Artigo

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Narcisista intelectual

Primeira vez que vi esse termo foi um colega de faculdade escrevendo um desabafo pós entrega de TCC. Acredito até que tenha sido dirigido a mim, ou aos meus colegas mais próximos. Não sei exatamente a razão, mas lembro que na época houve algum tipo de burburinho pela universidade que eu e meus colegas debochávamos da capacidade de outros alunos de passarem no trabalho final. Não aconteceu. Mas o fato é, a carapuça me serviu como um alerta, me fez refletir sobre assunto. 

Sempre fui muito fã de pessoas sábias. Afinal, fui criada por duas pessoas extremamente inteligentes, acima da média. E meu convivo sempre foi esse. Inclusive, um dos meus irmãos foi diagnosticado com “altas habilidades/superdotação”, tipo aquelas crianças do Caldeirão do Hulk, só que com o hiperfoco em outras milhares de coisas. Constantemente fui influenciada então a admirar o culto, o belo, o conhecimento e com isso (mesmo não debochando de ninguém) adquiri uma seletividade preconceituosa no meu olhar para o outro e uma autocobrança de SABER enorme. Além de ter uma tendência de ter hiperfocos em assuntos que me interessam e eles são os mais variados, com isso, estudo sobre os mais estranhos assuntos até esgotar meu cérebro. Mais tarde descobri que isso pode ser alguma característica neurodivergente. 

Fiz faculdade de publicidade, depois me tornei design gráfico, maquiadora, presidente de movimento estudantil, tocadora de violão (musicista é muito) e entre outras muitas coisas, estudando sozinha, sendo autodidata. Pois pra mim, quanto mais conhecimento adquirisse em algum lugar eu estaria acima, acima de quê? Até hoje não descobri. Com a idade chegando, o tempo passando e a vida acontecendo, a minha percepção de SER mudou bastante (e permanece mudando). Continuo tendo hiperfocos estranhos. Mas, graças a maturidade(?), minha visão sobre o próximo mudou e talvez eu realmente estivesse num lugar de soberba e por que não de uma pseudo narcisista intelectual? Ou pra aliviar um pouco minha barra posso seguir a linha de pensamento da psiquiatra que diz que o meu olhar (e exigência) sobre outro é na verdade um conceito de mim mesma, ou seja, queria encontrar o quê queria ser. Que é também uma super caraterísticas de uma das minhas condições psíquicas (ansiedade).  

Óbvio, que esses ensinamentos ficaram ainda mais claros depois dos filhos, pois eles me ensinam diariamente que o belo, o grandioso, o inteligente podem e são, geralmente, as coisas mais simples. Mas, por isso, não menos importante aprendi que mesmo que tenha algum “q” neurodivergente e me faça sempre buscar essas características, não posso usá-lo como desculpas para ser uma “c*zona”, desculpem os termos. Apesar de amar o culto, sou um pouco mal educada também. E por fim, termino esse texto dizendo uma frase sábia do meu pai “inteligência é você saber usar seu conhecimento de forma simples e prática”.

Jade Brito e Silva – Publicitária

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Tudo cabe num abraço – Dia dos Pais

“Me dê sua tristeza que lhe dou minha alegria”
Romance da Bela Infanta  

Hoje, domingo Dia dos Pais, impulsionado pelos anúncios de tv e toda mídia lembrando o tempo todo, todo o tempo, que não devo esquecer de comprar o presente no Dia dos Pais: celulares, computadores, carros, gravatas, meias, sapatênis, até Melhoral estavam anunciando… Ofereciam o diabo a quatro. Neste clima estava de conversa com seu Luís meu pai, “mangando” desses pobres filhos que lotam, se abufelando em portas de lojas de shoppings centers buscando comprarem “lembrancinhas” e não deixarem o DIA DOS PAIS passar “em branco”, boa parte delas serão enviadas pelos correios, pois seus remetentes, mesmo morando na mesma cidade, não têm tempo para um sorriso tête-à-tête com seu “coroa”.

É triste, mas é a realidade nua e crua, em que muitos pais vivem: Filhos, apenas por vídeos, pelo WhatsApp, Instagram, Facebook, Twitter… Porém, ainda assim, devemos dar graças aos deuses das tecnologias. Fico imaginando quando o metaverso estiver sendo rotineiro em nossas vidas como pão e café, você no domingo querendo acordar mais tarde, por causa da balada do sábado, e não quer perder tempo, também não pretende carrega culpas, ficar com depressão por não ir na casa do pai desejar um Feliz Dia dos Pais ao vivo, então no dia anterior grava uma mensagem e envia seu holograma, o seu pai que também possivelmente ainda está dormindo, por causa da carga de remédios que tomara, da mesma forma já deixou disponibilizado seu holograma ativado para receber suas homenagens do Dia dos Pais. 

Não é delírio meu não. Logo, logo a presença física em carne e osso será desnecessária, fútil, desobrigada. Os afetos e sentimentos, na real, já estão rarefeitos no campo físico. Certamente, no mundo virtual, no metaverso os amores, os sentimos serão mais caudalosos. Nesse tempo em que já se põe à soleira, o olho no olho, será, talvez uma ofensa. Um bom dia, um pedido de desculpas, um gesto de gentileza, um abraço, um muito obrigado, tudo isto ficará no passado, isto é, tudo estará disponível, somente na realidade aumentada.

Ah! Meu velho pai se encanto há 2 anos, seu Luiz virou estrela, foi chamado aos céus. Porém estou com ele diariamente, quer dizer, ele está comigo – os pais sempre estão – quando quero chamar sua atenção, feito Trindade, pego o violão e toco Boiadeiro, música que queria ouvir e nunca toquei pra ele, entretanto não sofro da síndrome do Epitáfio, o que fiz, fiz, o que não fiz, não fiz e não há como mudar. Voltando as vacas magras:  Ora, quem diabo se importa com “lembrancinhas” ante um sorriso, um abraço, um “bom dia pai” ou uma “bênção pai”? Eu, como o Jota Quest, creio que tudo se resolve e cabe num abraço. Coisa de gente antiquada.

Brito e Silva – cartunista

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Ostentando os ovos

No dia 2 de junho sai da toca, fui à ótica no Midway Mall pegar meus óculos de graus. Gente pra lá e pra cá com as mãos cheias de pacotes e vendedores com sorriso de orelhas a orelhas, muita gente apressada, cartões de créditos ávidos para serem e usados, pessoas fazendo questão de exibirem as marcas famosas de suas sacolas, uma muvuca dos diabos. 

Como sou matuto e não gosto muito de multidão, me senti asfixiado, na verdade sou um eremita urbano, só deixo meu bunker por extrema necessidade, e, se Maria não puder resolver por mim, em verdade vos digo: sou um bicho do mato na selva de pedra. De volta, conversando com o motorista do Uber, foi que me dei ciência da causa do tanto de gente no shopping, era Dia Livre de Impostos 2022, promoção da Câmara de Dirigentes Lojistas Jovem (CDL Jovem) que acontece em quase todo país.

Não sei e não vou afirmar, se é mais um “engodo”, entretanto, isto não me tira o direito a minha calejada desconfiança neste tipo de promoção. Haja vista a tal Black Friday (sexta-feira preta), onde até já rebatizaram de “Black Fraude”, pelo mau comportamento de alguns lojistas desonestos, que ludibriam a boa fé de seus possíveis clientes, quando um tempo antes aumentam os preços estratosfericamente, para na fatídica sexta-feira baixar, oferecendo descontos de 60% 70%, e até 80%, transformando-os em uma “pegadinha” aos consumidores. 

Maria, que não pode ouvir falar em descontos, decidiu participar do Dia Livre de Impostos:

– Brito ainda está no Midway? 

– Estou sim.

– Quer comer um bolinho cenoura?

– Quero sim!

– Mas tenho um “probleminha”.

– Qual? 

– Aqui em casa não tem ovo nem cenoura. Vá aí no Extra e compre. 

Por bolo de cenoura, sou capaz de até de ir comprar o ovo e a cenoura, como, de fato, o fiz. Trotando me danei para o Extra, comprei meia libra de cenoura uma placa com 30 ovos, depois me dirigi à Miranda Computação, logo comecei a observar que as pessoas passavam me olhando, após conectar tico e teco, compreendi que meus ovos estavam ofuscando ou pelo menos chamando mais atenção que os pacotes e bolsas daqueles transeuntes que desfilavam  mostrando as marcas famosas de seus presente para o Dia dos Namorados,  Duas mocinhas olharam meu saco com os ovos e as cenouras e riam, não sei se dos ovos, do saco, das cenouras ou de mim, por estar ali ostentando uma bandeja de ovos, um pacote cenoura ao invés de um embrulho com logo de loja chique, de toda forma, o lanche da noite, comi bolo de cenoura. 

Brito e Silva – Cartunista

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Puérpera

Puérpera, mulher que acabou de entregar ao mundo aquilo que anteriormente não existia e quando passou existir era só seu.

Puérpera que teve seu corpo modificado por longas semanas, órgãos sendo realocados, hormônios sendo produzidos, prioridades sendo colocadas. Corpo remodelado.

Puérpera que o seu fisiológico mudou completamente, agora tenta voltar ao normal, depois de uma retirada do seu corpo sem dó nem piedade aquilo que só a pertencia.

Puérpera que tem uma queda de hormônios, um luto pelo vazio de dentro, uma luta pelo que aconchego de fora.

Puérpera que já estava em privação em várias instâncias, agora ele lhe foi tirado abruptamente o sono, pelas preocupações, pelo o que tens nas mãos, pelas dores físicas que carrega.

Puérpera que tivera dores na gestação que não foram curadas, agora foram modificadas e repostas em outros locais físicos e emocionais.

Puérpera que derrama lágrimas, leite e sangue, pelo peito que enche, pelo o que cabeça ainda não consegue entender, pelo sangue que expele enquanto seu útero se contrai numa cólica.

Puérpera que olha no espelho e não se reconhece.

Puerpério que é inerente a todas às mulheres que foram mães, democrático e ditatorial. Dói no físico, dói na alma. Mas passa e fortalece. Ele é um dos infinitos motivos que justifica aquela frase: só quem é mãe sabe.

Jade Brito – Publicitária

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Feliz Aniversário Jade!

Os antigos já dizem que “a noite leva ao amanhã, o inverno leva à primavera”, assim sendo e, é, João Miguel é a luz e o vento norte que chega para dissipar as nuvens escuras que pairam sobre nossas cabeças nos impedindo de ver o céu azul. 

Outro dia escrevi sobre gente que não acredita na vida, que resmunga e reclama do sol, ao invés de aproveitar a luz, maldiz a noite sem cantar ao luar, chora a chuva e não perceber o milagre das flores, pessoa assim pessimista, que acredita que o universo conspira contra sua pobre vida, certamente, cega pelo negativismo amarga a solidão profunda e assim, se afoga numa gota d’àgua, mesma que benta.

Sei que você não coaduna com o pessimismo, com a acidez da tristeza permanente, nem viver reclamando pelos cantos porque a neblina escureceu a luz do sol, mas também não se veste do otimismo idiota: aquele que cobre de beleza a feiura da fome, que cobre a mão da maldade dos “bem intencionados “, você sempre foi e é uma realista esperançosa, nas horas escuras indica o caminho da luz.

Nestes próximos dias, encherá nossa casa de alegria, nos presenteando com João Miguel, que fará nosso sorriso não caber na gente e atravessar paredes, muros, invadir o ar. Por outro lado, um mês depois fará uma cirurgia. Sei, que podes estás com medo, todos nós também estamos, mas também sabemos de sua força, sua coragem para enfrentar a vida e, você sabe que é preciso lutar, que vitórias sem luta não tem a honradez. Viva à vida.

Feliz Aniversário Jade, filha minha.

Do seu pai Brito

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Verdade bruta

Minha emagrecida e obsoleta inteligência priva de balbuciar qualquer tipo de crítica, seja positiva ou negativa, sobre artes, e principalmente, às artes plásticas. Porém, sou ousadamente cara-de-pau para falar do trabalho do meu amigo, artista plástico – e um dos maiores cartunista desse torrão potiguar – Laércio Eugênio Cavalcante.Digo despudoramente que Laércio Eugênio Cavalcante é um dos gigantes das artes plásticas contemporânea. Não vou entrar no mérito de conceituar, tipificar um estilo às belas obras, mas apenas me limitar a dizer o que me atrai é esse descompromisso imposto com a forma, mas uma tocante verdade bruta com a estética e com o discurso. De encher os olhos.

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Paris

Outro dia um amigo questionava meu apoio a Lula juntar-se a Alckmin e os Alves. Argumentei que é preciso fazer uma robusta aliança que seja capaz não só derrotar o Capitão Bufão, mas também ter força no Congresso Nacional, nos Estados e Municípios. Fui lembrado dos últimos acontecimentos políticos que todos conhecem, inclusive eu, dos Alves e Geraldo contra o PT.

A política, e principalmente a democrática, é a capacidade de dialogar e conviver com os contrários, não tratando adversários como inimigos. Estou assistindo a série Ressureição – Ertogrul – que conta a criação das bases para o surgimento do Império Otomano. Por diversas vezes o Bei se alia, circunstancialmente, com adversários tendo o objetivo de combater um mal maior, o que é o caso do PT: Bolsonaro e sua trupe são o “mal maior” que os “inimigos” do PT. 

Sem meias palavras disse-me que sempre fui cego de paixão pelo PT, que preferia Ciro Gomes, que é verdadeiro, provoquei:

– Aquele que ajudou a eleger Bolsonaro?

– Não! Ciro não ajudou a eleger Bolsonaro, isto é sua narrativa (esse povo gosta dessa palavra)

– Mas ele fugiu para Paris. Poderia ter ficado e se aliado à luta contra a extrema-direita. 

– Ciro não concordava com as pautas do PT, que são enganosos…

– Sei. No caso, é melhor fugir e quem quiser que se dane.

– Ele não fugiu, apenas não quis votar nas opções disponíveis: no Bolsonaro ou Haddad.

– Ora, meu bem intencionado amigo, quem cala consente os gritos do capitão, ou não? 

– Então, ele consentiu o grito dos dois. 

– É verdade. Como quem “gritou” mais alto foi Bolsonaro, logo ajudou o Bufão.

– Tchau. Vou almoçar.

– Vai pra Paris?

Meu amigo não respondeu! 

Brito e Silva – Cartunista

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Como não acreditar na vida?

Não sou destas pessoas que costumam lamentar, maldizer o leite derramado ou fazer drama por causa de uma topada, procuro ter ciência da exata extensão dos danos para poder seguir sem medo de ser feliz. Também não sou otimista ao ponto de acreditar que a humanidade deu completamente certo e vivemos nos melhores dos mundos, mas também não propago que o homem é um ser desprezível que deu errado. Se assim pensasse estaria atentando contra a base católica-cristã ocidental a qual impressa que somos a semelhança e imagem de Deus, certamente, o pessimista se contrapõe a este consolidado e secular dogma. Mas, há momentos em que por mais consciente das possibilidades e racional que seja o peso dos fatos lhe põe de joelhos.

Outro dia vi nas redes sociais que um jovem teria matado a mãe, o pai e um irmão porque eles cobravam melhores notas nos estudos, de certo, fiquei, além de chocado com o fato, triste. Sabemos que o homem é capaz de tudo, de atos atrozes, de extrema falta de amor. Entretanto, somos 7,5 bilhões de pessoas, é inevitável que entre esse monte não haver degenerados, almas podres, anjos caídos, falsos profetas. Porém, as catástrofes naturais ou não são um prato cheio para o pessimista, aquele que reza para dar tudo errado e assim justificar sua rancorosa tese, estufar o peito propalando a venenosa e desesperançada frase: “Eu não disse?!” e se ainda assim der certo, facilmente, dirá “ainda não terminou”. Segundo diz o historiador Leandro Karnal sobre o pessimista.

O pessimista é uma pessoa desprovida de generosidade, desnudo de esperança e amor próprio. O sujeito de noite não olha o luar, pena na escuridão; do dia, não bebe a luz, somente à sombra se permite, diria que é mal-amado.

Sem medo de errar e sem constrangimentos digo estar escalado como titular no time que grita alto e em bom som “o ano passado morri, mas esse ano eu não morro”.

É verdade que “tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro”, entretanto, posso me considerar um sujeito de sorte, pois quando há pessoas lutando seriamente e arduamente por um mundo melhor, não somente nas academias, redes sociais e churrascos de finais de semanas, mas onde faz a diferença e a diferença se faz nos detalhes. Existem pessoas todos os dias combatendo em todos os quadrantes da vida humana: nas artes, cultura, na economia, na física, na genética, na agricultura, todos buscando maneiras de superar e preservar a humanidade. Há gente de punho em riste até no lixo, isso mesmo: outro dia li um trabalho primoroso do amigo escritor, doutor em geografia e professor da UERN, Raimundo Inácio, sobre os lixões, onde o homem e o meio ambiente é agredido, degrado.

Ser um realista bastante esperançoso me é conveniente, tento não me afogar na arrogância e presunção, com a devida e sem falsa humildade. Agora, me pergunto: como não perceber nesta jornada que sem luta não há honra na vitória? Como não saborear o milagre de ouvir os passarinhos badalando o amanhecer de um novo dia? Como não acreditar na vida quando se anuncia a chegada de mais um neto? Que venha João Miguel, junte-se aos outros cinco, o mundo e nós precisamos do seu sorriso.

Caricatura na Tv Cultura

Nestes próximos dias, ainda sem data definida para estreia, a Tv Cultura – São Paulo – está produzindo uma série de programetes de 3 minutos, com direção de Miguel Almeida, em comemoração aos 100 anos da Semana de Arte Moderna para exibir em sua programação nacional.

Alguns episódios trazem caricaturas dos personagens do “grupo dos 5” e mais uma de Pixinguinha que desenhamos para www.blogdobrito.com.  Obrigado à produtora Anna Rita Aranha Ferraciolli, pela gentileza.

Chororô

O “top trends” nas rodas de fofocas, no início e final de bebedeiras nos bares da orla das belas praias da zona sul da capital potiguar, foi o entalo e a força feita pelo Ministro Rogério Marinho, para engolir o choro quando elogiava seu chefe o Capitão Bufão, em um evento na capital paulista.

Os presentes falaram de pigarro, tosse e voz embargada. Marinho sabe do dito “Quem não chora não mama”. 

Frase

“Não é fácil compreender o que seja a humildade” Papa Francisco

Caricatura

Caricatura do amigo escritor Levi Jucá, que escreveu o livro “Mendez: Mestre da Caricatura”, no qual conta a vida do grande cartunista cearense Mendez.

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A necessidade urgente de discutir o lixo

No final da década de 1980, e início da década de 1990, eu já fazia as primeiras observações e leituras sobre as ameaças e as possibilidades de reaproveitamento do lixo, a partir da ação dos catadores e catadoras de materiais recicláveis na cidade de Natal. Através do contato diário com esses profissionais, quer seja na Cidade Alta ou no lixão de Cidade Nova/Felipe Camarão, fiz a monografia de conclusão do curso em Ciências Econômicas intitulada: “Uma alternativa encontrada no lixo”. De lá para cá houveram inúmeros avanços, principalmente no que diz respeito a produção científica. A Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, despertou para as questões ambientais. Embora, com poucas adesões, o tema vai ocupando espaços na Academia. Do ponto de vista de política pública, a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS – foi uma grande contribuição, muito embora já houvessem diversas experiências exitosas no tratamento ambientalmente adequado do lixo e no reaproveitamento. Contudo, o despertar da sociedade sobre o assunto ainda é secundário, não faz parte do seu cotidiano. A inserção dos resíduos sólidos (lixo) na grande mídia televisa talvez desperte a população para o problema. A possibilidade de criação dos consórcios intermunicipais de resíduos sólidos (saneamento básico) é uma grande possibilidade de avançar na questão do reaproveitamento, no tratamento ambientalmente adequado e erradicação dos lixões. Entretanto, essa é outra questão desafiadora uma vez que nossa sociedade não foi formada em laços afetivos e solidários. Os municípios tem dificuldade em dialogar com seus vizinhos, estes com os estados e com a União, respectivamente. Trata-se de uma questão histórica. Isso porque o processo de ocupação e de formação do território brasileiro se deu, se não na sua concretude, em base de muita exploração, animosidade e violência. Precisamos avançar na política de fortalecimento da “Governança solidária” e na construção do “Capital social”. Vamos adiante!

Prof. Raimundo Inácio
Economista/Doutor em Geografia

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A poesia e o cartum

Meu entendimento na arte dos versos e igual ao conhecimento sobre física quântica, isto é, nada! Entretanto, a poesia é uma das formas literárias que mais admiro e degusto com satisfação, talvez, por em meus delírios e impressões, ver alguma semelhança com o que faço, isto é, com os meus maus traçados e a poesia. Creio que o cartunista e o poeta têm em comum a fineza da síntese, a delicadeza e a sutileza de transmitir, muitas vezes, nas entrelinhas e traços,

Henfil com a pena no nanquin era mordaz e cortante como Ferreira Gullar em seu Poema Sujo: “Ferreira Gullar […] acaba de escrever um dos mais importantes poemas deste meio século, pelo menos nas línguas que eu conheço; e certamente o mais rico, generoso (e paralelamente rigoroso) e transbordante de vida de toda a literatura brasileira”, disse o Vinícius de Moraes.

Por falar no “Poetinha” ouso dizer que sua poesia e do jornalista Cid Augusto se entrelaçam em amores nas curvas sinuosas das mulatas desenhadas pelo cartunista Lanfranco Aldo Ricardo Vaselli Cortellini Rossi Rossini, ou simplesmente Lan, italiano de nascimento, mas brasileiro de coração, com o qual expressava no bico de sua pena as cariocas.

Laércio Eugênio Cavalcante tem a leveza e firmeza no traço imposto aos seus cartuns tal e qual as redondilhas que brotam da mente fértil do grande poeta mossoroense Antonio Francisco, transbordadas de sertaneidade na forma, cor no cheiro de terra molhada. Pode ser que alguns digam que Maria me deu o remédio errado, agora, não me neguem o direito de dizer que o Beco da Lama – Ora, outro dia um amigo me disse que o Beco da Lama é poesia – caminha de mãos dadas com os traços de Edmar Viana, que junto com o jornalista Everaldo Lopes encantou e divertiu por décadas os leitores do Diário de Natal e Tribuna do Norte, no seu Cartão Amarelo com seus traços poéticos.

Talvez tenha pouca lucidez, quer dizer, de fato, não tenho nenhuma, em se tratando de poesia. Mas ainda assim, me permito trazer essa semelhança entre o poeta e o cartunista, faço essa parecença sem o menor pudor, esse encontro, embora, haja tantas desencontros pela vida: ao poeta lhe confere respirar o mundo, suas dores, suas alegrias, suas mazelas, seus amanheceres e juntar palavras exprimindo sentimentos, isto é a matéria-prima do cartunista.

A charge tem simetria, métrica, pode ser concreta, lírica, épica, dramática…Me disse um amigo que sob a pena se imprimi a alma, talvez, seja por isto que a minha voa. Sei que vocês vão dizer que viajei na maionese. Ora (direis) ouvir estrelas! Certo. Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,”: Vou ali desenhar um poema. Vivas à poesia, vivas aos poetas!!!

Brito e Silva – Cartunista

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Bruninha – a bisneta

Todos dias eu e Maria calçamos nossos surrados e pisados tênis nos preparando para sairmos no rumo da venta a caminho da praça da Igreja Nossa Senhora da Candelária, quando lá chegando nos dedicamos a olhar aquela ruma de aparelhos para exercícios físicos, os quais evidentemente nos cansam, assim sendo nos dirigimos para o banquinho, que já tem a nossa cara e, por lá ficamos até às 17h35, então já recuperados e acabrunhados de ver toda aquele gente se martirizando naqueles monte de ferros, que para alguns desavisados causam até uma boa impressão, mas na verdade são equipamentos requintados para torturas e, pior, são indicados por médicos e fisioterapeutas de boa índole.

Bom! Hora e meia, já se faz, logo seguimos para buscar nossa neta Lívia na escolinha, a qual é a responsável direta por este nosso calvário.

Outro dia, antes do pai a leva-la à escola fez uma recomendação: “Vovó Có vá me buscar mais o vovô Bito e leve Buninha, no carrinho dela”. Ora! quem haveria de não atender um pedido desta natureza? Só se fosse um avô oco, um desalmado. Na hora de sairmos Maria percebeu a falta de pagamento de um boleto que chegou atrasado – estes malvados que consomem quase toda nossa renda doméstica, nos assombrando religiosamente todo final e início de mês, podem até atrasarem, mas faltar? Nunca – sugeriu irmos pela casa lotérica e lá fomos nós: ela com a boneca e eu levando o carrinho de Bruninha. Todas pessoas que passavam olhava de um jeito diferente: Umas riam, outras balançavam a cabeça – talvez, imaginando de qual hospício saíra estes dois velhinhos doidos -.

Maria entrou na lotérica, não antes de pôr a boneca no carrinho, me encarregar de ficar de olho, alguns minutos depois uma senhora saindo do prédio passou por mim, não se conteve “que fofinha” deu uma risada e danou-se apressada dobrando a esquina.

Boleto pago, seguimos à praça ao nosso observatório. O carrinho de Bruninha é um rosa-pink com detalhes verdes delata pupila, mesmo se você tiver miopia em alto grau, ainda assim, certamente, iria enxergar pelo menos a uns mil metros de distância. Os carros passavam sorridentes, transeuntes nos miravam intrigados com a cena de dois sexagenários sentados num banco de praça com uma boneca e seu carrinho, além do mais, uma vez ou outra Maria trocava algumas palavras com a boneca. O certo, é que pontualmente pegamos Lívia na escola e ela satisfeita com sua Bruninha, a caminho de casa dava alguns conselhos à boneca: “Olhe aqui filhinha, não pode pular no sofá, a vovó Có biga, entendeu Buninha?”.  

Sem netos seríamos apenas velhos troncos de árvores ressequidos pelo tempo implacável incapazes florescer na primavera. Creio que os netos são o que melhor pude ter nessa passageira vida.

Brito e Silva – Cartunista

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Carnavais de outrora

Às vezes me pego pensando que sou um alienígena neste mundo de meu deus, isto é, do deus que abençoa o carnaval de norte a sul, de leste a oeste aqui na terra de Tupã. Só me falta certidão para comprovar ser marciano ou quem sabe lá de Plutão. Confesso meio acabrunhado, olhando pro chão, na fazer parte da legião de “Vevete”, desses que saem por aí encurralados por uma corda e uma porção de brutamontes atrás de um trio elétrico balançando a rabichola na boquinha da garrafa, definitivamente não estou no tempo: me atrasei pra festa. Corro léguas, como o cão corre da cruz, destes carnavais de Vevetes, Chicleteiros, das Anitas…

Não confirmo que sou um herege por completo, já me entreguei por muitos carnavais à festa deliciosamente pagã. Quem nunca? Claro que aos sons dos clarins, até o escultor renascentistaMichelangelo Buonarroti teria mudado sua famosa frase dita ao finalizar seu Moisés, ao invés de “Parla”, certamente teria dito “balança o esqueleto aí meu filho”, o imperador Nero, talvez se fantasiasse de anjo e com sua arpa desafinada sairia no salto, rodando o saiote aos primeiros acordes da marchinha “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é…”.

Sou mesmo, sou das antigas e este clima de folia me deixa saudosistas, sim senhor. Apesar que qualquer semelhança dos carnavais de antes com os de hoje estar fora de questão, minha memória – que às vezes apaga o que não devia e talha em mármore o que tento não lembrar – me aporta, nos anos 70. Mesmo quando exprimo um esforço tão forte quando caldo de batatas para resistir às lembranças de outrora, minha neta Lívia, de 2 anos, diz que vai se vestir de colombina para o carnaval da escolinha. Envolto em imagens psicodélicas diabolicamente carnavalescas quando dou por mim estou nos Paredões, lá em Mossoró/RN, nos anos 70 com nossa vitrola Isabela V ABC – Voz de Ouro – animada tocando “Tudo é carnaval, tudo é carnaval, vamos embora pessoal…”. Na porta um “urso”, encarnado por um papudinho das cercanias, que neste período se veste em retalhos de tecidos, acompanhado de outro amigo de copo e de cruz esbaforido batendo descontroladamente um puído bumbo e ainda um outro terceiro maltrata um velho desafinado pandeiro quase sem platinelas, com um caneco de ágata amassado na mão pede algum dinheiro para alimentar o “verme”, iludido ser capaz de poder afogar suas cristalizadas mágoas. 

Depois de ouvir Elis Regina cantar Romaria na novela Maria, Maria, De Assis – meu irmão – Carlinhos de Giselda, Vandimar Mendes, Julhinho, Aldo Cortez e eu já na calçada todos a postos para botar o bloco na rua a caminho do bar de Tilon para jogar sinuca, tomar uns “burrinhos”, jogar Maizena uns nos outros e no compasso de “mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar…” subirmos para o Club Cardeal, ao lado da Igreja de São José ou descer para o Club Salinistas, na rua Prudente de Morais, que durante os outros dias do ano era uma escola – lembro de ter estudado lá -, convictos de cada um encontrar sua colombina para dividir os três dias de folia. Aqueles que dessem com os burros n’água, certamente, esticavam até à ACDP e AABB para apigorar no “sereno” esperando um vacilo do porteiro para entrar de graça e arriscarem a sorte com alguma desavisada menina rica da socialite “moscowita”.

Brito e Silva – Cartunista

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Nunca é tarde para lutar e agradecer!

O Papa Francisco, em Audiência Geral, no dia 30 de dezembro de 2020, concluiu a sua catequese, afirmando:

“Se formos portadores de gratidão, o mundo também se tornará melhor, talvez só um pouco, mas é suficiente para lhe transmitir um pouco de esperança. O mundo precisa de esperança e com a gratidão, com o comportamento de ação de graças, nós transmitimos um pouco de esperança. Tudo está unido e interligado, e cada um pode desempenhar a sua parte onde quer que esteja”. (https://www.vaticannews.va/…/papa-francisco-audiencia…). (Grifos nossos). É sobre a necessidade de fazer agradecimento que quero aqui relatar um pouco sobre minha trajetória acadêmica! 

Nesta semana, revisitando alguns arquivos próprios, encontrei os primeiros textos e registros fotográficos que subsidiaram a minha monografia de conclusão do curso em Ciências Econômicas na UFRN, começo da década de 1990, momento em que eu dava os primeiros passos sobre a importância do reaproveitamento do lixo como alternativa para a geração de ocupação e renda, diante de um cenário de precarização do emprego, de exclusão social e de ameaça ambiental.

Foi a partir da observação do número crescente de catadores de materiais recicláveis nas ruas da capital e de outras cidades do interior potiguar que comecei a ter interesse pelo tema, culminando com as defesas da dissertação de mestrado (2005) e da tese de doutorado (2019). 

De fato, a vida não foi fácil durante essa trajetória. No início, além das poucas publicações existentes, tive, ainda, que enfrentar o “preconceito” acadêmico sobre o assunto. “Ninguém – ou quase ninguém – queria, e ainda continua não querendo, saber de lixo”. Aliás, essa constatação é relatada por Sabetai Calderoni, no livro “Os bilhões perdidos no lixo” (2003, p. 25), quando ele diz: “O lixo é um material mal-amado. Todos desejam dele descartar-se. Até pagam para dele se verem livres”. 

Por outro lado, apesar das dificuldades, sempre houve motivação para seguir adiante. Os trabalhos acadêmicos de Idalina Farias Costa: “O povo no lixo: um estudo sobre a estratificação social da favela de Cidade Nova” (1978) e “De lixo também se vive” (1986), por exemplo, foram motivadores e fundamentáveis para a compreensão paradoxal da atual sociedade (consumista e excludente).

Por diversas vezes fui questionado por colegas sobre o motivo pelo qual estava estudando o tema (lixo). Mas, isso nunca foi para mim fator de desmotivação, apesar do “desconforto”. De certo modo, eu não estava só. Apesar dos poucos apoiadores, eles foram indispensáveis para a sequência dos meus estudos. 

De lá para cá, foram muitas idas aos lixões (meus laboratórios) e infinitas conversas com os catadores e catadoras (meus mestres e minhas mestras), em diversos lugares, deste e de outros estados. Aprendi muito nas visitas que fiz e nas conversas que tive. Apesar do ambiente do lixão não ser o ideal, era, e ainda continua sendo, um lugar “acolhedor” – uma espécie de “tabua de salvação e o único a “receber” geograficamente pessoas de vários lugares sem necessidade de passaportes – em que famílias inteiras retiram “alimentos”, até mesmo em disputas com alguns animais. 

Apesar dos dias difíceis daquelas pessoas, era possível constatar momentos “divertidos”, pois, entre a chegada do caminhão que trazia os resíduos de um certo “bairro rico da cidade” ou de algum supermercado, os catadores e as catadoras aproveitavam o intervalo para jogar uma partida de dominó e/ou de baralho, tomar um café e prosear. A expectativa da vinda do “carro do lixo” de um bairro em que morava gente de posses ou de um supermercado era grande, uma vez que as famílias que estavam naquele lixão já imaginavam recolher algo de valor econômico, algumas carnes, frutas frescas e iogurtes para as crianças. Sou testemunha de inúmeros acontecimentos dessa natureza. 

Com efeito, é através dos registros fotográficos de uma visita feita ao lixão de Caicó/RN, em 1996, que quero agradecer a todas as pessoas que contribuíram, e que ainda continuam contribuindo, na ascensão de minhas pesquisas sobre o lixo (resíduos sólidos). 

Para não cometer nenhuma injustiça, por não recordar daqueles(as) que acompanharam o meu trabalho ao longo dessas três décadas, não mostrarei os seus nomes. Quero, através desses poucos e importantes registros, fazer os agradecimentos a todos(as). 

De fato, este trabalho não encerra aqui. Continuaremos na luta, pois é necessário avançar muito neste assunto, principalmente nas políticas públicas de inclusão dos catadores e das catadoras, na educação ambiental, na erradicação dos lixões e na forma como a sociedade encara esse grave problema, isso porque, o “Panorama 2021 dos resíduos sólidos no Brasil” (ABRELPE, 2021) acabou de revelar que no Brasil, em 2020, foram coletados 76,1 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU). Desse total, 60% seguiram para disposição em aterros sanitários, enquanto para as áreas de disposição inadequada, incluindo lixões e aterros controlados, foram destinadas 40% do total de resíduos coletados. Na média, cada brasileiro produz diariamente 1,067kg de lixo. 

Registros de uma visita ao lixão de Caicó, em 1996. Arquivo do autor.

Professor Raimundo Inácio – UERN

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Com Açúcar, Com Afeto

Lá pelos anos 1960, aliás, para ser mais preciso no ano de 1967, em um barraco qualquer de uma favela do Rio de Janeiro/RJ, uma jovem senhora negra ainda apaixonada por seu “malandro” marido, que nos 362 dias do ano reclama de ser um operário, porém quando os clarins anunciam fevereiro, certamente, veste a fantasia de mestre-sala, sai a bailar na avenida, defendendo as cores de sua escola de samba do coração.

O malandro Duran, acorda às 9h, toma café preto, mastiga um pão dormido, põe seu terno de linho branco, com um beijo nos carnudos lábios de Maria se despede, não sem antes dar-lhe uma tapinha nas suas fartas ancas, sussurrando ao pé do ouvido misturando alguns “impropérios” promete voltar em tempo de sentar na esteira para o jantar, mas agora precisa descer o morro em busca de trabalho, pois precisa sustentá-la.

Vitória, ou simplesmente Vivi – como ele chama Maria Vitória – em um vestido de chita vermelho de bolinhas brancas cobrindo seu esbelto corpo negro e suas sinuosas curvas, parecendo mais uma das mulatas do cartunista Lan, desfilando num doce balanço a caminho do quintal pegar algumas goiabas e bananas para depois, na beira do fogão de lenha, fazer o doce predileto do seu ‘nego”. As bolhas de ar estourando no taxo exalando um cheiro a obrigava a salivar, mas, urgia para que continuasse a fazer movimentos circulares sincronizados com a colher de pau evitando não correr o risco de passar do ponto a deliciosa guloseima, que desandasse e ficar aguado. 

Então ela mexe, mexe, mexe. Mas, seus pensamentos estão ancorados na promessa feita por Duran, sabia ser mais uma a não ser paga. O Malandro com receio de suar e manchar o bem alinhado que fora caprichosamente passado à goma com ferro de brasa, desce as ladeiras e vielas a passos lentos, com molejo de sambista. Não oferecendo desfeita aos amigos, faz parada em cada bar, marca sua presença e pendura a conta no prego, vai descendo sem pressa, passo a passo. Já em Ipanema, fala com o “Galego” dono do bar, vai ao banheiro põe a roupa de trabalho, uma sunga preta que só conhece aquela praia, senta na calçada pede uma cerveja ao garçom, abraça um velho e surrado violão e faz pose, logo aparece alguém que sabe tratar o instrumento com merecido carinho para quem passa o belo pinho, vai para ponta da mesa e inevitavelmente começa a batucar um samba de Noel.

Embriagado pela beleza das saias de quem vive pelas praias coloridas pelo sol ao som do violão e das ondas do mar. Lá por volta das 17h, o malandro vê uma linda mulata gingando no passeio público a lembrando-lo de sua “nega”, apressado se despede, bate o “cartão de ponto” e diz um até amanha. Inicia sua peregrinação de volta, porém em cada esquina tem um bar. Já avistando a luz do lampião de gás de seu barraco pede um tom a Chico Sete Cordas, canta um samba em tom maior, mais um até logo e sobe.

Vitória, “trombuda” de cara fechada, pelo atraso costumeiro ouve o rangir da porta de zinco na soleira, levanta da rede, atiça o fogo quase morto, esquenta o prato, com um iluminado sorriso estampado nos olhos, com açúcar, com afeto abres os braços ao seu Duran.

Brito e Silva – Cartunista

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Feijão verde

Meu dia começa cedinho com o galo cantando, quer dizer, com uma sinfonia desafinada de pardais, bem ao lado de minha janela, na verdade é uma algazarra dos diabos, na verdade creio que seja um “abufelamento”, talvez por alguns tocarem fora do tom. Enfim, tão logo soam os primeiros gorjeios salto da cama no rumo do escritório, que fica a dois passos do paraíso. Assim sendo, não fico imune às vozes da rua.

Cotidianamente há uma multidão gente gritando vendendo algo: tapioca, cuscuz, bolo e hortifrútis. O “desfile” geralmente é aberto por uma Toyota Hilux exibindo seu bico de alto-falante sobre a capota com uma voz cavernosa anunciando os produtos, seguida por uma castigada Chevrolet C-10, que é atropelada por um senhor de bicicleta com buzina de FNM (Fê-Nê-Mê) proclamando em alto bom som, no gogó mesmo: “Olhe a mini-pizza, temos de todos os sabores”. Destes sons já calejei, não os ouço mais. Porém, nessa mistura de vozes, ruídos, gorjeios e latidos uma fala feminina, aveludada, similar a de nossa Alzinete – cantora mossoroense – me despertou “Olhe o feijão bem verdinho”, abri a janela, acenei e desci. Abri o portão da garagem, de perto vi uma jovem senhora – dava para perceber sua juventude – com marcas, sulcos profundos em seu afilado rosto, que certamente outrora fora por muitos cortejada. Perdido em meus pensamentos imaginando cada ruga tatuada naquela face seria uma ferida não cicatrizada, era uma história de dor e sofrimento. Fui despertado “senhor, senhor, seu troco”, dei-lhe bom dia e segui.

Subindo as escadas lembrei de um vídeo ancorado no Youtube, onde uma pessoa inicia um diálogo com um vendedor de feijão verde, porém não é um qualquer vendedor, é o Ezequiel do Feijão, uma criança de 11 anos que trabalha todas as manhãs de domingo a domingo. Seu interlocutor, rir da desenvoltura do pequeno comerciante – ou como diriam os vendedores de ilusões: empreendedor – que orgulhoso diz “quem quer ganhar dinheiro trabaia todo dia”. Na verdade, o Ezequiel é um trabalhador mirim inserido na nova modalidade de contratação de mão de obra criada pela Reforma Trabalhista o chamado trabalho intermitente ou talvez por prestar serviço para o pai e ganhar metade do que vende poderia ser chamado de “meeiro”. Na conversa ele diz que está juntando dinheiro para comprar uma bicicleta de R$ 1.800,00. Seu interlocutor compra os 4 pacotes de feijão restante e propõem um “rolo”, o manda pedalar para sua casa e o segue em sua pick-up, sem dizer ao garoto que pretende presenteá-lo com uma bicicleta. No trajeto, continua empolgado enaltecendo, louvando a atitude da labuta do menino e também conta sua vida de trabalho quando criança.  

Os comentários do vídeo são todos exaltando, engrandecendo e agradecendo a ação do benevolente doador. Não vi um pio, uma fala sobre a exploração sofrida pela criança. Inclusive, com o garoto dentro do carro a caminho de sua residência para efetivar o presente, sabendo que iria receber críticas pelo vídeo de uma criança em flagrante trabalho infantil saiu logo para o ataque perguntando “O certo seria uma criança de 11 anos, que nem já temos aí matando e roubando? Traficando? Este seria o certo para alguns que vão criticar, né isso?”

É vergonhoso e criminoso o que acontece com as crianças pobres no Brasil. Não falo de quem fez o vídeo ou do pai – mas ambos exploram aquela criança, sem entrar no mérito: o vídeo obteve 2.377.438 visualizações – mas a falta de políticas publicas eficazes com capacidade de devolver a infância e perspectiva de uma vida melhor às crianças desse país verde e amarelo, que às vezes parece esquecido por Deus.

Segundo os últimos dados disponíveis de 2019, da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 1,758 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Em 2020, 160 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos foram vítimas de trabalho infantil no mundo (97 milhões de meninos e 63 milhões de meninas). Estas crianças não trabalham por heroísmo, porque gostam, porque é bonito criança trabalhar, elas o fazem por necessidade, para saciarem a fome, diria meu amigo Delegado (porteiro, filósofo, monge e sociólogo): São tigres de papel.

Vi nos olhos da bela vendedora de feijão verde a tristeza da infância perdida de Ezequiel, talvez de ambos. Não duvido em sua ascensão, que logo “prospere”, seja adulto antes do tempo natural, compre uma moto e se tiver sorte pode até comprar uma Chevrolet C-10 e com um bico de alto-falante saia pelas ruas de Serra Talhada/PB gritando “Vai passando Ezequiel do Feijão, é só pedir para parar que eu paro. Aceito cartão e Pix”. Talvez até empregando outras crianças, como faz seu pai alimentando esse círculo vicioso e criminoso. Assim este tigre de papel aparenta ter ganho robustez, agora como “empreendedor” passa a “tigre de papelão”.

Lugar de criança é na escola e sendo criança!!! Ah! Maria está me chamando, o feijão está queimando.

Brito e Silva – Cartunista