Artigo

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A força do voto

Não tenho dúvidas de que há pessoas que reverberam o discurso fascista, do bolsonarismo, são movidas por falta de conhecimento, uma ignorância latente sobre os fatos políticos e, muitas vezes, por pura preguiça de buscar informações que ativariam tarefas cognitivas. Funções que seriam capazes de discernir um fato real de uma fake news, permitindo a construção de uma opinião própria, compatível com a realidade.

Contudo, é igualmente evidente que, além daqueles que, nos esgotos, fabricam teses mirabolantes e falseiam a realidade produzindo maldades contra o povo, existe uma camada expressiva de vetores desse discurso. E aqui não falo dos alienados, mas de pessoas de má índole, gente ruim, de alma apodrecida, mal amadas, que canalizam sua frustração existencial em forma de ódio. Agarram-se à maldade como fuga da própria mediocridade, semeando-a na vida alheia. São indivíduos moral e espiritualmente desqualificados.

Outro dia, na fila do pão do Carrefour, fui testemunha ocular de uma discussão entre uma senhora, nitidamente bolsonarista, e um senhor de perfil visivelmente progressista. O tema era a fraude no INSS. Eu, ali de butuca e com as “zureias” escancaradas, pude perceber a crueldade que esse tipo de mentalidade fascista impõe ao povo. Aquela senhora não apresentava uma alegação sólida, apenas repetia com veemência as fakes news de sempre. Com ar e um sorriso de vitória resumiu seus argumentos “Desse jeito, com um ladrão no poder, não vamos pra frente nunca”.

Aquela cena me levou a uma reflexão que, à primeira vista, pode parecer boba, mas não é. Todos sabemos que a potência dos motores foi baseada, originalmente, na força que um cavalo é capaz de exercer puxando certo peso em determinado tempo. Nos carros, essa medida é evidente, transformando-se em velocidade.

Sou fã de filmes de faroeste, especialmente os clássicos com John Wayne, Clint Eastwood, Henry Fonda, Gregory Peck, Jack Palance, entre outros. Sempre me chamou a atenção o fato de que, ao descerem de seus cavalos para entrar no saloon, os personagens não os amarravam de verdade: apenas enrolavam o cabresto numa estaca de madeira, o famoso mourão. Se o cavalo quisesse, bastava um passo para trás ou levantar as patas e estaria livre. Mas ele não fazia isso. Por quê? Porque não sabia que estava solto. Foi adestrado. E, mais importante, ele não sabia a força que tinha.

Se o dono morresse ali e não houvesse qualquer estímulo externo, o cavalo morreria de pé, imóvel, sem jamais tentar escapar.

É assim que veja os ignorantes: não sabem que estão amarrados, e tampouco conhecem a força que têm. Agora imagine 155 milhões de brasileiros votantes, conscientes do poder de seu voto? Sem dúvida, este meu Brasil brasileiro seria outro.

Brito e Silva – Cartunista

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Sósia

Cortando minhas madeixas, que insistiam em atrapalhar minha visão, sentei-me na cadeira do barbeiro para a devida poda. Logo o converseiro rolava solto, falava-se de tudo: futebol, religião e política. Eu, do meu lado, aprendi a ficar de bico calado, só de butuca, com os “zuvidos” atentos, escutando até os fios de cabelo se acomodarem no assoalho vinílico da barbearia, enquanto todos esperavam chegar ao assunto do momento: as fraudes no INSS.

Ajeitei-me na poltrona, buscando mais conforto, pois, certamente, o papo renderia por toda minha estadia.

– Vocês viram o roubo do PT no INSS?

– Vi, sim. O irmão do “9 dedos” roubou 6 bilhões e não vai acontecer nada – Disse outro.

Um jovem, que até então falava do campeonato inglês, pediu licença:

– Onde o senhor ouviu essa notícia?

– Na Globo, CNN, UOL, SBT, Record…

O jovem ponderou:

– Apesar de todos esses veículos não terem muita simpatia pelo presidente Lula e pelo Brasil, eles não disseram isso…

– Disseram sim, senhor! – respondeu o homem, elevando o tom.

– Calma, senhor. É só uma conversa. Vou dizer o que ouvi e li: a fraude começou em 2016, no governo Temer, passou pelo governo Bolsonaro – que não investigou – e, no governo do presidente Lula, a Polícia Federal passou a investigar. Estão envolvidos funcionários do INSS e várias entidades, porém, o Sindicato no qual o Frei Chico – irmão do presidente Lula – é vice-presidente, não são investigados, porque não estão envolvidos.  Esses são os fatos divulgados pela direção da Polícia Federal.

– Já sei: você é adorador do Luladrão…

– A questão não é essa, se sou ou não adorador de Lula, estou falando dos fatos.

O senhor, então, soltou:

– Você, que é jovem e metido a sabido, sabia que o Luladrão já morreu faz tempo? Esse que está aí é um sósia! Eu vi no Tik Tok…

O jovem, com um sorriso de canto de boca:

– Nisso o senhor tem razão.

Seguiram-se alguns segundos de silêncio mortal, rompidos por gargalhadas gerais.

O senhor bateu a porta e saiu.
O jovem pediu desculpas ao barbeiro por fazê-lo perder um cliente.

– Não se preocupe. Ele vem só conversar. Quando encontra alguém que discorda, vai embora. Respondeu o barbeiro.

Brito e Silva – Cartunista

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Chorar é preciso

Chorar é preciso

Outro dia escrevi: “Quem tem filho, chora.” Chora por amor; chora de alegria pelo sucesso deles e chora de tristeza por seus fracassos. E, principalmente, por aqueles momentos que, como pais, não conseguimos mudar ou amenizar. Foi assim quando enfrentou o câncer na tireoide. Graças aos deuses e à ciência, você está curada. Mas ainda me lembro das madrugadas em claro, em que eu e sua mãe ficávamos mudos, inertes, paralisados diante da realidade. Muitas vezes chorando sem lágrimas, como um rio seco; outras, nos afogando como se fôssemos o próprio Amazonas. Quem tem filho, chora.

Também me lembro da sua formatura, há dez anos. E mais uma vez choramos. Choramos com o nascimento da Lívia e do João Miguel — e tantos outros rios de lágrimas. Mas, felizmente, a esmagadora maioria foi de pura alegria. Muita alegria.

Hoje, você também tem duas joias raras: Lívia e João, e certamente chora por eles e por causa deles. E vai chorar ainda mais, porque quem tem filho, chora. Mas tenha certeza: eles serão suas maiores fontes de alegria genuína. Suas maiores conquistas. Seus mais merecidos e preciosos presentes.

Neste dia, hoje, neste tempo… já não há muito mais que eu não tenha lhe dito. Os conselhos, quando você os pede, já foram dados. Mas, como boa publicitária, você sabe: para se manter no “Top of Mind”, é preciso chover no molhado. Repetir, reforçar, reviver. Então veja isso como se fosse a primeira vez: saiba que eu te amo muito.

Parabéns, Jade. Feliz aniversário!

Seu pai, Brito

PS: Rezando para que nosso Botafogo, nos presenteie com uma vitória, hoje, lá em Bueno Aires.

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Eu discuto política, religião e futebol!

Eu discuto, sim, política, religião e futebol!

Nunca fui adepto da máxima “não discuto política, futebol e religião”. Desde cedo, compreendi que esses temas movem o mundo e, mesmo sem ser especialista, percebi que ignorá-los não é de boa monta. Desde a antiguidade, essas três forças moldam sociedades, com o futebol podendo ser substituído por qualquer outro “entretenimento de massa” capaz de extasiar e entorpecer multidões.

Política: Na Roma Antiga, a política do “pão e circo” implementada pelo imperador Otávio Augusto mantinha a população entretida e alienada. Os espetáculos sanguinários dos gladiadores ofereciam uma válvula de escape para as frustrações do povo, enquanto nos palácios, os poderosos desfrutavam de luxuosos banquetes que duravam dias. Passaram-se séculos, e a estratégia continua a mesma: manter o povo distraído enquanto poucos acumulam poder e riqueza.

Na minha casa, política sempre foi tema de discussão, mas com respeito às diferenças. Defendo um mundo mais igualitário, com menos desigualdade e mais acesso à educação, saúde e respeito ao ser humano. Por isso, falo de política.

E como não falar? Se os impostos que pago não retornam às ruas, aos postos de saúde, escolas ou transporte público digno? Como não discutir política

Religião: Karl Marx disse: “A religião é o ópio do povo”. Concordo, mas faço uma distinção: religião não é fé. Jesus de Nazaré foi morto por dois sistemas políticos corruptos e uma religião igualmente corrompida.

Hoje, muitas instituições religiosas transformaram a fé em mercadoria, comercializando milagres e promessas em nome de um lucro travestido de salvação. Isso acontece desde a antiguidade. Como não discutir religião?

Futebol: Já vivi um tempo em que cada brasileiro era um técnico de futebol, quando se ia ao estádio acompanhado de amigos, que torcedores do time adversário. Na minha casa, há botafoguenses, vascaínos e até flamenguistas.

Hoje, não sabemos mais quem são os jogadores do nosso próprio time, muito menos quem o treina. O futebol, tornou-se um espetáculo de violência fora de campo, com torcidas organizadas se encontrando para confrontos que terminam em mortes. Como não discutir futebol?

É verdade que não temos mais um coliseu lotado de plebeus sedentos pelo sangue de cristãos sendo dilacerados por gladiadores. Mas temos reality shows que anestesiam milhões, enquanto políticos ganham salários astronômicos e, ainda votam contra os trabalhadores que sobrevivem com R$ 1.518,00 por mês.

Ora, meu senhor! É preciso, sim, discutir política, religião e futebol! Estamos nos emburrecendo.

Brito e Silva – Cartunista

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Estranho

Vinha da farmácia com minhas compras mensais, acompanhado do meu neto, João Miguel, de 2 anos. Ele insistiu em ir comigo para que eu comprasse um doce chamado FINI, apesar de eu ter dito que lá não vendia. Mas, muito mais sábio que eu, propôs que eu o levasse para comprovar. Tinha!

Pois bem, já na calçada, ao nos aproximarmos da lanchonete na praça de Nossa Senhora de Candelária, João avistou uma pessoa deitada no chão, coberta dos pés à cabeça, e perguntou:

— O que é isso, vovô?
— É um morador de rua, ele não tem onde morar.
— Que estranho… — completou João.

Sou o que dizem hoje ser uma pessoa emotiva, um “bebê chorão”. Meus olhos minaram, como cacimba em leito de rio seco. Ora, João achou estranho algo que, para nós, adultos – que temos consciência de nossas responsabilidades sociais, que aprendemos que lutar por um mundo mais justo e menos desigual deveria ser nosso dever – já não parece mais surpreendente. Como se fosse natural um ser humano dormir ao relento, sem um teto sobre a cabeça.

Quando me dei conta, estava inundado por uma estranha sensação de fracasso, de impotência. Sentia-me pequeno diante da realidade ácida e cruel. Sei que as elites e a direita nunca enxergaram esses invisíveis — ou não quiseram enxergar. A esquerda tenta, ao menos na retórica. Mas a legião de miseráveis segue enchendo as cidades, enquanto poucas boas almas tentam cuidar e paziguar essas pobres criaturas abanadas pelos deuses do Olimpo.

Brito e Silva – Cartunista

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kkkBloco dos desesperançados

“Calma. É só aos poucos que o escuro fica claro”, cunhou o mineiro diplomata e poeta Guimarães Rosa. Não podia ser mais preciso. Entretanto, muitas almas – até bem-intencionadas – caminham apressadas sob o sol do Saara ao meio-dia, empunhando fachos de luz, sem perceber que, assim, luz e escuridão já não se distinguem.

Talvez eu – e certamente sou – um perfeito membro desse bloco de miseráveis que seguem cegos, portando lampiões, sem notar sua infame e arrogante ignorância. E quando por um milagre, concedido por algum deus zombeteiro do Olimpo, têm um lampejo, um rasgo de ciência, seguram uma vela acesa ao amanhecer, mas ainda assim duvidam da alvorada no horizonte – e, acreditando no lusco-fusco, acendem outra vela na mão direita.

Não sei – e talvez nunca saiba – se isso é pura arrogância ou uma humildade falseadamente disfarçada. Sempre que tenho oportunidade, quando estou errado, me rendo; me coloco diante da verdade, da informação correta, disposto a aprender para que no futuro não erre mais. Não como uma promessa juramentada, mas como um objetivo: não recair no mesmo pecado, não ajoelhar meus joelhos sobre os mesmos milhos.

Diz o velho ditado, lá no pé da serra do principado de Baixa do Chico: “Errar é humano, mas permanecer no erro é burrice”. Não seria assim tão insultuoso se a carapuça não me coubesse tão bem no quengo. Sim, isso mesmo: faço parte do bloco dos desesperançados, dos apequenados, daqueles que perambulam na escuridão do dia envoltos na névoa do prazer mediático. Um par de médicos desalmados me proibiu de comer meu pão-doce de cada dia. É verdade: digo, não estou curado, porém, há quinze dias me mantenho “limpo”. Entretanto, todos os dias, acendo uma vela a Deus e outra ao diabo.

Calma? Ora, Guimarães, quem sabe de mim sou eu!

Obs: O pecado não é estar com a “alma turva”, porém, não a querer límpida.

Brito e Silva – Cartunista

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Era Uma Vez

Ontem, depois de exercitar meu polegar no controle remoto, passeando pela Netflix de “A a Z”, quase nada chamou minha atenção. A exceção foi a série “Cem Anos de Solidão”, baseada no clássico homônimo do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura de 1982. Confesso: nunca li o livro! Ainda assim, estou saboreando a série como quem tem diante de si um pão doce com filetes de coco queimado. Cada pequeno pedaço é degustado vagarosamente, prolongando ao máximo o prazer e excitando as papilas gustativas. Assisto um ou dois capítulos e só volto dois ou três dias depois, para não acabar tão rápido.

Navego pelos incontáveis canais da Alaris, passo pela Netflix, mas invariavelmente termino no mesmo lugar: no YouTube. Não me perguntem por quê. A verdade é que, com minha memória propositalmente seletiva e autônoma, permito-me assistir um filme várias vezes como se fosse sempre a primeira vez. É um privilégio deliberado, confesso.

Ah! Tudo isso só aconteceu depois de ouvir o eterno “rei do iê-iê-iê”, Roberto Carlos, sussurrar “Detalhes” – porque, hoje em dia, ele já não canta, apenas murmura. Logo após, o comercial anunciava os próximos atos, que certamente, o espetáculo de penúria se intensificaria, corri para o YouTube. Foi lá que dei de cara com Claudia Cardinale, Charles Bronson, Henry Fonda e Jason Robards. Posicionei o travesseiro, apontei o dedo no “gatilho” e disparei: “Era Uma Vez no Oeste”.

É meu amigo Cefas Carvalho, às vezes, um bom “espaguete” é mesmo quem nos salva.

Brito e Silva – cartunista

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Reorganizando Memórias

Vasculhar meus arquivos com a ilusão de organizá-los cronologicamente é um exercício recorrente. Não que eu não consiga – até organizo – mas, quando termino, estão novamente desorganizados. Segundo uma amiga astróloga, que se apresenta como bisneta de uma cigana indiana, vinda dos Himalaias, lá de Shangri-La, discípula de Omar Cardoso, meu mapa astral revela uma tendência canceriana à organização e ao acolhimento das lembranças.

Como não acredito em nada, mas tampouco duvido da fé dos outros, sigo insistindo nesse penoso ritual. Gosto de revisitar fatos da minha vida. Sei que alguns dirão ser saudosismo e que o importante é viver o presente. A esses, respondo: o bom é ter histórias para lembrar e contar. Não importa se foram boas ou ruins; como canta o RC “o importante é que emoções eu vivi”.  Se você não tem nada para contar, talvez apenas tenha passado pela vida.

Pois muito bem. Mexendo nesses arquivos, encontrei um vídeo da época da TV e Jornal Rio Branco, que causou um verdadeiro reboliço no Acre durante a campanha política para o Senado de 1990. Na ocasião, eu era Diretor de Arte e Cenografia da emissora e fui “convidado” pelo sócio-majoritário, Narciso Mendes, a criar sua campanha. Tentei recusar, argumentando que não tinha experiência com campanhas políticas, mas ele insistiu. Dizia admirar os comerciais e artes que fazíamos para sua empresa, e, no fim, acabei convencido.

A diretora da TV, Nadja Farias, nos deu “carta branca” para o que fosse necessário. O jornalista Renato Severiano correu para sua máquina de escrever Olivetti, e eu, para a prancheta. Juntos, criamos as primeiras peças. Logo de início, causamos impacto. Era algo completamente diferente de tudo o que os outros candidatos veiculavam. Empolgado, decidi ousar e inovar de vez.

Naquela época, os comerciais políticos eram majoritariamente estáticos, feitos com cartelas ou vídeos simples, sem grandes inovações. Numa sexta-feira, esperei o dia inteiro pelo momento em que, finalmente, o programa “Jô Onze e Meia” terminaria. Lá, com o fuso horário de três horas, o programa ia ao ar às 21h30. Assim que acabou, o estúdio e os equipamentos ficaram à nossa disposição. Com Wesley na mesa de corte, Michael Jackson (não o cantor, o cinegrafista) operando duas câmeras e Maria auxiliando na produção, trabalhamos das 23h30 até às 5h da manhã. Com algumas cartolinas finalizamos um projeto ousado.

O sucesso foi imediato. No dia seguinte a veiculação, Naildo Mendes, diretor-geral da TV, veio até mim perplexo:

– Brito, como você fez essa peça? Estão dizendo que trouxemos uma caríssima equipe de publicitários de São Paulo e estão nos acusando Narciso de abuso de poder econômico!

Rindo, expliquei o truque:

– Peguei dois cartazes da campanha e colei cada um numa cartolina. Depois, cruzei duas linhas de nylon formando um “X” atrás de um dos cartazes, colei o segundo por cima e amarrei as pontas das linhas no teto do estúdio. Com as mãos, enrolava as linhas e soltava, fazendo com que os cartazes girassem com duas faces. Enquanto isso, as câmeras filmavam e o editor fazia os cortes. No fim de cada giro, corríamos para o switcher para ver o resultado, conseguimos cinco segundos de um giro sincronizado, resultado de seis exaustivas horas de trabalho.

Esse trabalho simples, mas inovador, nos rendeu manchetes e até apelidos. Passei a dar entrevistas em rádios e jornais, explicando o que chamavam de “ADO de Cozinha” – sendo o nosso improvisado “equipamento”, a combinação de muita paciência a e esforço criativo – na época parecia ter somente o tal A.D.O. a Rede Globo.

Brito e Silva – Cartunista

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Coração paterno

Nossa coluna na Papangu de novembro/2024

A recente indicação da Polícia Federal para que o Capitão Bufão, inelegível e inominável, fosse indiciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) gerou grande alvoroço nas páginas políticas e policiais dos mais importantes jornais e veículos de mídia do país. Porém, aqui na aldeia potiguar, outro fato igualmente perturbador, envolto em crueldade extrema, chocou a todos: o vídeo que circulou na internet mostrando um filho carregando, nas mãos, a cabeça de seu próprio pai, após tê-lo assassinado a golpes de facão.

A cena dantesca, repulsiva e de uma brutalidade inimaginável na vida real, parece algo que somente a ficção – sob a direção de mestres do terror como Alfred Hitchcock, John Carpenter ou Roman Polanski – poderia ser concebida. E, ainda assim, talvez nenhum deles ousasse torná-la tão explícita.

Este ato macabro confronta-nos diretamente com o “monstro do Lago Ness” que habita dentro de cada ser humano, uma face obscura que, felizmente, só se revela a poucos, os quais não se pode chamar esses indivíduos de “privilegiados”, pois encarar tal monstruosidade é algo tão horrível quanto inimaginável. Este terrível acontecimento trouxe à minha memória uma das “minióperas” de Vicente Celestino, que, em suas canções, desnudava toda a fragilidade e a complexidade humanas. A canção Coração Materno é especialmente emblemática:

Coração Materno

Disse um campônio a sua amada
Minha idolatrada, diga o que quer
Por ti vou matar, vou roubar
Embora tristezas me causes, mulher
Provar quero eu que te quero
Venero teus olhos, teu porte, teu ser
Mas diga tua ordem, espero
Por ti não importa, matar ou morrer
E ela disse ao compônio, a brincar
Se é verdade tua louca paixão
Partes já e pra mim vá buscar
De tua mãe inteiro o coração
E a correr o campônio partiu
Como um raio na estrada sumiu
E sua amada qual louca ficou
A chorar na estrada tombou
Chega à choupana o campônio
Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar
Rasga-lhe o peito o demônio
Tombando a velhinha aos pés do altar
Tira do peito sangrando da velha mãezinha
O pobre coração e volta a correr proclamando
Vitória, vitória tem minha paixão
Mais em meio da estrada caiu
E na queda uma perna partiu
E a distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra, o pobre coração
Nesse instante uma voz ecoou
Magoou-se, pobre filho meu
Vem buscar-me filho, que aqui estou
Vem buscar-me, que ainda sou teu!

Não tenho dúvidas de que, em outro plano, a alma do pai decapitado murmuraria:
“Magoou-se, pobre filho meu? Vem buscar-me, que ainda sou teu.”

Assassinato

O plano para matar o Presidente do Brasil, seu vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal, não causou tanta como comoção quanto a prisão da “enfluencer” Deolena, aonde algumas centenas miseráveis débeis mentais se aglutinaram na frente de uma penitenciária gritando o nome da criminosa. Como diz meu xamã lá de Baixa do Chico “há algo de podre do Reino da Dinamarca”.

Podre

Podre, podre sim. O Exército Brasileiro é golpista desde a construção da República, de lá até nossa era foram golpes atrás de golpes, sofremos pelos menos de golpes de estado. E se não fossem alguns generais legalistas, democratas viveríamos em ditadura militar.

Caso Isolado

            Estaremos fazendo parte da equipe do posdcast Caso Isolado, sob o comando do amigo Pedro Chê. Programa que fala de segurança pública de forma séria, com um pouco de ironia e humor, afinal, ninguém é de ferro.

Charge

A charge do Saci fará parte da exposição que estamos desenhando com Ailton Medeiros, diretor da Biblioteca Câmara Cascudo, para realização nos meses de fevereiro/março de 2025 ao lado juntamente com os cartunistas Brum e Joe Bonfim. Os três mosqueteiros de volta!

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Encontro

Por um desses encontros que jamais seriam previstos em qualquer agenda — traçados apenas pelo acaso, com régua e compasso — todas as possibilidades e perspectivas pareciam conspirar para a impossibilidade de sua realização. Ontem, fui encontrar o amigo Pedro Tchê para uma prosa na praça de alimentação do Carrefour. Ao chegar, deparei-me com um carro estacionado e, no volante, uma senhora que ouvia uma música. Sem pedir licença, aquelas ondas sonoras invadiram meus ouvidos, despertando o empoeirado baú das memórias e me transportando permitindo um breve encontro a minha infância já tão distante.


Por alguns instantes preciosos, senti minha alma plena, leve como uma pluma, quase flutuando. As lentes dos meus óculos estavam molhadas, embora não chovesse.
Com nitidez, visualizei minha mãe, dona Geralda, diante da Vitrola ABC Voz de Ouro Isabela V. Vi-a colocar cuidadosamente o disco de Francisco José, ajustar o braço da vitrola e posicioná-lo na segunda faixa. O som do atrito da agulha com o vinil era tão familiar quanto o reflexo do meu próprio rosto no espelho. Sentei-me ali, naquela memória, e ouvi “Canção do Mar”. Logo, fui arrancado desse devaneio pelo toque de um celular. Era a senhora que se sentara ao meu lado, agora ouvindo Gustavo Lima, a realidade dói.


Ao sair, ainda pude ouvir, no carro da senhorinha, os versos de “Canção do Mar”, agora interpretada por Fafá de Belém e Ana Laíns. Ah, aquele instante – de tão breve alegria e tão eterno – certamente, me acompanhará para sempre.


Brito e Silva – Cartunista

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Agora, sou cultura!

Desde a infância e adolescência, sempre fui fascinado pelo desenho. Revistas em quadrinhos como Tex, Super-Homem e Turma da Mônica foram minhas primeiras inspirações. Nas páginas da Veja, observava com curiosidade os traços de Millôr Fernandes. Copiava suas charges, acreditando que poderia “melhorar” aqueles desenhos que, aos meus olhos juvenis, pareciam grosseiros. Eu, certamente, desenhava de forma “mais bonita”.

Naquela época, a estética, a beleza formal, era para mim o ponto mais importante no desenho. Se o traço fosse bonito, sua missão estaria cumprida, capaz de agradar ao olhar do espectador. Contudo, como acontece com muitas certezas que construímos na ignorância, essa visão logo desmoronou. Recordo-me do impacto ao abrir a revista Manchete e encontrar um desenho desconcertante: formas desordenadas, quase caóticas, mas carregadas de significado. Aquela obra era nada menos que Guernica, de Pablo Picasso, uma representação do bombardeio da cidade homônima durante a Guerra Civil Espanhola. Esse contato me fez questionar e reformular minha compreensão da estética. Ali começava uma transformação profunda na minha percepção artística.

Apesar de já ter familiaridade com Millôr, foi no final dos anos 70, quando entrei para o Gazeta do Oeste, que minha autossuficiência começou a ruir. Naquele ambiente jornalístico, compreendi o valor autêntico das charges e caricaturas. As criações de Millôr revelaram-se como formas gráficas de alta sofisticação, carregadas de crítica e ironia, especialmente em tempos sombrios. Foi nesse contexto que Eugênio Ramos, diretor de arte do jornal, me convidou a fazer minha primeira charge. Aceitei, e desde então, nunca mais deixei de produzir charges, cartuns e caricaturas.

Nos anos 80, fui profundamente influenciado por um livro do cartunista cearense Mendez, trazido de São Paulo por Canindé Queiroz. Décadas depois, em 2022, tive a honra de participar com uma caricatura no livro Mendez – Mestre da Caricatura, organizado por Levi Jucá. Além disso, colaborei com o livro Darcy 100 Anos – Caricaturas, do Memorial da América Latina, e com 90 Maluquinhos por Ziraldo, projeto que homenageou os 90 anos de Ziraldo, reunindo 90 cartunistas sob a curadoria de Edra.

Entre as conquistas recentes, estão o Prêmio Vlademir Herzog, que recebi em 2020, um Prêmio de Honra na Argentina em 2018, e uma Menção Honrosa no XXIX Salão Internacional de Humor de Caratinga em 2024. Meu trabalho já percorreu exposições na Europa, Ásia e América Latina. Hoje, com orgulho, sou reconhecido como Manifestação da Cultura Brasileira, conforme a Lei Nº 24/2020. Em uma conversa recente, alguém questionou meu sucesso, apontando a falta do “vil metal”. Ora, sorri e concordei. Afinal, cada um coloca valor no que lhe é mais importante.

Viva Henfil, Ziraldo, Mendez! Viva o cartum brasileiro!

Brito e Silva – Cartunista

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Lembra-te de que és mortal

Nos anos 80, a Rede Globo exibia, por volta das 23h, uma série americana chamada Shogun, estrelada por Richard Chamberlain no papel de John Blackthorne, um navegador inglês que, em suas aventuras marítimas, acabou desembarcando no Japão feudal. Lá, ele se tornou testemunha ocular das intrigas, traições políticas e transformações sociais que marcaram o Japão do século XVII.

Nessa época, boa parte da redação do jornal Gazeta do Oeste já havia cumprido sua rotina. As laudas de 27 linhas e 70 toques com as notícias mais relevantes do dia provavelmente já estavam sendo impressas na moderna Dominant 714. Os jornalistas, certamente, já tinham assinado o ponto no bar “O Sujeito” ou no Kikão, relaxando com uma “loira geladinha”.

Eu também já havia concluído minhas tarefas, como fazer a Charge do Dia e coordenar o Departamento de Arte e Diagramação. Costumava esperar Socorro finalizar a coluna de Canindé Queiroz, que, assim como eu, estava vidrado na série Shogun. Durante os intervalos, discutíamos as cenas. Em um desses momentos, Canindé comentou: “O que me irrita é a arrogância intelectual, tanto de quem tem conhecimento quanto de quem não tem nenhum.” E completou: “O primeiro, por tentar impor suas ideias a quem pouco pode discernir, em vez de ensinar. O segundo, por achar que já sabe tudo e não querer aprender.”

Essa frase ecoa em minha mente até hoje, como um lembrete constante. Sempre que minha soberba ameaça ultrapassar os limites, lembro-me dos bobos da corte, que eram os únicos permitidos a ridicularizar o rei. Muitas vezes, seus recados iam além do entretenimento, lembrando que o poder é efêmero e que até os reis morrem. Da mesma forma, no Império Romano, quando um general vitorioso entrava em Roma para receber suas honrarias, um escravo, a cada 400 metros, subia na biga e sussurrava em seu ouvido: “Lembra-te de que és mortal.”

Sinto pena, às vezes, de pessoas que não sabem ouvir, que se consideram infalíveis. Quando confrontadas com seus erros, despidos de subterfúgio, insistem em apontar o dedo para o outro, recusando-se a aceitar a própria falibilidade. Às vezes ponho os joelhos sobre milho.

Brito e Silva Cartunista

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Eu me amo

Outro dia, cedinho no cantar do galo, isto é, dos pardais, meu irmão De Assis – evangélico – passou um vídeo em que um padre fala que não devemos nos preocupar com quem não gosta da gente. À tarde, depois de dividir com João Miguel – meu neto de 2 anos – algumas tapiocas recheadas com creme de Ricota, as quais degusto como quem se delicia com pão doce untado de manteiga – aquela bem amarelinha – Itacolomy derretendo, lambuzando os dedos acompanhando um “café pingado”, ouvindo Maria dizer sua preocupação com minha saúde: não tem gosto agradável, mas é bom para você.

Finalizando a caricatura do Bozo, para um artigo da jornalista Ana Cadengue, esposa de Túlio Ratto, vejo o Cortella falando do cuidado com as pessoas que nos bajulam, elas não querem nosso bem, pois, quem nos quer bem cuida e diz “face to face” o que não queremos ouvir, mas, o que precisamos ouvir, logo ouvi Oswaldo Montenegro falar não querer que as pessoas que não gostam dele, passem a gostar.

Concordo com os três. É certo, devemos dar ouvidos a quem gosta da gente, não aos aduladores que mais cedo ou mais tarde vão nos apunhalar pelas costas. Oswaldo tem razão, também não quero quem não goste de mim passe a gostar, porque assim se mostra infiel as suas convicções, não gostava, permaneça não gostando. Me serve mais.

Há dois tipos de pessoas que podem, de fato, contribuir a nos manter sabedores de nossa finitude, da arrogância, da santidade de pés de barro, para baixarmos a bola, percebamos a necessidade de mais humildade. Além, do mais quem não gosta da gente, certamente, é muito mais leal, e assim sendo, nos põem em alerta, mostrando-nos defeitos, erros e pecados e assim são imprescindíveis, tal as pessoas que nos têm amor. Não sou do tipo “de hoje em diante só vou gostar de quem gosta de mim”, gosto de quem gosta de mim, se gosta eu gosto, se não gosta, a recíproca é totalmente real. Meu pai – em memória – ensinou-me, não há ninguém mais importante que nós mesmos, pode e existe igual, nunca mais.

Como canta aquela banda de rock “eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim”…

Brito e Silva – Cartunista

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Abelhas unidas jamais serão vencidas

Por: Ana Paula Cadengue

Arte: Brito e Silva

Conhecida por viver em colônias, a abelha é um inseto social que tem uma visão privilegiada, com três olhos simples, na parte frontal e dois olhos compostos, na parte lateral da cabeça. Tal conjunto possibilita que ela enxergue em cores e possa perceber predadores em potencial a distância, segundo estudo publicado no periódico Scientific Reports, da Nature, em 2017.

Para quem não sabe muito ou quase nada sobre abelhas, também é importante destacar que as colônias em que elas vivem são ambientes organizados, com tarefas e papeis designados. Assim, existem abelhas-operárias, as abelhas-rainhas e os zangões.

As abelhas-operárias são as mais abundantes em uma colônia e são diferenciadas pela presença de uma estrutura em forma de cesto, onde carrega o pólen, resina ou barro. Elas são responsáveis pela manutenção da colmeia, defesa, cuidado com as crias, limpeza do ninho e alimentação dos integrantes da colônia.

As rainhas têm a função reprodutiva e são capazes de colocar milhares de ovos por dia. Já os zangões são os machos reprodutores, gerados por partenogênese, ou seja, por reprodução assexuada.

Agora que você sabe de tudo isso, não é de estranhar o que aconteceu no Rio Grande do Norte no último dia 17 de agosto quando o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, foi atacado por um enxame de abelhas no município de Macaíba e teve que parar de bostejar. “Nós somos uma grande Nação. Nossas escolhas…”, dizia Jair, ao ser interrompido por nossas colegas operárias.

O locutor do evento até tentou fazer piada ao dizer que o Messias era doce, mas vamos combinar que as new heroínas do pedaço não estavam para brincadeiras. É aquela coisa, operariado organizado, liderado por mulheres e vivendo em comunas não vai deixar certo tipo de gente se criar, né mores?

Quanto ao périplo ex-presidencial pelo estado parece que só foi bom para fotos em quinas de rua e não acrescentaram nada nos intentos eleitoreiros da súcia, pelo que retratam pesquisas. 

Alertas, as abelhas sabem que a luta continua. Bzz, bzzz, bzzz.

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Sem anistia para essa gente medonha.


Tenho Zeus e seus auxiliares por testemunhas do meu esforço pagando meu dízimo, meu quinhão para poder a cada dia, me tornar uma pessoa melhor que ontem, entretanto as tentações batem a soleira da porta ao seu bel prazer e, não me digam que é fácil resistir ao canto da sereia. Deus sabe que é difícil vencer Satã só com orações, só quem tentou sabe como dói – diz João Bosco -.

Todas as noites ao tentar um colóquio ameno com meu travesseiro a me conceder uma melhor posição para poder desfrutar o sono dos justos, daqueles sem pecados, e ali com Maria fazer um trisal convidando Morfeu ao nosso leito. Qual o quê? Logo a infalível, rabugenta e impiedosa consciência vem aquinhoar sua parte, sem argumento me rendo aos seus pés a pedir um pouco mais de crédito, sem piedade não dá ouvidos e, assim pago, referendando minha total escravidão. Depois de horas relembrando o dia, pontuando onde fui melhor que ontem, percebendo que é inútil fugir a realidade, viro e durmo, certo que, como Sísifo, o dia de amanhã me espera.

Ao alvorece, no Hora 1, a fumaça impede de uma leitura das imagens com exatidão e, um texto do apresentador diz da prisão de suspeitos acusados de pôr fogo propositadamente e, assumindo o crime por motivações políticas. Um belo cardápio para aguçar as suspeitas sobre aquele grupo político, atropelando Lucas 6:37 que expressa “Não julgueis, e não sereis julgado; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e soltar-vos-ão”. Ora, como não julgar se os antecedentes, a vida pregressa o coloca na cena do crime? Como não condenar se as provas são irrefutáveis e contundentes? Soltar? Não! Não devemos soltar, não devemos conceder anistia a extremista assassino.

Foi ele sim, foi ele quem incêndio e atiçou o ódio no país, o obscurantismo, negacionismo, a não vacina, hoje já morrem crianças por causa da Coqueluche – doença facilmente evitada com a vacina – esse fogaréu tem a gênesis dessa gente medonha negacionista. Prisão a essa horda obtusamente criminosa de alma apodrecida, fétida facção de malfeitores.

Brito e Silva – Cartunista

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