Ô prefeito bom…

Nos anos 80, 90 os jornais do RN, quando o novo governo empossado completava 100 dias de exercício, não importava suas matizes partidárias, faziam edição especial, sabidamente uma maneira dos veículos criarem um fluxo extra de caixa e, também um momento para o público ter oportunidade de ver quem ainda estava apoiando o governo ou oferecendo um crédito de confiança, claro que não servia como referência de pesquisa científica para balizar maior ou menor popularidade, na verdade as publicações objetivavam visibilidade sobre a mesa do governador.

O jornal Gazeta do Oeste não fugia à regra. Nos anos 90 em reunião da direção, redação, arte e Comercial ficou decidido que o jornal iria fazer uma Edição Especial com 100 páginas, referência direta aos 100 Dias do Governo José Agripino. Para cobrir o oeste e o alto-oeste escalados: da redação Phabiano Santos, da arte fui eu e como fotógrafo coube a Raimundo Nunes (in memoriam).

No dia seguinte apontamos o “Golzinho” branco na direção de Apodi e lá fomos nós. Visita assertiva à prefeitura nos deixou animados, pois começamos com o pé direito, seguimos para Pau dos Ferros, não sem antes passar em Rafael Godeiro, Itaú, Francisco Dantas, fechamos várias páginas. Com alguns dias na região já finalizando nossa estadia, em Martins, depois do café da manhã planejamos ir para Alexandria, porém teríamos que visitar outros municípios a caminho. 

Desbravando veredas, picadas e estradas de chão batido maltratando o velho Gol, porém, encontrar os prefeitos era preciso, afinal, estávamos buscando nosso bendito pão de cada dia e, os alcaides, de oposição ou situação “lambiam uma rapadura” para aparecer numa página de jornal falando bem do governo. É verdade que alguns – poucos – preferiam enfatizar suas obras realizadas. 

Por volta das 10h, chegamos em uma cidadezinha próximo a Alexandria, fomos direto à sede da municipalidade, claro, estava fechadinha “da silva”, dificilmente se encontrava o chefe do executivo na prefeitura, o vigia informou o paradeiro do prefeito nos apontando caminho da fazendo dele. Seguimos por uma estradinha de terra, onde o carro era lapeado a todo minuto nas laterais pelos galhos das plantas que invadiam o acero, uma hora depois, não sem antes de erramos o caminho umas dez vezes, esbarramos na cancela, Raimundo desceu para abrir, logo sendo impedido por um grito que vinha lá do alpendre da casa, que ficava a uns 100 metro da gente: – Pare aí! Quem são vocês?

– Somos do jornal, queremos falar com o prefeito. Gritou de volta Raimundo.

Rápido um senhor nu da cintura pra cima expondo sua lustrosa barriga, com um revólver na cinta, se aproxima de nós três debruçados na cancela e, começa às apresentações:

– Somos do jornal Gazeta do Oeste, esse é Brito e este aqui é Raimundo nosso fotógrafo, Phabiano expressando desejo de fala com o prefeito.

– Meu é João (fictício), sou o secretário de Educação do Municipal, podem vim.

João entra na casa e sai escoltando o “anfitrião”. Expomos a razão de nossa visita:

– Claro, vou participar, tenho um bocado de obras que fiz com ajuda do meu “cumpadi” Zé Agripino.

Do lado direito da casa uma nuvem de poeira tomava o céu azulado:

– Não se preocupe, ali é um açude que estou fazendo…

– Construir um açude custa muito caro. Provocou Phabiano.

– Pra mim não! 

– Não entendi – insistiu Phabiano Santos.

– Ora, já fiz um monte de “barreiros” e açudes pequenos para um bando de filhos da puta daqui, com os tratores da prefeitura, por quê não posso fazer na minha fazenda, né não?

A concordância foi uníssona. 

– Agora vamos almoçar lá na cidade. Vou com vocês porque assim vou logo mostrando o que vocês devem publicar no jornal. Numa rua o carro quase fazia uma gangorra, tamanho era a altura da lombada, o prefeito com ar de orgulho: “diga se não é a melhor lombada que vocês já viram?” Não tínhamos alternativa para discordar.

Em frente de umas casinhas, muito pequenininhas, pareciam uns “quixozinhos” todas nas cores laranja e azul – da campanha eleitoral de Zé Agripino – de peito estufado o gestor falou:

– Aqui tinha um terreno que não prestava, era meu. A prefeitura comprou e com os recursos do Programa do Governo do Estado “Casa para Todos(?)” construí, botei luz do Programa “Pau Amarelo” de “Cumpadi Zé”, e dei pra esse povo morar, todo mundo aí mora de graça.

– Aí é o prédio da Câmara Municipal, em cima é a maternidade, aqui não tinha.

– E por quê o senhor não fez o inverso, maternidade embaixo e a Câmara Municipal em cima? 

– Ora, as buchidinhas nem ia lembrar quem fez a maternidade. Desse jeito todas às vezes que estiverem subindo a escada vão dizendo “ô prefeito bom, agora não precisamos ir para Alexandria parir”. 

Brito e Silva – Cartunista

Você também pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *