Ouço vozes e vejo coisas

Depois de tempos de confinamento, em dupla de quatro: eu e Maria, Maria e eu, estou me dando conta que minha lucidez está ficando mais assentada, cada vez mais lucidamente lúcida, serena e equilibrada.

As percepções, os sentidos estão mais fluídos, mais naturais, talvez com suas capacidades no ápice. Ouço vozes, falo sozinho, danço, toco violão, pinto e bordo. Vejo o sorriso de Aléssia andando pela sala, repondo “te amo” a Enzo, me encanto com Valentina se apresentando, fazendo do sofá seu palco, vejo Lívia abrindo os olhos quando paro de tocar pra ela dormir. Canto com Polary “Fanatismo”, “Chega de saudade” com Pollyanne, Jade e eu tocamos “Samba em Prelúdio”, para Larissa toco “É preciso saber viver”. Enfim, estou mais vivo que nunca. Agora, as coisas a mim, são muito mais claras e simples.  

Em estado de poesia, com o violão nos braços, depois de errar algumas centenas de vezes a mesma nota, me aborreço e falo em voz alta: Porra, errou de novo? Sem se fazer de rogada, lá da cozinha, Maria diz: “pergunte ao seu amigo invisível, se ele quer um cafezinho?”. Tomei o café pelos dois.

Falando em amigo invisível, certamente, cometerei uma indiscrição, mas, sei que Dra. Priscila Cibelle, com seu coração do tamanho do mundo, me perdoará. Na movimentada casa de Nevolanda (in memoriam) minha sogra, que mais parecia um mercado persa. Havia dias em que netos brotavam de todos os lados: nas janelas, em cima e embaixo da cama, no sofá, nos corredores, no telhado, para onde olhasse tinha pelo um par de netos brincando, do jeito que ela gostava: casa empanturrada de vida viva por todos os cantos, do terreiro ao oitão.  

Certa vez, uma bela loirinha em prantos entra correndo na cozinha, Nevolanda, pergunta porquê de tanto choro, em seu mais lúcido momento diz: “Voinha, foi Tio Paulo matou meu amigo invisível”. Claro, os adultos, sem alma e pouca imaginação riram para se acabar.

Nesta clausura, tenho ciência do que a pequena Priscila falava e sentia. Ando ouvido vozes e vendo coisas. Canto com meus filhos, netos e amigos, devo confessar até brigo com alguns. Vivendo, o que vivo hoje, não quero ser nem mais nem menos do que sou. 

Maria, traga meu Rivotril. 

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