Terra seca, rachando

Jornalista Gilberto de Souza, artista plástico Laércio Eugênio e o cartunista Brito e Silva

Por Gilberto de Souza

Lá pelo final da década de 80, Mossoró já contava com seus talentos iniciando pela curiosidade e pela identificação na área de propaganda, publicidade e marketing. E isso antes mesmo de Rogério Dias e o seu irmão, Ivanaldo Xavier, oficializarem a Auge Propaganda, uma das agências pioneiras, dentro dos padrões legais e ajustada a necessidade de mercado do seu tempo.

Nesse prisma, já era salutar a parceria, até porque, no momento, ninguém envolvido com esse tino reunia condições financeiras para montar uma agência. Segundo, porque todo trabalho criativo e de abrangência, principalmente que venha persuadir um público alvo, depende de quadros pessoais que formem o pendão norteador de um trabalho proposto.

Embalados pela magia dessa descoberta, eu, Laércio Eugênio e Brito e Silva começávamos a desenvolver algumas parcerias. Brito e Laércio, chargistas, desenhistas, bons na arte como são até hoje, arrebentavam. Juntei-me a eles para produzir os textos. Não havia os recursos da Internet como o hoje indispensável suporte do Google. Tudo era feito no peito e na raça. As artes eram pontilhadas no lápis, a diagramação na cola bastão. Para o aprimoramento líamos Torben Vestergard, Kim Schroder, Mena Barreto e outros do gênero. O resto era por nossa conta.

Esses resquícios de doces lembranças foram para resgatar um episódio, entre tantos, que marcaram a nossa produtiva convivência no campo da criação. Há sempre de ter os episódios.

Acho que, intermediado pelo porreta comunicador, o camaradinha Caby Costa Lima, nós fomos sondados para executar uma campanha publicitária. O cliente desejava uma campanha completa, que envolvesse rádio, jornal, televisão e outdoor. Sentimos o peso da proposta, porém não fugimos à luta. Como não existia sede, a gente se reunia na casa uns dos outros, conforme as conveniências.

Pegamos pressão, estávamos cheios de vontade. O cliente era o empresário Aurizilênio Leão Carlos, a empresa a EAPA Projetos Agrícolas. Marcamos o primeiro encontro para esse trabalho na casa de Laércio no conjunto Abolição. Era um período de inverno rigoroso e naquela noite despencava do céu mais uma chuva grossa. É tanto que como dependíamos de carona, eu e Brito chegamos atrasados, mas não seria aquele toró que iria impedir que a gente varasse a madrugada até produzir o maior número de peças para serem submetidas à apreciação.

Centralizamos a campanha na proposta da empresa em estimular os produtores rurais através dos seus projetos. A EAPA era a solução para alavancar o setor agrícola na região. Nessa linha idealizamos as peças para outdoor, jornal e rádio. Faltava a televisão.

O tempo corria na velocidade da água que caía do telhado em correntes clareadas pelos relâmpagos no compasso com as trovoadas. E a gente queimando pestana entre sucos, cafés com bolacha e cigarro. E a chuva que teimava em nos acompanhar sem perder o ritmo.

Foi então que, para a propaganda da televisão, alguém sugeriu que fosse feita uma fotografia de um terreno rachado pela seca, na tela, onde ao longe, surgiria a logomarca da empresa, amiudada, mas crescente ao avançar sobre a terra seca. E da forma em que, se observada de uma altura alpina lançasse uma luz por onde passasse, semeando a terra e fazendo brotar uma plantação. Na sintonia, um texto enaltecedor. Era aquilo. Estava tudo pronto.

Relaxamos realizados, mas antes que nós escolhêssemos o fotógrafo para colher a imagem da terra seca, eis que alguém lembrou:

– Com essa chuvarada, onde diabos a gente vai encontrar uma terra seca, rachada?

A ideia virou água, literalmente e tivemos que mudar toda campanha, deixando para outro dia. Algumas peças ainda chegaram a ser veiculadas. Mas nada de televisão.

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