Artigo

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Estranho

Vinha da farmácia com minhas compras mensais, acompanhado do meu neto, João Miguel, de 2 anos. Ele insistiu em ir comigo para que eu comprasse um doce chamado FINI, apesar de eu ter dito que lá não vendia. Mas, muito mais sábio que eu, propôs que eu o levasse para comprovar. Tinha!

Pois bem, já na calçada, ao nos aproximarmos da lanchonete na praça de Nossa Senhora de Candelária, João avistou uma pessoa deitada no chão, coberta dos pés à cabeça, e perguntou:

— O que é isso, vovô?
— É um morador de rua, ele não tem onde morar.
— Que estranho… — completou João.

Sou o que dizem hoje ser uma pessoa emotiva, um “bebê chorão”. Meus olhos minaram, como cacimba em leito de rio seco. Ora, João achou estranho algo que, para nós, adultos – que temos consciência de nossas responsabilidades sociais, que aprendemos que lutar por um mundo mais justo e menos desigual deveria ser nosso dever – já não parece mais surpreendente. Como se fosse natural um ser humano dormir ao relento, sem um teto sobre a cabeça.

Quando me dei conta, estava inundado por uma estranha sensação de fracasso, de impotência. Sentia-me pequeno diante da realidade ácida e cruel. Sei que as elites e a direita nunca enxergaram esses invisíveis — ou não quiseram enxergar. A esquerda tenta, ao menos na retórica. Mas a legião de miseráveis segue enchendo as cidades, enquanto poucas boas almas tentam cuidar e paziguar essas pobres criaturas abanadas pelos deuses do Olimpo.

Brito e Silva – Cartunista

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kkkBloco dos desesperançados

“Calma. É só aos poucos que o escuro fica claro”, cunhou o mineiro diplomata e poeta Guimarães Rosa. Não podia ser mais preciso. Entretanto, muitas almas – até bem-intencionadas – caminham apressadas sob o sol do Saara ao meio-dia, empunhando fachos de luz, sem perceber que, assim, luz e escuridão já não se distinguem.

Talvez eu – e certamente sou – um perfeito membro desse bloco de miseráveis que seguem cegos, portando lampiões, sem notar sua infame e arrogante ignorância. E quando por um milagre, concedido por algum deus zombeteiro do Olimpo, têm um lampejo, um rasgo de ciência, seguram uma vela acesa ao amanhecer, mas ainda assim duvidam da alvorada no horizonte – e, acreditando no lusco-fusco, acendem outra vela na mão direita.

Não sei – e talvez nunca saiba – se isso é pura arrogância ou uma humildade falseadamente disfarçada. Sempre que tenho oportunidade, quando estou errado, me rendo; me coloco diante da verdade, da informação correta, disposto a aprender para que no futuro não erre mais. Não como uma promessa juramentada, mas como um objetivo: não recair no mesmo pecado, não ajoelhar meus joelhos sobre os mesmos milhos.

Diz o velho ditado, lá no pé da serra do principado de Baixa do Chico: “Errar é humano, mas permanecer no erro é burrice”. Não seria assim tão insultuoso se a carapuça não me coubesse tão bem no quengo. Sim, isso mesmo: faço parte do bloco dos desesperançados, dos apequenados, daqueles que perambulam na escuridão do dia envoltos na névoa do prazer mediático. Um par de médicos desalmados me proibiu de comer meu pão-doce de cada dia. É verdade: digo, não estou curado, porém, há quinze dias me mantenho “limpo”. Entretanto, todos os dias, acendo uma vela a Deus e outra ao diabo.

Calma? Ora, Guimarães, quem sabe de mim sou eu!

Obs: O pecado não é estar com a “alma turva”, porém, não a querer límpida.

Brito e Silva – Cartunista

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Era Uma Vez

Ontem, depois de exercitar meu polegar no controle remoto, passeando pela Netflix de “A a Z”, quase nada chamou minha atenção. A exceção foi a série “Cem Anos de Solidão”, baseada no clássico homônimo do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura de 1982. Confesso: nunca li o livro! Ainda assim, estou saboreando a série como quem tem diante de si um pão doce com filetes de coco queimado. Cada pequeno pedaço é degustado vagarosamente, prolongando ao máximo o prazer e excitando as papilas gustativas. Assisto um ou dois capítulos e só volto dois ou três dias depois, para não acabar tão rápido.

Navego pelos incontáveis canais da Alaris, passo pela Netflix, mas invariavelmente termino no mesmo lugar: no YouTube. Não me perguntem por quê. A verdade é que, com minha memória propositalmente seletiva e autônoma, permito-me assistir um filme várias vezes como se fosse sempre a primeira vez. É um privilégio deliberado, confesso.

Ah! Tudo isso só aconteceu depois de ouvir o eterno “rei do iê-iê-iê”, Roberto Carlos, sussurrar “Detalhes” – porque, hoje em dia, ele já não canta, apenas murmura. Logo após, o comercial anunciava os próximos atos, que certamente, o espetáculo de penúria se intensificaria, corri para o YouTube. Foi lá que dei de cara com Claudia Cardinale, Charles Bronson, Henry Fonda e Jason Robards. Posicionei o travesseiro, apontei o dedo no “gatilho” e disparei: “Era Uma Vez no Oeste”.

É meu amigo Cefas Carvalho, às vezes, um bom “espaguete” é mesmo quem nos salva.

Brito e Silva – cartunista

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Reorganizando Memórias

Vasculhar meus arquivos com a ilusão de organizá-los cronologicamente é um exercício recorrente. Não que eu não consiga – até organizo – mas, quando termino, estão novamente desorganizados. Segundo uma amiga astróloga, que se apresenta como bisneta de uma cigana indiana, vinda dos Himalaias, lá de Shangri-La, discípula de Omar Cardoso, meu mapa astral revela uma tendência canceriana à organização e ao acolhimento das lembranças.

Como não acredito em nada, mas tampouco duvido da fé dos outros, sigo insistindo nesse penoso ritual. Gosto de revisitar fatos da minha vida. Sei que alguns dirão ser saudosismo e que o importante é viver o presente. A esses, respondo: o bom é ter histórias para lembrar e contar. Não importa se foram boas ou ruins; como canta o RC “o importante é que emoções eu vivi”.  Se você não tem nada para contar, talvez apenas tenha passado pela vida.

Pois muito bem. Mexendo nesses arquivos, encontrei um vídeo da época da TV e Jornal Rio Branco, que causou um verdadeiro reboliço no Acre durante a campanha política para o Senado de 1990. Na ocasião, eu era Diretor de Arte e Cenografia da emissora e fui “convidado” pelo sócio-majoritário, Narciso Mendes, a criar sua campanha. Tentei recusar, argumentando que não tinha experiência com campanhas políticas, mas ele insistiu. Dizia admirar os comerciais e artes que fazíamos para sua empresa, e, no fim, acabei convencido.

A diretora da TV, Nadja Farias, nos deu “carta branca” para o que fosse necessário. O jornalista Renato Severiano correu para sua máquina de escrever Olivetti, e eu, para a prancheta. Juntos, criamos as primeiras peças. Logo de início, causamos impacto. Era algo completamente diferente de tudo o que os outros candidatos veiculavam. Empolgado, decidi ousar e inovar de vez.

Naquela época, os comerciais políticos eram majoritariamente estáticos, feitos com cartelas ou vídeos simples, sem grandes inovações. Numa sexta-feira, esperei o dia inteiro pelo momento em que, finalmente, o programa “Jô Onze e Meia” terminaria. Lá, com o fuso horário de três horas, o programa ia ao ar às 21h30. Assim que acabou, o estúdio e os equipamentos ficaram à nossa disposição. Com Wesley na mesa de corte, Michael Jackson (não o cantor, o cinegrafista) operando duas câmeras e Maria auxiliando na produção, trabalhamos das 23h30 até às 5h da manhã. Com algumas cartolinas finalizamos um projeto ousado.

O sucesso foi imediato. No dia seguinte a veiculação, Naildo Mendes, diretor-geral da TV, veio até mim perplexo:

– Brito, como você fez essa peça? Estão dizendo que trouxemos uma caríssima equipe de publicitários de São Paulo e estão nos acusando Narciso de abuso de poder econômico!

Rindo, expliquei o truque:

– Peguei dois cartazes da campanha e colei cada um numa cartolina. Depois, cruzei duas linhas de nylon formando um “X” atrás de um dos cartazes, colei o segundo por cima e amarrei as pontas das linhas no teto do estúdio. Com as mãos, enrolava as linhas e soltava, fazendo com que os cartazes girassem com duas faces. Enquanto isso, as câmeras filmavam e o editor fazia os cortes. No fim de cada giro, corríamos para o switcher para ver o resultado, conseguimos cinco segundos de um giro sincronizado, resultado de seis exaustivas horas de trabalho.

Esse trabalho simples, mas inovador, nos rendeu manchetes e até apelidos. Passei a dar entrevistas em rádios e jornais, explicando o que chamavam de “ADO de Cozinha” – sendo o nosso improvisado “equipamento”, a combinação de muita paciência a e esforço criativo – na época parecia ter somente o tal A.D.O. a Rede Globo.

Brito e Silva – Cartunista

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Coração paterno

Nossa coluna na Papangu de novembro/2024

A recente indicação da Polícia Federal para que o Capitão Bufão, inelegível e inominável, fosse indiciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) gerou grande alvoroço nas páginas políticas e policiais dos mais importantes jornais e veículos de mídia do país. Porém, aqui na aldeia potiguar, outro fato igualmente perturbador, envolto em crueldade extrema, chocou a todos: o vídeo que circulou na internet mostrando um filho carregando, nas mãos, a cabeça de seu próprio pai, após tê-lo assassinado a golpes de facão.

A cena dantesca, repulsiva e de uma brutalidade inimaginável na vida real, parece algo que somente a ficção – sob a direção de mestres do terror como Alfred Hitchcock, John Carpenter ou Roman Polanski – poderia ser concebida. E, ainda assim, talvez nenhum deles ousasse torná-la tão explícita.

Este ato macabro confronta-nos diretamente com o “monstro do Lago Ness” que habita dentro de cada ser humano, uma face obscura que, felizmente, só se revela a poucos, os quais não se pode chamar esses indivíduos de “privilegiados”, pois encarar tal monstruosidade é algo tão horrível quanto inimaginável. Este terrível acontecimento trouxe à minha memória uma das “minióperas” de Vicente Celestino, que, em suas canções, desnudava toda a fragilidade e a complexidade humanas. A canção Coração Materno é especialmente emblemática:

Coração Materno

Disse um campônio a sua amada
Minha idolatrada, diga o que quer
Por ti vou matar, vou roubar
Embora tristezas me causes, mulher
Provar quero eu que te quero
Venero teus olhos, teu porte, teu ser
Mas diga tua ordem, espero
Por ti não importa, matar ou morrer
E ela disse ao compônio, a brincar
Se é verdade tua louca paixão
Partes já e pra mim vá buscar
De tua mãe inteiro o coração
E a correr o campônio partiu
Como um raio na estrada sumiu
E sua amada qual louca ficou
A chorar na estrada tombou
Chega à choupana o campônio
Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar
Rasga-lhe o peito o demônio
Tombando a velhinha aos pés do altar
Tira do peito sangrando da velha mãezinha
O pobre coração e volta a correr proclamando
Vitória, vitória tem minha paixão
Mais em meio da estrada caiu
E na queda uma perna partiu
E a distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra, o pobre coração
Nesse instante uma voz ecoou
Magoou-se, pobre filho meu
Vem buscar-me filho, que aqui estou
Vem buscar-me, que ainda sou teu!

Não tenho dúvidas de que, em outro plano, a alma do pai decapitado murmuraria:
“Magoou-se, pobre filho meu? Vem buscar-me, que ainda sou teu.”

Assassinato

O plano para matar o Presidente do Brasil, seu vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal, não causou tanta como comoção quanto a prisão da “enfluencer” Deolena, aonde algumas centenas miseráveis débeis mentais se aglutinaram na frente de uma penitenciária gritando o nome da criminosa. Como diz meu xamã lá de Baixa do Chico “há algo de podre do Reino da Dinamarca”.

Podre

Podre, podre sim. O Exército Brasileiro é golpista desde a construção da República, de lá até nossa era foram golpes atrás de golpes, sofremos pelos menos de golpes de estado. E se não fossem alguns generais legalistas, democratas viveríamos em ditadura militar.

Caso Isolado

            Estaremos fazendo parte da equipe do posdcast Caso Isolado, sob o comando do amigo Pedro Chê. Programa que fala de segurança pública de forma séria, com um pouco de ironia e humor, afinal, ninguém é de ferro.

Charge

A charge do Saci fará parte da exposição que estamos desenhando com Ailton Medeiros, diretor da Biblioteca Câmara Cascudo, para realização nos meses de fevereiro/março de 2025 ao lado juntamente com os cartunistas Brum e Joe Bonfim. Os três mosqueteiros de volta!

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Encontro

Por um desses encontros que jamais seriam previstos em qualquer agenda — traçados apenas pelo acaso, com régua e compasso — todas as possibilidades e perspectivas pareciam conspirar para a impossibilidade de sua realização. Ontem, fui encontrar o amigo Pedro Tchê para uma prosa na praça de alimentação do Carrefour. Ao chegar, deparei-me com um carro estacionado e, no volante, uma senhora que ouvia uma música. Sem pedir licença, aquelas ondas sonoras invadiram meus ouvidos, despertando o empoeirado baú das memórias e me transportando permitindo um breve encontro a minha infância já tão distante.


Por alguns instantes preciosos, senti minha alma plena, leve como uma pluma, quase flutuando. As lentes dos meus óculos estavam molhadas, embora não chovesse.
Com nitidez, visualizei minha mãe, dona Geralda, diante da Vitrola ABC Voz de Ouro Isabela V. Vi-a colocar cuidadosamente o disco de Francisco José, ajustar o braço da vitrola e posicioná-lo na segunda faixa. O som do atrito da agulha com o vinil era tão familiar quanto o reflexo do meu próprio rosto no espelho. Sentei-me ali, naquela memória, e ouvi “Canção do Mar”. Logo, fui arrancado desse devaneio pelo toque de um celular. Era a senhora que se sentara ao meu lado, agora ouvindo Gustavo Lima, a realidade dói.


Ao sair, ainda pude ouvir, no carro da senhorinha, os versos de “Canção do Mar”, agora interpretada por Fafá de Belém e Ana Laíns. Ah, aquele instante – de tão breve alegria e tão eterno – certamente, me acompanhará para sempre.


Brito e Silva – Cartunista

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Agora, sou cultura!

Desde a infância e adolescência, sempre fui fascinado pelo desenho. Revistas em quadrinhos como Tex, Super-Homem e Turma da Mônica foram minhas primeiras inspirações. Nas páginas da Veja, observava com curiosidade os traços de Millôr Fernandes. Copiava suas charges, acreditando que poderia “melhorar” aqueles desenhos que, aos meus olhos juvenis, pareciam grosseiros. Eu, certamente, desenhava de forma “mais bonita”.

Naquela época, a estética, a beleza formal, era para mim o ponto mais importante no desenho. Se o traço fosse bonito, sua missão estaria cumprida, capaz de agradar ao olhar do espectador. Contudo, como acontece com muitas certezas que construímos na ignorância, essa visão logo desmoronou. Recordo-me do impacto ao abrir a revista Manchete e encontrar um desenho desconcertante: formas desordenadas, quase caóticas, mas carregadas de significado. Aquela obra era nada menos que Guernica, de Pablo Picasso, uma representação do bombardeio da cidade homônima durante a Guerra Civil Espanhola. Esse contato me fez questionar e reformular minha compreensão da estética. Ali começava uma transformação profunda na minha percepção artística.

Apesar de já ter familiaridade com Millôr, foi no final dos anos 70, quando entrei para o Gazeta do Oeste, que minha autossuficiência começou a ruir. Naquele ambiente jornalístico, compreendi o valor autêntico das charges e caricaturas. As criações de Millôr revelaram-se como formas gráficas de alta sofisticação, carregadas de crítica e ironia, especialmente em tempos sombrios. Foi nesse contexto que Eugênio Ramos, diretor de arte do jornal, me convidou a fazer minha primeira charge. Aceitei, e desde então, nunca mais deixei de produzir charges, cartuns e caricaturas.

Nos anos 80, fui profundamente influenciado por um livro do cartunista cearense Mendez, trazido de São Paulo por Canindé Queiroz. Décadas depois, em 2022, tive a honra de participar com uma caricatura no livro Mendez – Mestre da Caricatura, organizado por Levi Jucá. Além disso, colaborei com o livro Darcy 100 Anos – Caricaturas, do Memorial da América Latina, e com 90 Maluquinhos por Ziraldo, projeto que homenageou os 90 anos de Ziraldo, reunindo 90 cartunistas sob a curadoria de Edra.

Entre as conquistas recentes, estão o Prêmio Vlademir Herzog, que recebi em 2020, um Prêmio de Honra na Argentina em 2018, e uma Menção Honrosa no XXIX Salão Internacional de Humor de Caratinga em 2024. Meu trabalho já percorreu exposições na Europa, Ásia e América Latina. Hoje, com orgulho, sou reconhecido como Manifestação da Cultura Brasileira, conforme a Lei Nº 24/2020. Em uma conversa recente, alguém questionou meu sucesso, apontando a falta do “vil metal”. Ora, sorri e concordei. Afinal, cada um coloca valor no que lhe é mais importante.

Viva Henfil, Ziraldo, Mendez! Viva o cartum brasileiro!

Brito e Silva – Cartunista

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Lembra-te de que és mortal

Nos anos 80, a Rede Globo exibia, por volta das 23h, uma série americana chamada Shogun, estrelada por Richard Chamberlain no papel de John Blackthorne, um navegador inglês que, em suas aventuras marítimas, acabou desembarcando no Japão feudal. Lá, ele se tornou testemunha ocular das intrigas, traições políticas e transformações sociais que marcaram o Japão do século XVII.

Nessa época, boa parte da redação do jornal Gazeta do Oeste já havia cumprido sua rotina. As laudas de 27 linhas e 70 toques com as notícias mais relevantes do dia provavelmente já estavam sendo impressas na moderna Dominant 714. Os jornalistas, certamente, já tinham assinado o ponto no bar “O Sujeito” ou no Kikão, relaxando com uma “loira geladinha”.

Eu também já havia concluído minhas tarefas, como fazer a Charge do Dia e coordenar o Departamento de Arte e Diagramação. Costumava esperar Socorro finalizar a coluna de Canindé Queiroz, que, assim como eu, estava vidrado na série Shogun. Durante os intervalos, discutíamos as cenas. Em um desses momentos, Canindé comentou: “O que me irrita é a arrogância intelectual, tanto de quem tem conhecimento quanto de quem não tem nenhum.” E completou: “O primeiro, por tentar impor suas ideias a quem pouco pode discernir, em vez de ensinar. O segundo, por achar que já sabe tudo e não querer aprender.”

Essa frase ecoa em minha mente até hoje, como um lembrete constante. Sempre que minha soberba ameaça ultrapassar os limites, lembro-me dos bobos da corte, que eram os únicos permitidos a ridicularizar o rei. Muitas vezes, seus recados iam além do entretenimento, lembrando que o poder é efêmero e que até os reis morrem. Da mesma forma, no Império Romano, quando um general vitorioso entrava em Roma para receber suas honrarias, um escravo, a cada 400 metros, subia na biga e sussurrava em seu ouvido: “Lembra-te de que és mortal.”

Sinto pena, às vezes, de pessoas que não sabem ouvir, que se consideram infalíveis. Quando confrontadas com seus erros, despidos de subterfúgio, insistem em apontar o dedo para o outro, recusando-se a aceitar a própria falibilidade. Às vezes ponho os joelhos sobre milho.

Brito e Silva Cartunista

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Eu me amo

Outro dia, cedinho no cantar do galo, isto é, dos pardais, meu irmão De Assis – evangélico – passou um vídeo em que um padre fala que não devemos nos preocupar com quem não gosta da gente. À tarde, depois de dividir com João Miguel – meu neto de 2 anos – algumas tapiocas recheadas com creme de Ricota, as quais degusto como quem se delicia com pão doce untado de manteiga – aquela bem amarelinha – Itacolomy derretendo, lambuzando os dedos acompanhando um “café pingado”, ouvindo Maria dizer sua preocupação com minha saúde: não tem gosto agradável, mas é bom para você.

Finalizando a caricatura do Bozo, para um artigo da jornalista Ana Cadengue, esposa de Túlio Ratto, vejo o Cortella falando do cuidado com as pessoas que nos bajulam, elas não querem nosso bem, pois, quem nos quer bem cuida e diz “face to face” o que não queremos ouvir, mas, o que precisamos ouvir, logo ouvi Oswaldo Montenegro falar não querer que as pessoas que não gostam dele, passem a gostar.

Concordo com os três. É certo, devemos dar ouvidos a quem gosta da gente, não aos aduladores que mais cedo ou mais tarde vão nos apunhalar pelas costas. Oswaldo tem razão, também não quero quem não goste de mim passe a gostar, porque assim se mostra infiel as suas convicções, não gostava, permaneça não gostando. Me serve mais.

Há dois tipos de pessoas que podem, de fato, contribuir a nos manter sabedores de nossa finitude, da arrogância, da santidade de pés de barro, para baixarmos a bola, percebamos a necessidade de mais humildade. Além, do mais quem não gosta da gente, certamente, é muito mais leal, e assim sendo, nos põem em alerta, mostrando-nos defeitos, erros e pecados e assim são imprescindíveis, tal as pessoas que nos têm amor. Não sou do tipo “de hoje em diante só vou gostar de quem gosta de mim”, gosto de quem gosta de mim, se gosta eu gosto, se não gosta, a recíproca é totalmente real. Meu pai – em memória – ensinou-me, não há ninguém mais importante que nós mesmos, pode e existe igual, nunca mais.

Como canta aquela banda de rock “eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim”…

Brito e Silva – Cartunista

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Abelhas unidas jamais serão vencidas

Por: Ana Paula Cadengue

Arte: Brito e Silva

Conhecida por viver em colônias, a abelha é um inseto social que tem uma visão privilegiada, com três olhos simples, na parte frontal e dois olhos compostos, na parte lateral da cabeça. Tal conjunto possibilita que ela enxergue em cores e possa perceber predadores em potencial a distância, segundo estudo publicado no periódico Scientific Reports, da Nature, em 2017.

Para quem não sabe muito ou quase nada sobre abelhas, também é importante destacar que as colônias em que elas vivem são ambientes organizados, com tarefas e papeis designados. Assim, existem abelhas-operárias, as abelhas-rainhas e os zangões.

As abelhas-operárias são as mais abundantes em uma colônia e são diferenciadas pela presença de uma estrutura em forma de cesto, onde carrega o pólen, resina ou barro. Elas são responsáveis pela manutenção da colmeia, defesa, cuidado com as crias, limpeza do ninho e alimentação dos integrantes da colônia.

As rainhas têm a função reprodutiva e são capazes de colocar milhares de ovos por dia. Já os zangões são os machos reprodutores, gerados por partenogênese, ou seja, por reprodução assexuada.

Agora que você sabe de tudo isso, não é de estranhar o que aconteceu no Rio Grande do Norte no último dia 17 de agosto quando o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, foi atacado por um enxame de abelhas no município de Macaíba e teve que parar de bostejar. “Nós somos uma grande Nação. Nossas escolhas…”, dizia Jair, ao ser interrompido por nossas colegas operárias.

O locutor do evento até tentou fazer piada ao dizer que o Messias era doce, mas vamos combinar que as new heroínas do pedaço não estavam para brincadeiras. É aquela coisa, operariado organizado, liderado por mulheres e vivendo em comunas não vai deixar certo tipo de gente se criar, né mores?

Quanto ao périplo ex-presidencial pelo estado parece que só foi bom para fotos em quinas de rua e não acrescentaram nada nos intentos eleitoreiros da súcia, pelo que retratam pesquisas. 

Alertas, as abelhas sabem que a luta continua. Bzz, bzzz, bzzz.

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Sem anistia para essa gente medonha.


Tenho Zeus e seus auxiliares por testemunhas do meu esforço pagando meu dízimo, meu quinhão para poder a cada dia, me tornar uma pessoa melhor que ontem, entretanto as tentações batem a soleira da porta ao seu bel prazer e, não me digam que é fácil resistir ao canto da sereia. Deus sabe que é difícil vencer Satã só com orações, só quem tentou sabe como dói – diz João Bosco -.

Todas as noites ao tentar um colóquio ameno com meu travesseiro a me conceder uma melhor posição para poder desfrutar o sono dos justos, daqueles sem pecados, e ali com Maria fazer um trisal convidando Morfeu ao nosso leito. Qual o quê? Logo a infalível, rabugenta e impiedosa consciência vem aquinhoar sua parte, sem argumento me rendo aos seus pés a pedir um pouco mais de crédito, sem piedade não dá ouvidos e, assim pago, referendando minha total escravidão. Depois de horas relembrando o dia, pontuando onde fui melhor que ontem, percebendo que é inútil fugir a realidade, viro e durmo, certo que, como Sísifo, o dia de amanhã me espera.

Ao alvorece, no Hora 1, a fumaça impede de uma leitura das imagens com exatidão e, um texto do apresentador diz da prisão de suspeitos acusados de pôr fogo propositadamente e, assumindo o crime por motivações políticas. Um belo cardápio para aguçar as suspeitas sobre aquele grupo político, atropelando Lucas 6:37 que expressa “Não julgueis, e não sereis julgado; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e soltar-vos-ão”. Ora, como não julgar se os antecedentes, a vida pregressa o coloca na cena do crime? Como não condenar se as provas são irrefutáveis e contundentes? Soltar? Não! Não devemos soltar, não devemos conceder anistia a extremista assassino.

Foi ele sim, foi ele quem incêndio e atiçou o ódio no país, o obscurantismo, negacionismo, a não vacina, hoje já morrem crianças por causa da Coqueluche – doença facilmente evitada com a vacina – esse fogaréu tem a gênesis dessa gente medonha negacionista. Prisão a essa horda obtusamente criminosa de alma apodrecida, fétida facção de malfeitores.

Brito e Silva – Cartunista

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Canta Maria

Natal, 23 de agosto de 2024.

À Maria

Nesta.

        Veja, outro dia redescobri Fernanda Takai – Pato Fu – baixei várias músicas conhecidas residentes em nossas “playlist” – frescura – na lista, a quais impôs outra roupagem muito bela, algumas até me catapultou para um tempo distante, lá nos idos do jornal Gazeta do Oeste. No qual aquele micro system que tocava horas a fio fazendo da jornada, de muitas vezes 15,17h, ser menos cansativa e imagine, prazerosa.

        Também é verdade, muitas vezes o seu som de poucos decibéis era suprimido por nossos dotes de cantantes de fim de churrasco, revelando a nossa pouca ou quase nenhuma capacidade de trabalhar sem uma música para embalar nossas penas e a exaustão mental, que por vezes teimava em nos expor em cochilos de segundos, mas, isto é outro assunto.

       A música, sempre fez parte de minha vida, certamente sou um “músico” frustrado, tanto é verdade que até fiz (fizemos) 2 anos de conservatório na UERN, mas desisti por pura falta de tempo ou talvez uma desculpa, inconsciente, à falta total de afinidade do violão comigo. Que ao longo tempo travamos uma luta diária, eu tentando aprender uma nota e ele se recusando a colaborar. Visitando os corredores da memória topei com nosso amigo Lins – em memória – reclamando a Canindé Queiroz de não se concentrar porque você estaria o tempo todo cantando, recebendo como resposta uma pergunta “mas, você não é surdo?”.

       Não entendo quem não gosta de música, bom sujeito não é, certamente, é doente da cabeça. Nestes 38 anos dividindo 24h juntos, creio, nunca ter passando um sem vê-la cantarolando. Sem preconceitos você canta para mim; para os filhos; filhas; netos; netas e para suas plantas, como poderia em seu aniversário, além, do natural, de desejar mais outros tantos anos de vida e não dizer, Feliz Aniversário!!! Canta Maria:

Canta Maria – Fernanda takai

Canta, Maria, a melodia singela
Canta que a vida é um dia
Que a vida é bela, minha Maria
Canta que a vida é um dia
Que a vida é bela, minha Maria

Canta, Maria, a melodia singela
Canta que a vida é um dia
Que a vida é bela, minha Maria
Canta que a vida é um dia
Que a vida é bela, minha Maria

Maria é meu amor…

Brito e Silva

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Presunçoso

Não sou uma pessoa muito adepta de modismo, gírias e, provavelmente, fui um adolescente muito chato, pouco me enturmava, fiz pouco amigos, colegas tenho aos montes. Passava boa parte do tempo disponível no meu quarto mobiliado com uma rede, uma cama de solteiro, uma mesinha para estudar e desenhar. Alguém disse “o homem é avaliado pelo número de amigos que tem”, certamente, se tem muitos seria uma pessoa “in” se tem poucos seria “out” – como grafava um colunista social da terra de Santa Luzia – neste conceito, estaria condenado ao ostracismo da minha rua.

         Na verdade, era um pouco “presunçoso”, muito dos meus conhecidos diziam que eu era “bosteiro”, isto é, metido a besta e, era mesmo – creio, pela régua de muitos, ainda sou -. Lá em casa recebíamos a Veja e a revista Rodovia, minhas companheiras nas madrugadas. Sempre gostei de aprender e, por isso, às vezes, os “amigos” riam de mim, pondo apelidos: ouvindo a Rádio Rural de Mossoró anunciando o jubileu de 20 anos de uma loja, a turma ficou sem saber que diabos era aquela palavra pouco usual, fui ao “pai dos burros, o Aurélio, voltei e lhes disse, ficaram me chamando de “Jubileu”. Eu ficava com raiva, não pelo apelido, mas porque eles nem sabiam o que era e, ainda assim faziam chacota.

      Provavelmente, quando vinha vindo à turma, diziam “lá vem o chato”, tinha ciência disto. Entretanto, não me frustrou, ao contrário, no alto da minha arrogante jovialidade dizia comigo “pior pra eles que não sabem o que eu sei”. É certo, isto ajudou a forjar meu caráter: controlar a arrogância, ser ético, mais tolerante e, principalmente, não dar muita bola às críticas que não merecem respostas, até hoje, se dizem “é assim” confirmo. Se dizem “não é assim” digo exatamente: não entro em luta que o objeto não tenha valor.

       Ao longo dos meus 65 anos de vida nunca quis e não continuo não querendo ser nada além, do que fui, sou e continuarei sendo até o final e, acredito ter e ser mais do mereço, porém, só quero aprender “tiquinho” mais sobre a vida. Talvez, tenha sido negligente com futuro, entretanto, não existe pouco ou quase nenhum pecado a me arrepender: os pecados são meus, nunca quis ser herói, como diz João Bosco – só quem tentou sabe como dói -.

       Há muito, aprendi a me reconhecer no espelho e entender que sou livre, porque sei que não sou: inveja, rancor e outros sentimentos menores os tragos no porão, em um baú a sete chaves as quais repousam no fundo do poluído Rio Mossoró/RN, certamente, nem com ajuda de Poseidon e Iemanjá as recupero.

Brito e Silva – Cartunista

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Dia dos Pais

Não sou conformista, acredito eu, ingrato ou egoísta com a vida que tive junto ao meu pai. Portanto, não me vejo um pingente do pensamento mediano coletivo no qual a métrica é “eu devia”, a “síndrome do Epitáfio”, que por vezes só lembra quando mídia “futuca” a consciência adormecida, sonolenta e preguiçosa, atende ao chamado.

         Aqui, entrincheirado no tronco da Jurema, vejo multidões de almas penadas condenadas ao peso dos seus pecados, a sua hipocrisia. Silentes, anestesiadas pelo “sacrifício da moda” de expressarem publicamente suas lamúrias: “eu devia ter beijado mais a minha mãe, eu devia ter abraçado mais o meu pai, eu devia… eu devia… eu devia… no fundo, oram para apressar os ponteiros do “Rolex”, o dia se esvair e voltarem à suas vidinhas, no aguardo de outra convocação do marqueteiro de plantão.

          Não querendo ser melhor ou pior dos que aqueles atendem ao som do berrante, o aboio do “vaqueiro” que controla a manada, lhe ditando o que deve comer, vestir, andar e pensar, logo sou surdo, cego e mudo. Dias das Mães, Dias dos Pais, Dias dos Namorados, lojas empanturradas de pessoas que “em nome do amor” se esbofeteiam para presentear seus entes queridos, certamente, logo serão esquecidos ou pior: estarão nas estáticas que nos envergonham. Obviamente, vocês vão dizer que é uma visão muito tacanha e pessimista, pode ser. Mas, é muito próxima da realidade.

        Voltando às vacas magras. Hoje é Dia dos Pais. Você tem todo direito de dar uma gravata ao invés de um abraço, um par de meias ao invés de um beijo, uma camisa ao invés de cafuné. Eu, pouco beijei, pouco abracei e talvez, pouco afaguei seus cabelos brancos. Entretanto, acreditando ser a música a maneira mais fácil para falar de amor com Deus, os anjos, as almas, as pessoas e, por isso, desde sempre todos os dias escuto pelos menos duas músicas preferidas do meu pai, – seu Luiz, em memória – que ouvíamos juntos, tenho os céus por testemunhas.

       Portanto, não espere o “Epitáfio” beije, abrace, afague seus cabelos, ame seu pai, não importa a “lembrancinha”, apenas ame-o.

Feliz Dias dos Pais. Brito e Silva – Cartunista

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Frio

Santiago(CH), 25 de junho de 2024

Ao meus netos Kayllanne, Lívia, João Miguel e Milly.

         Vocês aí, têm que ver para crer: a vida aos pés dos Andes começa às 10h e neste período o frio é de “lascar o cano”. Hoje, amanheceu, marcando no termômetro do celular 4 graus. Para quem nasceu lá nas quebradas do sertão, do Principado de Baixa do Chico, isso é quase uma eutanásia. Mas, como sou brasileiro, nordestino e não desisto nunca e como disse Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, pois então. Vesti um jeans por sobre a calça do pijama, uma camisa de frio, que sua vó Maria, comprou especialmente para esta ocasião, mais uma jaqueta e um casaco de tecido impermeável, com duas ou três camadas, calcei duas meias e um par de luvas, não antes de uma ducha a deliciosos 30 graus centígrados.

       Pois muito bem, já paramentado para combater ao frio, os deuses decidiram atender minha entoada oração ...”Se quer saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá, que vou”…Tupã e a deusa Pachamama tiveram compaixão desta pobre alma pecadora e uma fresta de sol cobriu o teclado do notebook me convidando a um passeio na Plaza Ñuñoa, lá fomos eu, Pollyanne e Valentina, prima de vocês tomar sol. É verdade, que a conjunção, sol e frio, na medida certo, pode ser, e foi, de certa forma é confortável, mesmo para nosotros habituado ao sol escaldante da “Capital do Sol”, Natal/RN, “A Noiva do Sol”, que assim cunhou o nosso gênio potiguar Câmara Cascudo. Entretanto, se você permanecer muito tempo, além do necessário, neste sol, pode ir parar no hospital, com queimaduras. Logo, o sol de lá, como o de cá, deve ser respeitado.

Brito e Silva – Cartunista