Cartunista Joe Bonfim: “estamos cada dia mais imbecis”.

Por Brito e Silva

Joe Bonfim, é um multiartista potiguar, nascido em 25 de julho 1959, na cidade do Natal/RN, batizado na igreja São Pedro, no Alecrim. Joe é músico, compositor, cantor e um dos mais renomados cartunistas brasileiros, residindo em Paris há 32 anos. Como descendente de ameríndios nordestinos, apesar, desse tempo morando no primeiro mundo continua um papa jerimum de quatro costados, todo ano troca as águas gélidas do Sena que corta a Cidade Luz, para vir banhar-se nas águas mornas da praia de Ponta Negra, ao pé do Morro do Careca, na cidade do Sol. 

“Joe Bonfim é um personagem que eu criei”, assim falou Joe. Também acrescenta ter sido um sedutor inveterado, em sua juventude, mera humildade, continua nos seduzindo com seus traços inequívocos de grande valia ao mundo cartum mundial e sua música. 

Vamos conhecer um pouco mais do Joe Bonfim.

Em geral, a maioria dos desenhistas começam muito cedo, logo na infância fazendo rabiscos, com você assim?

Meu primeiro desenho de observação me valeu uma surra da minha mãe, com chinelos havaianas. Ela tinha ido à feira com minhas irmãs em um subúrbio do Rio de Janeiro/RJ e eu aproveitei pra empilhar uns caixotes, subir no muro, e ver à filha da vizinha, uma linda mulata, que tinha uns dezesseis anos, tomando banho do jeito veio ao mundo. Observei bastante, desci do muro e desenhei o que vi na prancha de madeira da janela, que impedia a entrada de mosquitos pelas venezianas. Minha mãe quando viu aquele nu artístico, ficou furiosa e me deu uma coça severa. A educação que ela havia recebido nas escolas mantidas por freiras, via pecado e maldade em todos lados, e Arte em lugar nenhum. Esta reação ignorante e sem noção, só me fez gostar ainda mais de mulher e talvez por este motivo, eu me tornei um dos melhores alunos de modelo vivo da Escola de Belas Artes da UFRJ, e estudei modelo vivo também na Escola de Belas Artes de Berlim, junto com a lithographia, durante o ano de 1990.

Desenhar teve alguma influência ou você é a “ovelha negra” da família?

Desenhar fez, eu me tornar a “Ovelha Branca” da família.

Quando tomou consciência que era o desenho, mas especificamente, o cartum seria sua profissão?

A inspiração primeira foi o Jota Carlos e em seguida, o Mestre Mario Mendez.

Logo tomei consciência que o cartun não poderia ser minha profissão. Esperei bastante para ser pago do meu primeiro desenho publicado no Pasquim.

O desenho é uma paixão, uma mania, minha terapia.

A família apoiou?

A minha mãe me apoiou muito: “Artista é coisa de vagabundo, de preguiçoso, de “bom pra nada”.

Quantos anos de estrada, amassando e rabiscando papeis em busca de suplantar o desafio do papel em branco?

Desenho desde que ganhei meu primeiro lápis, no primário da escola pública. Fiz muitas profissões diferentes, mas nunca parei de desenhar. A folha em branco é uma excelente e excitante fonte de descobertas e de prazer. Graças à esta sagrada energia, nunca brochei do lápis.

Você mora na França há mais de duas décadas. Como é a vida de um cartunista na terra do egalité, fraternité e liberté?

Moro na França à somente 32 anos. A sorte de nós, cartunistas e caricaturistas aqui na França é que existem muitas associações que criam Salões e Festivais de cartuns e caricaturas, bem como de quadrinhos.

Você é o “embaixador” dos cartunistas brasileiros na França/Europa, levando trabalhos de novos e velhos desenhistas a Festivais de Humor pelo território do primeiro mundo. O que significa para você esse trabalho e para os cartunistas brasileiros, além da visibilidade notória internacional?

Tento ajudar à minha maneira, como posso. Principalmente graças às muitas amizades que fiz por aqui. Muita gente boa, competente e humilde. Os melhores embaixadores dos desenhistas brasileiros, são o talento, a criatividade e à originalidade de nossos compatriotas, e o melhor exemplo disto são as 3 Grandes exposições, tendo como tema o atual preside(me)nte brasileiro. Participamos também em 2 exposições à Cannes, onde participo na associação organizadora, ajudando nas relações publicas e com os colegas cartunistas. Vale ressaltar, como exemplo, a excelente participação do nosso Gilmar nacional, que convidamos no ano passado, e que teve direito à uma exposição individual, assim como entrevista na televisão. Para coroar tudo, ele ganhou um dos prêmios mais cobiçados deste que é o maior Festival Internacional do mundo, há (41 anos de existência), Gilmar ganhou o prêmio da imprensa Internacional. Isto tudo, sem falar Inglês ou Francês. Seu traço comunicou em todas as línguas. Fiquei orgulhoso e feliz com o prêmio do meu amigo compatriota, satisfeito por ter lhe indicado para à organização do Festival, que o convidou. 

Para mim, que cresci num clima de independência de ideias na UFRJ, ao mesmo tempo que a repressão e censura no período da Ditadura, não posso esquecer que apesar de ser desconhecido no meu país, fui contemporâneo do Henfil, do Aldir Blanc, do Jaguar, etc.

Não posso calar. Tentarei sempre levar a voz e o talento dos meus irmãos brasileiros, por onde eu passar. Um exemplo disto é minha singela participação, como convidado, pelo meu amigo, o escritor- Historiador, Levi Juca, à campanha do lançamento do livro sobre o nosso Grande Mestre da Caricatura, Mario Mendez. Aqui na Europa, eu testemunho das nossas condições de vida e liberdade e sobretudo promovendo uma visibilidade que estes artistas, muitas vezes não tem no seu próprio País.

O cartunista brasileiro é bem recebido fora do país?

Alguns ótimos cartunistas perderam o trabalho. Infelizmente, existem divisões entre os desenhistas de quadrinhos, os cartunistas, e os desenhistas de livros para as crianças.

O cartunista é bem remunerado na Europa?

O “Canard Enchaîné, Charlie Hebdo, Fluide Glacial, são referencias, mais já estão com os times completos. Alguns nomes, conhecidos continuam a publicar. Antigamente o cartunista, ou caricaturista tinha carteira assinada e um salário razoável garantido. Hoje em dia, na maioria, os desenhistas são pagos por desenho publicado, o que não garante na maioria dos casos, uma vida confortável.

Alguns Festivais de caricaturas e cartuns nos autorizam fixar livremente o preço das caricaturas. Outros do um preço igual para todos. Alguns, dizem que o preço é uma escolha da pessoa que foi caricaturada (não concorde com esta opção,)

A internet restringiu muito, quer dizer, praticamente acabou com os jornais e revistas impressos e consequentemente com os espaços para os profissionais do cartum, você acredita que também abriu outras oportunidades e novos mercados?

A internet, infelizmente, ao mesmo tempo que facilitou o envio de mensagens e o consumo de informação, fez uma lobotomia na capacidade de reflexão, indignação e pudor dos internautas. Os jovens não pegam mais nos livros. A qualidade da espíritos piorou muito. A memória e à capacidade de cálculos mentais também se reduzem. As pessoas nunca se comunicaram tanto quanto agora, e nunca ficaram tanto sozinhas.

De uma maneira geral, eu diria que os atentados sofridos pela équipe do Charlie Hebdo só aceleraram uma tendência que começou a se instalar com a chegada da internet e dos smartphones. Os téléphones estão cada dia mais “Smart”(inteligentes) e nós, consumidores gratuitos de “merda colorida em movimento” estamos cada dia mais imbecis, sem conhecimento e poder suficiente para represar este tsunami mundial de “bosta”. A falta de dignidade, de honestidade, de inteligência, de pudor e compaixão, transborda e à gente vê bem o resultado desta decadência mundial (temos muitos exemplos nos nossos políticos tupiniquins).

A internet, com este fluxo enorme de texto e imagens gratuitas, só serviu para vulgarizar e desvalorizar o trabalho intelectual da escrita e de criação de imagens.

Que charge, cartum ou caricatura que gostaria de ter feito? 

Gostaria de ter feito todas as charges do Henfil, do Gilmar e do meu amigo BRUM, que infelizmente, acabou de perder o trabalho como cartunista no jornal a Tribuna do Norte.

Você um é artista dos traços, também é musico. O cartum tem alguma ligação com as linhas da pauta, onde os músicos desenham suas notas?

Confirmo esta noticia ruim: Sou também músico-compositor-cantor. A música me ajudou a pagar minha vida e meus estudos, quando cheguei por aqui. Tinha um bom trabalho no Brasil, mas não estava feliz. Ano passado gravei um CD de Bossa Nova o “Bonfim, Bossa French Touch” com standards Bossa e Chanson francesa, em Francês. Este ano gravei o Aquarelle com 10 composições minhas. Encontramos neste álbum ritmos variados: Xote, blues baladas romântica, Bossa, músicas de protesto à situação atual do Brasil, e uma musica para ninar, composta em parceria com a minha filha, quando era novinha. Tem de tudo, para todas as sensibilidades. É um resumo, uma cronologia. É meu jeito de me apresentar nu, em textos e em musicas. É um exibicionismo escandaloso, mas tem gente que gosta (poucos).

O que é ser um cartunista? 

Ser cartunista é ver, perceber e traduzir em imagens o que a maioria não vê, não percebe ou não gostaria de mostrar ou de ver… É alertar sobre o ridículo, o mal honesto, à crueldade, a bondade, etc todos os sentimentos e situações podem ser representados pelo traço, e na maioria das vezes, melhor do que discursos, texto ou fotos. É o caro que levanta a saia da imagem da santa pra ver como é a bunda dela, que vê a meleca grudada no nariz do presidente, que escuta o peido escapado da rainha da Inglaterra (RIP) é chocante? (sim…) é de mau gosto? (muitas vezes) é de má intenção? (quase nunca) É proibido? (Claro que não!!!!) Liberdade de expressão é saudável e necessária. Se eu não acredito ou acredito em algo, eu tenho o direito de dizer. É à liberdade de expressão. É melhor ser esta “metamorfose ambulante, do que ter aquela opinião formada sobre tudo!”

Que é Joe Bonfim? 

O Joe Bonfim é um personagem que eu criei. Um descendente de ameríndios, nordestinos, de origem e temperamento humilde. Curioso. Quando jovem, foi um sedutor inveterado, tendo como armas o desenho e a música. Tem uma boa estrela e muita inconsciência, pra continuar tentando salvar sua chama inicial dos males do tempo. Um Don Quixote com um lápis no lugar da lança, e que hoje luta contra monstros imaginários e inimigos reais, para salvar sua Dulcinéia que esta “cagando e andando pra ele”, “un fou que persiste dans sa passion du Dessin et de la musique, mais qui au même temps,ne sais pas faire rien d’autre” – “um louco que persiste em sua paixão pelo desenho e pela música, mas que ao mesmo tempo não sabe fazer outra coisa” -. 

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