Artigo

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Belchior, apenas um cidadão comum

Sempre tive uma “queda” por música; cheguei a acreditar que seria um músico, cantor ou compositor, todavia as mães sabem o que fazem, a minha percebeu logo minha inabilidade, para me proteger – creio – livrou-me da frustação do insucesso que certamente, estaria me aguardando. Não sei se a ideia era apenas uma ilusão romantizada da minha enevoada percepção do mundo artístico e, principalmente, quando a revista Manchete ou Veja trazia Vinicius de Morais, na sua banheira com um copo de uísque na mão e um charuto na outra, um litro de uísque ao fundo e Toquinho de violão em punho finalizavam o cenário.

Aí vem Zé Ramalho cantando Avôhai, Admirável Mundo Novo; Raimundo Fagner com Manera Fru Fru Manera, O último Pau de Arara; Alceu Valença Agalopado, Papagaio do Futuro; Ednardo voando em um Pavão Misterioso, Enquanto Engomo a Calça; Geraldo Azevedo em Caravana na Barcarola do São Francisco, por aqui na terra dos Potiguaras Terezinha de Jesus balançava as palhas do coqueiros em Prece ao Vento; Impacto Cinco nos afagava com Mãos de Seda Coração de Ferro, no solo sagrado da terra da Santa dos Olhos, o Trio Mossoró cantava Santo de Barro, do grande Iremar Leite.

Nesta profusão de sons de alta qualidade com medo de avião desembarcava, na Hora do Almoço, um sujeito cantando “Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior” logo arregimentou milhares (milhões) de fãs Brasil e mundo afora, muitos entenderam a mensagem carregada de críticas sócias demonstrando seu inconformismo, descontentamento com a realidade posta no Brasil e no globo, outros tantos, voluntariamente não quiseram compreender sua alucinação em expor suas impressões sobre a realidade e as dores do mundo.

Creio, quase todos da minha geração foram pegos e afetados por “Apenas um rapaz latino-americano” que vestia como uma luva, isto é, uma segunda pele a embalar a alma, para aqueles – nós – jovens dava uma identidade, uma “causa” pra chamar de sua, não apenas pelo momento político do país, porém, também por todas as inerentes ilusões, temores e medos de quem queira mudar o mundo. O certo, é que Belchior, passou a integrar o cotidiano de toda uma geração de forma arrebatadora, sem fanatismo, conscientemente.

Entretanto, quase todos os músicos acima citados, conseguiram sobreviver as intempéries, solavancos do mercado comercial da música brasileira, infelizmente, Belchior, em 30 de outubro de 2017, nos deixou, no plano físico, porque, de fato, nunca saiu de nossas vidas. É verdade que às vezes desaparecia e voltava, desaparecia novamente, voltava…

O certo, é que Belchior atravessou gerações. Contudo, agora nestes anos de 2020 a galera, uma nova geração cheia de sonhos e, talvez, entendendo o Antônio Carlos, o descobriram(?) em toda sua extensão, no sentido lato, expondo com força e com vontade suas músicas, textos, pensamentos e ideias nas redes sociais, se tornando um movimento sólido. Aqui, do meu cantinho como um cidadão comum, destes que se vê na rua, estou ciente que um dia “O anjo do Senhor, descerá para uma cerveja, e, se tiver sorte, serei levado feito um pacote no seu manto…”.

Rogo o perdão do meu amigo poeta Caio César Muniz, ante seus imensos saberes, pelo sacrilégio em falar sobre o Belchior, é que lá em casa tinha uma Frigidaire, de quem fui amante e nas madrugadas traíamos a Telefunken.

Brito e Silva – Cartunista

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Dorian Jorge Freire

Ontem, sonhei com o jornalista Dorian Jorge Freire, o cenário imposto por Morfeu, pareceu-me muito familiar, aquelas estreitas escadas, as quais subi algumas milhares de vezes, indo a sua sala e a de João Newton da Escóssia, então nosso diretor administrativo, jamais poderia esquecer. Pois muito bem, quase nos últimos degraus perguntou-me o velho jornalista “Valeu a pena?”, mostre-lhe dois dedos em “V” – não o responderia assim, certamente, diria “Sim, valeu a pena” – mas, foi só sonho.

Isto lembrou-me de 83, quando fui chamado por ele para voltar para Mossoró (indicado que pelo amigo de Gazeta, Laércio Eugênio Cavalcante) depois de 2 anos de Natal entre a Cooperativa dos Jornalistas de Natal, RN Econômico e Jornal Estilo – de Toinho Silveira –  pois, imaginava dar uma nova cara, revitalizar o velho “O Mossoroense” de guerra, em formato e conteúdo, queria fazer frente ao jornal de Canindé Queiroz, de onde éramos oriundos.

Detalhes ajustados, passei dias queimando as pestanas na prancheta, criando um novo layout o qual, aos olhos dele, pudesse ser a programação visual ideal pretendida. Em um domingo qualquer de março de 1983, em sua casa à rua 30 de setembro, de frente a praça da antiga União Caixeiral – que ostenta uma estátua em sua homenagem – nervoso apresentei-lhe nossa ideia, com atenção meticulosa do principal personagem do escritor Sir Arthur Conan Doyle, como quem procura indícios de um crime barbaramente “perfeito”, folheou as 12 páginas, olhou-me através de duas grossas lentes, franziu a testa e disse o que ansiava ouvir “sensacional”. 1º de abril de 1983, João Newton assinou minha carteira profissional.

Todos no jornal tinham uma espécie de misto de respeito e medo de Dorian, hoje quero crer, que ele gostava disto, talvez, para manter uma certa mistificação. Logo avisaram de sua ranzinzice, seu mau-humor. Entretanto, por vezes o encontrei a gargalhadas ao telefone. Também testemunhei na redação rasgando matérias de jornalistas, esbravejando dizendo que estavam mal escritas, uma bosta, dizia. Imaginava que meu “dia” chegaria e chegou. Em um belo sábado me diz para eu abrir espaço de meia página no jornal para uma coluna que seria assinada por Dr. Layre Rosado, entregou os textos, desci, fiz a diagramação, mas as “margaridas” não colaboravam muito – esferas que traziam o alfabeto em alto relevo – haviam apenas três modelos: corpo 8,10 e 12 – para digitação nas composer IBM, quando diagramava em corpo menor faltava texto, se aumentava o corpo “estourava”, foi reportar-lhe, soltando fogo pelas ventas:

– Você não saber é fazer, nada!!!

– Então faça você! Devolvi-lhe.

Com cara de poucos amigos, ironizou:

– Dá para “senhor” descer e chamar Laércio, outro cabeça de vento.

Laércio Eugênio Cavalcante, chefe das oficinas, subiu e por lá resolveu. Ficamos de “mal” um certo tempo, pouco me dirigia a palavra e a recíproca era verdadeira.

Mas, quando a coisa está ruim, fique certo, vai piorar. Em outro bendito sábado, já pisava na soleira da porta da frente do jornal, com direção certa ao Ponto Frio – de Dona Luzia – eram por volta das seis em meia, isto é, 18h30, quando Vovô fala:

– Brito, seu “pai” quer falava com você no telefone.

– Alô…

– Brito, fechou a capa?

– Sim Dorian, estava de saída.

– Vamos ter que abrir um espaço…

– Tá certo, vou esperar o senhor aqui.

– Não, não, quero que você traga a capa do jornal aqui em casa.

– Aí, eu não vou não.

– O quê?

– Aí eu não vou não!

Desligou na minha cara. Ora, eu doido para me juntar a turma que já tinha “derrubado” um monte de “burrinhos” com mão-de-vaca. Vovô me chama, era Dorian:

– Alô…

– Dono do mundo. Abra um espaço onde você quiser e coloque “Embaixador da Inglaterra pernoite em Mossoró”.

Acima do logo do jornal pus a manchete, já contando com minha demissão. No final tarde da segunda-feira, ele desce vai até minha sala, entrega sua coluna, com um “tapinha” no meu ombro acompanhado de “por que todo baixinho é metido a besta?” Deu-me as costas e saiu caminhando leve, como quem imita Frei Damião.

Para mim, foi um selo de paz, que assegurava o meu emprego. Trabalhos juntos por anos nos quais consolidamos o respeito mútuo, é certo que neste ínterim, claro, tivemos outros entreveros, de poucos danos ou sem nenhum. Em 89, fui dirigir o departamento de arte e cenografia do Jornal e Tv Rio Branco, no Acre, na volta em 92, para o Jornal Gazeta do Oeste, fiz minha primeira exposição de caricaturas em sua residência. Dorian, foi uma grande inteligência da boa terra da Santa do Olhos, junto com Canindé Queiroz alicerçaram os pilares do jornalismo mossoroense. Bravos!!!

Brito e Silva – Cartunista

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Porra de AI

Evidente que pouco ou nada mesmo a fazer contra a Inteligência Artificial – AI, o que, de fato, podemos é usá-la de forma mais racional possível. Claro, existem muitas preocupações em todas as camadas sociais, aqueles não entendem ainda assim, o cuidado tem sua verdade. Cientistas de todas as áreas dos conhecimentos humano também cultivam desse sentimento, é certo, que isso tem a ver com ética, humanismo e, medo mesmo.

Entretanto, o neurocientista Miguel Nicolelis foi taxativo em afirmar que não existe inteligência artificial “inteligência somente é orgânica”. Do alto da minha cristalizada sapiência do mundo da tecnologia, devo concordar com o Miguel, que mesmo antes do Elon Musk, em 2021, fazer um estardalhaço danado quando a sua startup Neuroalink implantou um chip em um macaco e o fez jogar videogames com a mente, o brasileiro já fazia o mesmo lá por volta de 2016.

Outro dia recebi do amigo Laércio Eugênio Cavalcante, uma foto legendada “E ainda com todos os personagens vivos. Kkk”, na verdade se tratava de um bilhete do grande cartunista/jornalista Cláudio Oliveira, na sua época de Tribuna do Norte:

LAÉRCIO

1º lugar: um beijo (vôts).

2º lugar: conheça o Chafurdo.

3º lugar: envie-nos também seus desenhos junto como os de Brito e Jaques Cassiano.

4º lugar: estamos vendo com vocês a possibilidade de distribuição do jornal (mensal) aqui em Mossoró.

5º lugar: gostaríamos também de vera a possibilidade de conseguir anunciantes.

6º lugar: gostaria que você estudasse também se é mais barato imprimir o jornal aqui em Mossoró.

7º lugar: A ideia é montar um esquema semelhante ao “Salário Mínimo”, que era impresso na Astecam com aquele papel do Fradim, lembra?

8º lugar: Se for mais barato ou igual vale à pena imprimir o jornal aqui a gráfica de Natal cobra hoje a impressão de 1.000 exemplares do tabloide de 8 páginas,

16 mil cruzados, na Astecam quanto é? Canindé Queiroz não barateava em troca de publicidade, etc?

9º lugar: e no jornal “O Mossoroense”?

10º lugar: escrever pra gente, porra!

Cláudio Oliveira – 3/1/88

Duvido que a porra da AI tem capacidade de Cláudio para escrever uma “porra” tão carinhosa, carregada de afeto, respeito e amizade sincera. Antes, que eu me esqueça, vai pra porra AI.

Brito e Silva – Cartunista

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Me guardando pra quando o carnaval chegar

“Quem me vê sempre parado, distante garante que eu não sei sambar
tou me guardando pra quando o carnaval chegar…”Chico Buarque 

É da natureza do tolo ficar parado esperando apenas por esperar algo acontecer sem se preparar para quando o “carnaval chegar” e, no momento em que a folia chega faz a festa, e assim como veio vai-se embora. O estúpido não percebeu, não viu, não sentiu, sendo assim, espera sentado culpando e pendurado na longevidade da esperança. 

Outro dia, pela manhã na fila do pão do Carrefour uma senhora, mas enfeitada que a “burrinha de Zé Garcia” reclamava do preço do pão, do motorista que chegara atrasado e não trouxe o guarda-chuva, assim proporcionou que os pingos de chuva ousassem se precipitar sobre aquele acúmulo de produtos, que fazem uma espécie de domo químico, sobre suas madeixas de raízes esbranquiçadas que expõem sua verdadeira conservação, ora camuflada com um tom loiro. 

Um provérbio chinês imprimi “quando um sábio aponta o céu o ignorante olha o dedo”. Poucas vezes se prepara para o sucesso ou derrota, no tempo em que se chega ao sucesso aflora o despautério, a arrogância e a cegueira, não vê a beleza do céu azul, das noites de lua cheia, da mãe terra engravidando depois de uma “tesuda chuva” – como grafava o jornalista Canindé Queiroz – o nevoeiro da ingratidão meramente esbraveja contra o forte clarão do sol, da fraca luz da lua, do torrão molhando provocado pelos pingos de vida que por aquele chão fluiu em correntezas aos riachos, ribeirões, rios até aos oceanos.

Quando não se planeja e o contratempo bate a soleira da porta, uma topada no dedão do pé, alguns pingos de chuvas, a luz do Astro-Rei ou o prateado luar se torna uma cruz, um castigo similar o de Sísifo. De fato, o tolo não enxerga além do próprio nariz, não cultiva a compaixão, o agradecimento, na verdade não consegue minar os olhos com a beleza do milagre de viver.   

Vou ali me banhar na sapiência dos netos, para quando o carnaval chegar.

Brito e Silva – Cartunista

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Vinho, cuscuz e ovo

Caba nascido nos grotões dos serrotes de Angicos/RN, acostumando a comer farinha com rapadura Cariri, rolinha assada na brasa e forrar bucho lá em Zé Leão, na Cobal, em Mossoró, com cachorro-quente como quem come faisão, certamente, levará uma vida para atender bem às etiquetas e delícias dos novos sabores da culinária, entretanto, estou aberto às experiências gastronômicas, é certo, que por vezes -sempre – cometo alguns sacrilégios.

Neste final de 2023, recebemos alguns carinhos líquidos – literalmente, não no sentido do Zigmunt – mas, físicos envasados pelas melhores vinícolas brasileiras e chilenas. Os meus saberes na arte da enologia são tão vastos e semelhantes aos que carrego da física quântica, isto é, porra nenhuma.

3 Pepinos

130ml Vinagre

100g Açúcar
15g Sal
Gergelim a gosto

200g de fiapos de peito de frango

½ cebola

1 cenoura média

½ beterraba

Está pronto o Sunomono, acrescido, evidentemente, de umas pitadas de criatividade nordestinas de Maria:

– José, venha almoçar.

– A comida boa para ser acompanha de uma taça de vinho.

– A última você tomou ontem no cuscuz com ovo.

Pobre é um bicho destruidor de sonhos.  

Brito e Silva – Cartunista

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Passado

O grande filósofo do cristianismo, o argelino Santo Agostinho tatuou uma das frases mais emblemáticas relativas à definição do tempo “o passado não existe, porque já acabou, o futuro não existe porque não começou, o presente não existe porque se torna pretérito” e ainda adiantou “o que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei…” 

Eu sou fissurado no tempo, penso nele o tempo todo, todo tempo, acho fantástico e, principalmente no passado, porque para mim, de fato, é o que existe – olha eu divergindo de Santo Agostinho – há muitas teorias filosóficas e físicas sobre o tempo, entretanto, todas apresentam falhas insupríveis, logo posso me dá ao devaneio de ter a minha própria tese.

O passado, só ele existe. Ele é o senhor do tempo, depois de estabelecido nada pode alterá-lo, mudar, corrigir, somente pode ser acrescido numa linha contínua. Não há nada mais generoso que o passado, aquele não esquecido que você pode acessá-lo quando quiser, onde quiser, o tempo que quiser, só ele é real. O futuro não chegou, aparecendo instantaneamente será presente com vida de milésimo de segundo para depois alojar-se no passado, na gaveta das boas recordações ou apinhar-se no baú do esquecimento. 

Eu sou passado, vivo o passado, ainda bem. Do passado me alimento, curto meu passado, acesso-o cotidianamente – não tem como fugir: minha manhã já é passado, beijos dos netos já estão no bornal das inesquecíveis boas memórias – entretanto, nem sempre ele se faz presente por livre e espontânea vontade, e sim, lhe é posto por terceiros obrigando-o a ver o que queria esquecer.

Sou audiência assídua no Facebook do Relembrando Mossoró, do jornalista e escritor Lindomarcos Faustino foi lá que vi o post de uma foto,  aí me deu uma tristeza no meu peito, era o “túmulo” aonde sepultaram a história e o sonho de centenas de profissionais de comunicação, foi lá que conheci Kléber Barros, Nilo Santos, Dorian Jorge Freire, Inácio Pé de Quenga, Laércio Eugênio Cavalcante, Júnior Barbuda, Claudino, Thurbay Rodrigues, Zé Maria Caldas, Sérvulo Holanda, Carlos Sérvulo, Amâncio Honorato, Dona Maria José, Dona Neide, César Santos, William Robson…E tantos outros amigos que os trago, como pingentes, do lado esquerdo do peito. Era ali na Cunha da Mota com a Frei Miguelinho a morada de Canindé Queiroz e Dona Maria Emília, a nossa “casa” a Gazeta do Oeste, naquela esquina boa parte da história contemporânea de todos nós foi escrita e está impressa no passado da memória da terra dos Monxorós. 

Brito e Silva – Cartunista

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O Camaradinha

Vi um post de amigos ladeados por Caby, aí bateu saudade do “Keibi”, gente do meu bem querer. Quase não lembro de vê-lo raivoso, esbravejando, reclamando da vida, na verdade, estava sempre fazendo piada com todo mundo, passando trote para os amigos, é exceto, ao ser chamado de Raimundo Nonato, por um incauto malicioso. Mas, isto é outra história.

Caby, foi uma dessas pessoas que têm o coração mais largo que o bolso. Por vezes o vi ficar liso “batendo a biela” por emprestar o último centavo ou ter pago a conta da mesa vizinha repleta de pirangueiros e no final, sair atrás de dinheiro a juros. O Camaradinha era assim, sem freio, sem amanhã e “sem miséria”.

Calça boca-de-sino, cabelos black power, camiseta de mangas longas e tamancos esse visual dos anos 70 embrulhava Caby, que não dava a mínima para quem torcia o rosto à sua indumentária fora de moda. Gostava de pregar “peças” nos amigos, mas havia quem lhe retribuísse. Reza uma lenda urbana que certa vez ao chegar na guarita da Vipetro, Vilmar teria orientado o porteiro dizer da necessidade dos visitantes usarem botas e capacete, alegando norma da empresa. Quando Caby entra na sala, Vilmar vê aquela presepada caí no riso, o “Camaradinha” acompanha promovendo uma risadaria danada.

Ilustrei quase todos os seus livros, os que não o fiz, foi porque estava morando em Rio Branco/AC. Mesmo quando mudei para Natal, ele trazia. Sem exceção, todas vezes terminava em briga. Brigamos centenas de vezes e centenas de vezes nos reconciliamos, ele muito mais generoso: dois, três dias depois da batia à porta ou ligava “Cossorro, diga a Brito que passo já aí pra gente tomar uma”. No bar não bebia dois goles do Campari, eu não sentia o gosta da Brahma na goela, já dizia vamos? Aqui tá choco! E assim, saíamos de bar em bar, até ele sossegar o facho no Travessia.

Insistia, dizendo ser seu sonho, a gente ter uma agência de publicidade com o nome Azougue, não deu. Porém, criamos o site www.azougue.com dois ou três meses depois brigamos, ele levou a frente o projeto. Não há dúvidas, minha ranzinzice de querer tudo dentro do combinado, das regras, da agenda foi promotora de tantas querelas, e ele, por ser um sujeito sem amarras, livre como o vento, nunca deu bolas às nossas malquerenças, logo no domingo, no Som do Caby: Azougue, do camaradinha Nando Cordel, para meu amigo Brito e Silva, roda a carrapeta aí…”. Esse era Caby, o resto é folclore.

Brito e Silva – Cartunista  

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Está tudo mudando

“Você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem” entusiasta da “terra plana”, teimando em desmascarar Gagarin, que falou ser a terra redonda e azul, saiba “Tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não para…”, “Eppur si muove” cravou Galileu.

Sabe o amigo com quem jogava bola-de-meia, na adolescência se dizia ateu? É dizimista da Universal cultua “deus, pátria e família”. A namoradinha de infância? Virou mulher do lar, casou com o esnobe da outra rua, que acreditava ser as “pregas de quelé”, é verdade: ainda traz marcas no rosto daquela pureza bela, das noites de verão das brincadeiras de esconde-esconde na rua Augusto da Escóssia mal iluminada pela Comensa. Porém, os negros olhos de outrora brilhando como a Estrela Dalva, agora refletem profundo pretume da tristeza.

Jô Soares dizia se a xícara desse bom dia, sem titubear diria “bom dia xícara”. As relações mudaram com os pais, mães, filhos, parentes, amigos, com o mundo e continuam a todo vapor. Acordamos, ainda na cama, exigimos: “Alexa” acenda a luz, ligue a tv e o Mac do escritório. Nos anos 70, mudar o canal de nossa Telefunken tínhamos que ir até o seletor, estapeá-la para imagem, preta e branco, aparecer sem chuviscos, era assim.

Bob Dylan diz “está tudo mudando”. Char, uma americana comprou uma boneca inflável em semelhança e imagem dela, para o marido transar quando estiver indisposta; a canadense Sonja, “ecossexual” diz ter orgasmos múltiplos com um frondoso carvalho; José, lá de Floripa, casou com a bela Samanta, uma rosada suína.

Os alimentadores de minha pasta Bobagens do Tik Tok, enviaram um vídeo onde um gato esbofeteia as fuças de um dog, amuado rosnar expondo as presas, o gato dá um pulo por cima da ligeireza caindo em pé, com a coluna arqueada, os pelos das ventas até a ponta do rabo arrepiados fitando no “Pit Bull”, que percebendo a intenção do “bichano” murcha as orelhas põe o rabo entre as pernas faz meia volta e sai grunhindo, chorando, imitando “Pé-de-Pano”, o cavalo do Pica-Pau. Tudo muda. Pense, não vire estátua de sal.

“Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo – Lulu Santos

Brito e Silva – Cartunista

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Calhordice

Calhordice

A canalhice da extrema-direita não tem limites, depois que a CGU declarou que o cartão de vacina do genocida é falso, para criar uma cortina de fumaça reeditaram um vídeo fake news antigo, em que supostamente o Pe. Júlio Lancelotti se masturbava para um adolescente.

Esse é o jeito seboso e asqueroso de fazer política dessa gente sem escrúpulos, apoiada por outros calhordas iguais, blogueiros criminosos que no lufa-lufa de conseguirem audiência publicam qualquer coisa sem checar. Cretinos!

Inclusive, um destes cretinos, aqui da terra de Poti, tem a ousadia de propor o nome à Prefeitura de Natal. Ora, vai te catar, alma podre.


por Tácio Caldas tacio.caldas@bnews.com.br
Publicado em 07/01/2024, às 09h08 – Atualizado às 09h10

De acordo com um períto Mario Alexandre Gazziro, contratado pela revista Fórum, “os vários elementos apontam para uma farsa e esse vídeo, em particular, foi gerado para dificultar análises forenses”.

“O que realmente prova que não se trata do padre é a edição para inserção dos ícones do WhatsApp. Porque se fosse realmente um caso real, em que uma suposta vítima tivesse gravado a tela do próprio celular com alguma ferramenta, não teria aparecido o ícone do aplicativo como artefato de edição em destaque na análise forense. Aquilo foi editado e colocado lá”, explica Gazziro.

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Saudade

Saudade é uma palavra perene em nossas vidas, embora não a percebamos no seu conceito e definição mais profundos, na grande maioria das vezes falamos apenas por falar numa vulgaridade sem tamanho “estou com saudade daquela música, estou com saudade de ir à praia…”, coisas assim, cotidianamente banais. Dizem os estudiosos e entendidos do borogodó da língua portuguesa que não há uma tradução literal da palavra saudade em outras línguas, logo a saudade é uma coisa nossa, não que outros povos não tenham este sentimento, mas isto é outra história.

A filosofia cunha, em um conceito bem rasinho, se deve compreender a saudade como a presença da ausência, isto é, um vazio. O dicionário descreve a saudade como “sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa, um lugar ou à ausência de experiências prazerosas já vividas”.

Digo que saudade é aquele instante em que você sente os olhos minar como cacimba em leito de rio seco, e as lágrimas caudalosamente teimam em jorrar e ainda assim, se pega rindo, como se aquele valioso momento tivesse feito a vida valer a pena e seguir ao futuro expondo estes fragmentos de tempo em quadros em uma parede de um museu, que você pode ver quando quiser.

Qui nem jiló

Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira

Se a gente lembra só por lembrar
O amor que a gente um dia perdeu
Saudade inté que assim é bom
Pro cabra se convencer
Que é feliz sem saber
Pois não sofreu…

Gonzaguinha, em sua bela música Saudade escreve “saudade a gente não explica…”, de fato, mas quem diabos precisa de definição para sentir essa coisa que nos faz chorar sem sentir dor nos acalmando a alma, como se uma dose de morfina fosse. Hoje, alvoreci com saudades do meu velho pai, seu Luiz, de vê-lo sob o pé de mangueira que plantou, regou e cuidou, como quem cuida de netos, ela, depois de sua partida, se recusa adocicar suas mangas, agora carrega seus frutos com o amargor e azedume de algumas saudades. Claro, fui ouvir “Boiadeiro”, Luiz Gonzaga.

Brito e Silva – Cartunista

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Noel insensível

Por causa de um piti no sistema do departamento de emissão da documentação de permanência definitiva no solo de Neruda, com chegada marcada para o dia 24 de dezembro, ouvi de minha nora “Sogrão, não vamos viajar”, não fiquei triste, talvez, um pouco morocochô, confesso. Porém, logo atinei e como não poderia ser de outra forma, pus na conta desse velhinho escroto Noel, o safado não iria conceder esse presente natalino.

Há anos venho de birra que já caminha evoluindo à inimizade ferrenha com esse sujeitinho velhaco, vindo lá do norte da Escandinávia enganando meio mundo. Comigo nunca cumpriu o prometido ou o desejado: quando menino sonhava com uma Monareta, minha primeira bicicleta foi uma Monark aos 15 anos e não foi ele quem trouxe, até porque meu aniversário é 20 de julho, 5 meses antes de sua revoada mundo afora; adulto, por ausência dele, me fiz mentiroso contumaz: comprava presentes para os filhos e dizia que era o velhote que deixara na soleira da porta.

Adulto jovem, nutria vã esperança de um dia topar com ele para uma conversa de pé-de-orelha, certa feita tive o desatino de escrever uma carta à sua casa na Lapónia, no Caderno2 do Jornal Rio Branco/AC, sem resposta potencializando nossa querela, quer dizer a minha, haja vista sua total indiferença aos meus apelos. Há anos estendo-lhe a mão no ato do mais puro e sincero desejo de reconciliação, até sonhei que ele aceitava. Para facilitar sua vida, ciente de sua épica jornada natalina nos condomínios da classe média, abri mão de receber o presente no natal, adiei para virada do ano. Mas um presente que, de fato, fizesse jus a reconciliação e todos os anos de sonegação: o prêmio da Mega da Virada, o cretino ainda não cumpriu.

Um amigo “comunista” disse que o velho do saco encarnado foi corrompido pelo capital. Não tem mais tempo, na verdade nunca teve um olhar para aqueles que apenas sonham com comida na mesa na noite de natal. O sacana agora é garoto propaganda da Coca-Cola e das grandes corporações, um vendido. Sem falar que anos após ano estraga a festa do Aniversariante. Já ressabiado, esperava ele aprontar comigo e, aprontou. Se preocupe não minha nora “quando fevereiro chegar, saudade já não mata a gente”.

Brito e Silva – cartunista

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Tola tolice

O genial Nelson Rodrigues certa vez cunhou essa primazia “O adulto não existe. O homem é um menino perene” uma verdade brutalmente cristalizada na alma. Sem saudosismo piegas, livre da besteira besta da “melhor idade”, por vezes voo à minha infância nos Paredões, tempos de menino de calças curtas e jogo de pião no terreiro da Padaria de seu Arlindo, nas manhãs de domingos, além de outras incursões em tempos diversos. Necessito disto. Talvez, é meu “servo” lembrando quem sou, de onde vim e para onde vou.

      Outro dia, depois de uma noite bem adormecida, acordei com uma imagem de Dona Geralda – minha mãe – à tardezinha em sua cadeira de balanço na calçada pedido para eu ir até a Radiola ABC Isabela V, virar os longs plays (LPs) de vinil, pois os três – a radiola suportava 3 LPs empilhados na ponta de uma haste de aço, automaticamente deixava cair um a um sobre o prato e se punha a tocar, quando terminava um lado, tínhamos que virar o disco – já tinham tocados.

     Do bornal, num flash, como se fora a explosão do Big Bang, em milésimo de segundos saltou um turbilhão de cenas: me vi calçando o Conga para jogar futsal na “quadra da cadeia”, hoje, Museu Lauro da Escóssia, logo a cena foi fundida na qual me postava de cacharréu azul marinho, calça branca boca de sino e tamanco, prontinho para ir ao Cine Pax ver “Dio, come te amo”, foi projetada outra quando morei vizinho a Difusora de Mossoró, onde com Alan – in memoriam, morava entre minha casa e a Rádio – ouvia Zé Ramalho na sua casa, noutra vi Maria de blusa branca e saia azul plissada subindo a rua para o Estadual.

Voltando ao começo. Fui à radiola peguei os discos, um exibia selo azul da CBS, era de Vinícius de Morais, outro do Trio Los Panchos e o terceiro era um compacto rosa dos Incríveis que em um dos lados exibia a música Santa Lúcia – a gente cantarolava Santa Luzia – motivos óbvios. Trabalhei todo dia ouvindo Apelo (Vinícius de Moraes), La Malagueña (Trio Los Panchos) e claro, Santa Lúcia (Incríveis).

Provavelmente, sou um velho tolo buscando a infância na vã ilusão de torna meu “horizonte de eventos” um pouco mais longe. De toda forma, é uma tola tolice.

Brito e Silva – Cartunista

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Ingratidão

Era uma vez um sapo e um escorpião que estavam parados à margem de um rio.

– Você me carrega nas costas para eu poder atravessar o rio? – Perguntou o escorpião ao sapo.

– De jeito nenhum. Você é a mais traiçoeira das criaturas. Se eu te ajudar, você me mata em vez de me agradecer.

– Mas, se eu te picar com meu veneno – respondeu o escorpião com uma voz terna e doce -, morro também. Me dê uma carona. Prometo ser bom, meu amigo sapo.

O sapo concordou.

Durante a travessia do rio, porém, o sapo sentiu a picada mortal do escorpião.

– Por que você fez isso, escorpião? Agora nós dois morreremos afogados! – disse o sapo.

E o escorpião simplesmente respondeu:

– Porque esta é a minha natureza, meu amigo sapo. E eu não posso mudá-la

      Heloisa Prieto. (O livro dos medos)

A quem anda neste torrão abençoado por Deus e bonito por natureza é preciso saber viver: tentar entender a natureza humana ou pelo menos não gerar grandes expectativas, por que é de onde não se espera nada, que nada vem, isto se quiser manter uma saúde mental equilibrada.

Nós, os humanos, somos completamente permeados por inúmeros vícios nos levando a comportamentos egoístas, somos fáceis de vestir(?) um escafandro e submergirmos, encapsulados pela corrupção de nossa ingratidão e na escuridão das profundezas passamos a não enxergar nada mais que nosso próprio umbigo. Desdenhamos de tudo e de todos, como se fora um soberbo profeta, que esquece de que o futuro pode ser ouro, mas também tem grandes chances de ser pirita.

Dizem que ingratidão inocula nas pessoas uma imensa fraqueza moral e ética as assombrando, atormentando-as e, por saberem dessa condição de não terem a gratidão como preceito, o medo as torturam, as consomem. Sob cega soberba, não agradecem, não pedem desculpas, entende, se assim o fizerem, estarão sendo humilhadas, derrotadas, fracas.

Pessoas ingratas tratam os mais fracos, os pobres, os cidadãos comuns como se fossem menos gente, menos humanos, menos vivos, apenas pobres diabos almas penadas, zumbis. Mas, de fato, na verdade estas pessoas são simplesmente seus reflexos e, é isto que as atemorizam e com uma nevoa, olham para um lado só, feitas estátuas de sal, para esquecer de onde vieram e daqueles que puseram pequenos seixos nos seus alicerces o qual hoje, edificam seus palácios.

Diz Cícero “a gratidão não é só a maior das virtudes, mas a origem de todas as outras”. Agradecer, ter gratidão é uma qualidade dos fortes destes que têm consciência que tudo lhe foi dado: a vida, a saúde, as habilidades, família, filhos, amigos, dinheiro, fortuna e fé. Entretanto, por vezes atravessam o Rubicão da ingratidão, e assim feito, feito está. Porém, se estão vivas, ainda dá tempo de agradecerem a cada respiro.

Diz a o livro Sagrada aos cristãos: A ingratidão mostra que estamos longe de Deus – Ramanos – 1:21

Calhordice

A grande imprensa brasileira é conspiradora, retrógada e reacionária. Tem lutado permanentemente contra o Brasil. Torce, incentiva, fomenta a negação do país ter no mundo o papel que lhe é de direito. Haja vista a calhordice promovida pela diretora de jornalismo do Estadão forçando uma ligação do Ministro da Justiça, Flávio Dino com uma senhora alcunhada de “Dama do Tráfico”.

Guerra

Em nome de um equilíbrio e controle geopolítico a conivência do mundo “civilizado” ocidental salta aos olhos com a barbárie instalada em Gaza, onde o cretino Netanyahu mata crianças e idosos palestinos sob pretexto de uma guerra contra o Hamas, o que de fato, vemos nas imagens de tv, são inocentes crianças ensopadas de sangues.

Editais

Me disse um amigo, esse pessoal que elabora os editais culturais, sente prazer com o sofrimento alheio. São pessoas invejosas de mente doentia, gente do mal. Pois, com régua e compasso calculam a extensão do dano mental naqueles que se aventuram a participar de qualquer modalidade descrita no “bendito” edital e, acabam sucumbindo à frustração intensa por não conseguirem entender porra nenhum. De fato, eles são feitos para uma pequena casta de “artistas”.

Frase

“A venda de órgãos (humanos) é um mercado a mais” Javier Milei, Presidente da Argentina

Caricatura

Caricatura do Javier Milei, Presidente da Argentina para o 18º Salão Internacional de Humor de Caratinga/MG

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CAPELA ESCOLA DO BOM JESUS

*) Por Márcio de Lima Dantas

No bairro Bom Jesus, localizado nos arrabaldes da cidade de Mossoró, há alguns anos, quando fiz essas fotos, encontrava-se uma capela tão comum aos distritos um tanto distantes do centro (não sei o estado atual), sobretudo às populações com forte pendor a fé propugnada pela Igreja Católica. Isolada em um extenso terreno baldio, na entrada daquele bairro rural, erguida à beira da autoestrada que segue em direção à cidade de Governador Dix-septrosado, descendo para o lado direito.

Essas ermidas, quase sempre despojadas de uma maior profusão de adereços, simbolicamente funcionam como o poder de uma Instituição Religiosa, fazendo saber de uma pertença, outorgando de maneira subliminar que o raio de ação de determinada prática religiosa está para além do que se imagina em um primeiro olhar.

Com efeito, não podemos esquecer o fato de que periodicamente vem um sacerdote batizar crianças, legalizar casamentos, catequizar e oficiar a liturgia, fortalecendo a coesão do rebanho, evitando a dispersão por meio de uma permanente assistência. Antigamente, não era difícil encontrá-las nas cercanias de muitas cidades, no interior de fazendas ou às margens de estradas. O que chama atenção nessa pequena capela são os usos simultâneos de dois espaços considerados como excludentes: o sagrado e do profano.

O escrito acima da porta de entrada, ocupando quase toda a largura da fachada principal, CAPELA – ESCOLA – DO – BOM – JESUS, demonstra em um rasgo de lucidez e pedagogia que onde habita o sagrado também há lugar para acolher crianças e adolescentes necessitados de receberem as primeiras letras e a tabuada, tornando-os mais aptos para a vida. O sagrado e o profano não são antípodas, haja vista as festas religiosas ao deus Dionísio, na antiga Grécia. Para não ir muito longe, observamos que no carnaval brasileiro, refiro-me às escolas de samba do Rio de Janeiro.

No século XIX, a conhecida ala das baianas, era tão-somente uma parte dos cortejos das procissões em homenagem ao calendário de eventos da Igreja Católica (In: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida). Curioso observar como o caráter de mestiçagem se estende ao plano arquitetônico da capela. Tal miscigenação concerne às formas empregadas na consecução da fachada, dando a conhecer apenas por um detido olhar das partes empregadas em lograr êxito, resultando em uma graciosa harmonia. Não precisa ser apreciador de arte para simpatizar com essa pequena construção chantada em um lugar ermo.

O próprio fato de ter sido construída em um terreno baldio, não detendo casas na sua vizinhança, já convida o olhar para ela, ressaltando suas linhas arquitetônicas de um despojamento e uma simplicidade que, como todos sabem, é muito difícil de se conseguir no domínio da arte. Vejamos como isso se organizou.

Nos dois lados da ermida, temos uma alternância entre duas portas e duas janelas longilíneas, sendo que nas quatro aberturas que dão para o interior, a parte que fecha cada uma é em arco clássico, ocorrendo um certo aprofundamento na alvenaria, permitindo ressaltar tanto o arco, como a as portas e janelas de madeira. Tem também uma outra coisa, uma espécie de falsa coluna quadrada, essas linhas riscam do sopé até o cume. Cada parte que enquadra janela ou porta sobressai discretamente acima da linha do telhado, provavelmente proporcionando obliterar a queda d´água, que irá escoar ao longo da bica, bem visível quando do início da frente. A porta principal detém uma compleição que remete aos arcos ogivais, tão nossos conhecidos por terem sido usados na Idade Média nas catedrais góticas.

É óbvio que não seguem rigorosamente os contornos desses arcos, mas não há como deixar de estabelecer uma relação, visto que o Imaginário da Igreja Católica detém elementos dos diversos estilos estéticos que vigoraram consoante as condições históricas, possibilitando uma eficácia maior da Ideologia da fé, que sempre manteve a supremacia no que diz respeito à dimensão religiosa. Assim, essa porta de madeira contém oito almofadas; é a maneira que se nomina toda e qualquer forma em alto-relevo em portas, servem para conceder valor estético, não funcional, permitindo entrever uma elegância e dignidade ao conjunto de paradigmas utilizados na elaboração sintagmática dessa humilde capela.

A calçada junto com o batente para adentrar pelo recinto, lembra aos que vêm estudar ou praticar sua fé a natureza de um simbólico que lança vetores para o alto, vigorando o caráter ascensional, tanto no que concerne a um lugar para ritualizar um deus, quanto no que diz respeito à escola como sítio do saber. Ambas resguardam sutilmente relações de poder presentes na vida social. Esse conjunto em movimento ascendente está encimado por uma elegante platibanda, arrumada em cima, tornando-se um estilizado triângulo equilátero.

Via de regra, a platibanda funciona como um meio de esconder a cumeeira, visto ser a intersecção de duas águas-mestras. Tudo indica que sua dimensão estética sobrepujou a dimensão funcional ou de valor prático. É só prestar atenção, como aquela finaliza o cume, havendo uma pequena janela em arco com um discreto sino. Logo acima, temos uma cruz. Não podemos deixar de ressaltar o lado direito e esquerdo da platibanda. O fato de ter duas volutas serpenteando em busca do alto, lembra a linha curva presente na tradição Barroca da nossa cultura. Mais uma vez remarcamos que não passa de uma estilização da linha curva que predominou nas construções religiosas e civis durante o nosso período Colonial.

A linha curva é bastante condizente com o ideal propugnado pelas religiões, pois estabelecem como alvo das prédicas a subjetividade, a emoção, um ethos que se opões frontalmente à razão, pois é necessário acreditar em algo abstrato, não tangível.

Não vamos esquecer um componente dessa fachada. É um traço presente na Arquitetura Clássica, advinda de uma sedimentação estética que levou séculos para se presentificar, atingindo seu apogeu na arquitetura da Antiga Grécia. Estamos falando da simetria bilateral, a possiblidade de cortar ao meio a capela, acabando com dois lados iguais. Tal traço segue à risca esse plano arquitetural, não muito presente no Barroco.

Por fim, nessa tão modesta capela, adjacente à cidade de Mossoró, pudemos constatar um amálgama de diversos estilos de época concernentes à História da Arte no Ocidente. Bem claro que não seguem strictu sensu os paradigmas apontados aqui, mas são estilizações ou evocações dessas manifestações artísticas.

O fato desses partícepes se manifestarem discretamente nos traços dessa construção, não invalida as nossas observações, visto que, no século XX, foram poucas as formas de arte que se apresentaram em estado puro. O importante é que na sua aura haja identidade e pertencimento a determinados grupos sociais. No caso aqui estudado, a Igreja Católica e a Escola, todas duas resguardadoras da Ideologia, seja por meio de um deus monoteísta, seja por meio da linguagem. Ambas ferramentas manuseadas desde sempre pelos que detém o controle da sociedade.

(*) Márcio de Lima Dantas – Professor doutor e escritor

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Eu sou vários

Todos os dias quando o sol desiste de nos assar vivos, João Miguel, meu neto caçula de um ano e seis meses, em uma língua, talvez alienígena, abre o verbo “bavô”, com o dedo em riste para o portão, a rotina explica que é hora de irmos à praça e, assim é feito sua vontade.

Atento às recomendações médicas – garantidoras – se for disciplinado me auto torturando com exercícios físicos seria recompensado com alguns anos de sobrevida. Pensei em saber do médico qual sua cartomante, retrocedi, não quis constrangê-lo, sabe-se lá, a maioria dos médicos do SUS fogem de um “face to face”, poderia proferir algum impropério contra minha mãezinha, neste caso me “espalharia” com pernadas a três por quatro. Na praça, tomei uns goles d’água o time foi se completando.

É sabido no encontro de sexagenários e além, a saudação é quase uma prova de vida: que bom lhe ver. Instantaneamente rola uma boa conversa, logo descambar nas mazelas da velhice: hoje esquecido de tomar o “diabo” da Losartana, outro rindo segue a toada “faz dias que não tomo”, um terceiro “minha mulher quase me bate porque esqueço, pior que ela também esquece” estende-se uma risadaria, como se nós já estivéssemos no Olimpo.

Como tudo não são flores, sempre há um fulano para jogar meleca no ventilador e como todos têm uma história triste a contar, não a nossa, mas, de um amigo: ontem meu vizinho foi achado morto em sua casa, o Samur falou que havia mais de três dias de sua morte. Alguém quis mais detalhes insistindo “a família? Os filhos?”, não tinha família. Mês passado o filho que morava com ele morreu em um acidente de trânsito, tem uma filha na Itália, mas ela só liga no Natal, Aniversário”, sem pedir licença a tristeza sentou-se.

Ouvi Lívia(4), irmã de João, gritando “vô”, pedi esculpa, saí com riso nos olhos constrangido por há pouco estar triste e meus tímpanos ao receberem as ondas carregadas com aquela voz me fez feliz imediatamente, isso em milésimo de segundos. Em seguida me dei conta, de Nietzsche “Eu sou vários. Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo”. Ora, sou humano, eu sou vários.

Brito e Silva – Cartunista