Nunca é tarde para lutar e agradecer!

O Papa Francisco, em Audiência Geral, no dia 30 de dezembro de 2020, concluiu a sua catequese, afirmando:

“Se formos portadores de gratidão, o mundo também se tornará melhor, talvez só um pouco, mas é suficiente para lhe transmitir um pouco de esperança. O mundo precisa de esperança e com a gratidão, com o comportamento de ação de graças, nós transmitimos um pouco de esperança. Tudo está unido e interligado, e cada um pode desempenhar a sua parte onde quer que esteja”. (https://www.vaticannews.va/…/papa-francisco-audiencia…). (Grifos nossos). É sobre a necessidade de fazer agradecimento que quero aqui relatar um pouco sobre minha trajetória acadêmica! 

Nesta semana, revisitando alguns arquivos próprios, encontrei os primeiros textos e registros fotográficos que subsidiaram a minha monografia de conclusão do curso em Ciências Econômicas na UFRN, começo da década de 1990, momento em que eu dava os primeiros passos sobre a importância do reaproveitamento do lixo como alternativa para a geração de ocupação e renda, diante de um cenário de precarização do emprego, de exclusão social e de ameaça ambiental.

Foi a partir da observação do número crescente de catadores de materiais recicláveis nas ruas da capital e de outras cidades do interior potiguar que comecei a ter interesse pelo tema, culminando com as defesas da dissertação de mestrado (2005) e da tese de doutorado (2019). 

De fato, a vida não foi fácil durante essa trajetória. No início, além das poucas publicações existentes, tive, ainda, que enfrentar o “preconceito” acadêmico sobre o assunto. “Ninguém – ou quase ninguém – queria, e ainda continua não querendo, saber de lixo”. Aliás, essa constatação é relatada por Sabetai Calderoni, no livro “Os bilhões perdidos no lixo” (2003, p. 25), quando ele diz: “O lixo é um material mal-amado. Todos desejam dele descartar-se. Até pagam para dele se verem livres”. 

Por outro lado, apesar das dificuldades, sempre houve motivação para seguir adiante. Os trabalhos acadêmicos de Idalina Farias Costa: “O povo no lixo: um estudo sobre a estratificação social da favela de Cidade Nova” (1978) e “De lixo também se vive” (1986), por exemplo, foram motivadores e fundamentáveis para a compreensão paradoxal da atual sociedade (consumista e excludente).

Por diversas vezes fui questionado por colegas sobre o motivo pelo qual estava estudando o tema (lixo). Mas, isso nunca foi para mim fator de desmotivação, apesar do “desconforto”. De certo modo, eu não estava só. Apesar dos poucos apoiadores, eles foram indispensáveis para a sequência dos meus estudos. 

De lá para cá, foram muitas idas aos lixões (meus laboratórios) e infinitas conversas com os catadores e catadoras (meus mestres e minhas mestras), em diversos lugares, deste e de outros estados. Aprendi muito nas visitas que fiz e nas conversas que tive. Apesar do ambiente do lixão não ser o ideal, era, e ainda continua sendo, um lugar “acolhedor” – uma espécie de “tabua de salvação e o único a “receber” geograficamente pessoas de vários lugares sem necessidade de passaportes – em que famílias inteiras retiram “alimentos”, até mesmo em disputas com alguns animais. 

Apesar dos dias difíceis daquelas pessoas, era possível constatar momentos “divertidos”, pois, entre a chegada do caminhão que trazia os resíduos de um certo “bairro rico da cidade” ou de algum supermercado, os catadores e as catadoras aproveitavam o intervalo para jogar uma partida de dominó e/ou de baralho, tomar um café e prosear. A expectativa da vinda do “carro do lixo” de um bairro em que morava gente de posses ou de um supermercado era grande, uma vez que as famílias que estavam naquele lixão já imaginavam recolher algo de valor econômico, algumas carnes, frutas frescas e iogurtes para as crianças. Sou testemunha de inúmeros acontecimentos dessa natureza. 

Com efeito, é através dos registros fotográficos de uma visita feita ao lixão de Caicó/RN, em 1996, que quero agradecer a todas as pessoas que contribuíram, e que ainda continuam contribuindo, na ascensão de minhas pesquisas sobre o lixo (resíduos sólidos). 

Para não cometer nenhuma injustiça, por não recordar daqueles(as) que acompanharam o meu trabalho ao longo dessas três décadas, não mostrarei os seus nomes. Quero, através desses poucos e importantes registros, fazer os agradecimentos a todos(as). 

De fato, este trabalho não encerra aqui. Continuaremos na luta, pois é necessário avançar muito neste assunto, principalmente nas políticas públicas de inclusão dos catadores e das catadoras, na educação ambiental, na erradicação dos lixões e na forma como a sociedade encara esse grave problema, isso porque, o “Panorama 2021 dos resíduos sólidos no Brasil” (ABRELPE, 2021) acabou de revelar que no Brasil, em 2020, foram coletados 76,1 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU). Desse total, 60% seguiram para disposição em aterros sanitários, enquanto para as áreas de disposição inadequada, incluindo lixões e aterros controlados, foram destinadas 40% do total de resíduos coletados. Na média, cada brasileiro produz diariamente 1,067kg de lixo. 

Registros de uma visita ao lixão de Caicó, em 1996. Arquivo do autor.

Professor Raimundo Inácio – UERN

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