, nº 49, nos Paredões, em Moscow, a gente se reunia para ouvir Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio Mossoró, Trio Nordestino, além Chico, Caetano, Gil, Elizete Cardozo, Nelson Gonçalves Francisco José… Ouvi Apelo e Gente Humilde lá em casa numa radiola ABC – Elizabeth V -. A gente ouvia forró forró: sanfona, zabumba e triângulo, hoje chamado “forró pé de serra”, que aparentemente faz um esforço monumental para continuar existindo, ao contrário do chamado “forró de plástico” – cunhado, se não me falha a memória e ela quase sempre falha, por Chico César – onde há uma pressão estrutural e financeira se impondo para catapultá-lo às alturas em detrimento do forró tradicional.

Claro, que a humanidade evoluiu, continua seu fluxo e tudo faz parte do processo. Evoluímos em todas as áreas, isto não quer dizer que melhoramos, em algumas até pioramos, entretanto isto, é outra discussão. A impressão que dá é que o “Forró Pé de Serra” agoniza e tem seus dias contados. É preciso a valorização da nossa arte, nossas tradições, nossa identidade, claro sem radicalismo ou preconceitos. O grande Jackson do Pandeiro queria misturar chiclete com banana, mas depois que o Tio San tocasse tamborim, assim também como fez meu amigo Jaques Cassiano – um grande cartunista mossoroense, que para nossa frustração não quer mais desenhar – essa montagem com os “Garoto de Liverpool”, talvez saindo de uma entrevista ao amigo Togo, para o jornal De Fato e, indo relar o bucho no Pingo do Mei Dia, é preciso um pouco mais de ousadia de todos com a cultura regional.

Bom, mas quem quiser que fique com seu “plastificado”, prefiro um bom forró pé de serra: “Santo de barro, santo pequenino, desde menino…”. Viva o Nordeste, viva Mossoró, viva o Pingo de Mei Dia.

Brito e Silva – Cartunista

PS: Um show do cantor de forró Flávio José foi reduzido para ceder espaço para o sertanejo Gustavo Lima.

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Abril é o monster!

Longe de mim ser supersticioso e muitos menos acreditar em coisas do além. Entretanto, em sexta-feira 13 não passo embaixo de escadas nem por cem e uma cocada preta de rapadura Cariri, se o segundo que se aproxima ventila a possibilidade de um gato preto cruzar meu caminho, logo mudo a direção e se isto for impossível fecho os olhos; também não ando em casa mal-assombrada, morro de medo de alma. Todos sabem que é melhor prevenir que remediar, assim sendo, arriscar não é preciso, né não poeta?

Digo e reafirmo não acredito nessas “besteiras”. Mas carrego sempre comigo uma figa e uma folhinha de arruda no bolço esquerdo da calça e uma moeda do último dinheiro que recebi, não é por nada não, mas como diz a moçada “vai qui…”. E cá pra nós, têm alguns meses do calendário gregoriano que me trazem uma felicidade danada, abril é um deles, talvez o maior, talvez não, seguramente é o maior deles. Em 27 de abril nasceu minha filha mais velha Pollyanne Brito, 29 sua filha, minha neta Valentina; Jade Brito no 23, meu neto mais novo, João Miguel em 24 de abril e uma outra filha do coração, Priscilla Cibelle, que faz párea com Jade, também sua filha Sarah que veio ao mundo em 4 de abril, sem falar do 5 que é aniversário do meu genro Roberto. Para mim, não poderia ser um mês mais alvissareiro, repleto de sorrisos e alegrias esborrotando por todos os lados.

Pois muito bem, pensei que abril já havia esgotado suas benesses comigo, ledo engano, me aparece o cartunista Joe Bonfim – desenhista potiguar que mora na França há 34 anos – acompanhado de outro grande chargista Brum, me convidando para fazermos uma coletiva na Aliança Francesa e, assim se fez. Em uma semana pulsemos a exposição na parede da Aliança. Na primeira reunião conheci Ernesto Guerra, diretor da AfrNatal onde ao sabor de um cafezinho feito por seu Ranulfo com assistência luxuosa da secretária Irlanda criou-se a ideia e no nome da exposição “Un Pour Tous…E Todos Por hUMor” uma referência direta ao clássico ao slogan do romance do escritor francês Alexandre Dumas, no seu livro “Os Três Mosqueteiros”, que tem como protagonistas os espadachins Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan, porém, nosso slogan é muito mais modesto e em bom português seria “Um por todos e todos por humor”, lá fomos nós de lápis em punho. Como “Os três Mosqueteiros” que são quatro, também fizemos nossa “trinca” de quatro: Brito, Brum, Bonfim e Ernesto, nosso D’Artagnan. Vivas para abril, ao Brum, vivas ao Bonfim, vivas para Ernesto, vivas para o cartum potiguar!

Que os outros 11 meses não me escutem: mas, abril é assim, é o monster!

Brito e Silva – Cartunista