Ao Chile

23 de maio de 2018

Meu filho Alex Polary

Diria que não sou lá muito religioso, entretanto, pelo sim pelo não, tomo passe, como hóstia, bebo água benta, daquelas que os muitos picaretas benzem através da TV e também dou minhas batidas no tambor, meio desafinado e fora do compasso, é certo. Em nome do filho, somos capazes de tudo. Não há nada mais desastrosamente frustrante e impotente que não poder viver as dores de nossos filhos, de não podermos tornar real aquele desenho que um dia foi possível se sonhar.

Sim, me sinto frustrado, derrotado, abatido por perceber que tudo que fiz, de todas às batalhas que venci, não foram suficientes para derrotar o grande monstro do atraso, da desigualdade social que habita nossa terra adorada. Cevado pelas forças conservadoras, ora se agiganta, obrigando muitos filhos desta pátria mãe gentil, buscarem perspectivas em outras paragens, em terras alheias. A fera, parece inatingível, levando-me a crer, que lutei com lápis e papel contra moinhos de ventos, porém, lhe digo, filho meu, que apontarei a lapiseira, gastarei mais papel e desta luta não arredarei o pé.

Me impus agora, a uma passagem do gênesis, quando Deus ordenou Abraão oferecer seu filho Isaque, em sacrifício. Igualmente vulnerável e impotente tão quão Abraão, ora me sinto e, com o mesmo fiapo de fé, me penduro a uma nesga de esperança no imponderável futuro, de coração e alma sangrando, entrego meu primogênito às terras de Neruda.

Perdoe este pobre incompetente pai, que não foi capaz de construir um país melhor para você e meus netos, mas quero que saiba que fiz o meu melhor, lutei as melhores batalhas, ainda assim a besta pisa forte e esmaga sonhos com a indiferença dos que não têm fé. Como diz o filho ilustre chileno, Pablo Neruda “Podes cortar todas as flores, mas não podes impedir a Primavera de aparecer”. Estes homens maus, que nos grandes salões tramaram contra o povo, não têm forças contra os raios do sol que se avizinha.

Estamos todos, em uma mística de saudade, tristeza e felicidade, pois, sabemos que sua ida a terras distantes não será vã. Com os olhos minando e o coração apertado, suplico a Deus que ilumine sua jornada.

Do seu pai,

Brito

Obs: Nunca estaremos tão longe quando pudermos cantar: “ Minh’ alma, de sonhar-te, anda perdida, Meus olhos andam cegos de te ver…”

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