O “novo normal” do tempo do ronca
Natal findou, hora de arrumar a casa, lavar a louça e aparar as arestas das discussões que permearam toda noite do papai Noel: “deveria ser perú, não Chester”, “não gostei do Arroz com passas”, “que vinho horrível…”. Sem falar do cunhado que bebeu coquetel de whisky, vodka com groselha e, inconvenientemente passou a ser o centro das atenções, contando piadas sem graça, revelando segredos que todos sabem e são protagonistas, ofuscando o enjoado, enfadonho e anualmente repetido, o “amigo secreto”, que de James Bond não tem nada. Todos têm ciência com semanas de antecedência, o que vão ganhar e de qual bolso foi desalojado compulsoriamente o cartão de crédito à compra.
Parece um cenário comum à noite de natal em muitos lares, nos quais milhares de famílias se reúnem para ceia natalina e, o é. Entretanto, de outros natais, não deste de 2020.
Este ano, a mesa de doze lugares ou a de quatro sobrou cadeiras, por causa do impedimento social ou porque muitos partiram para sempre, para nunca mais voltar. Não houve empurra-empurra, a algazarra das crianças correndo em volta dos móveis e cristais foi tomada pelo silêncio, pela ausência do som dos risos, gritos e sobretudo dos abraços dos netos. A casa, até vestiu-se de cores vibrantes: vermelho, branco e verde, muito verde, cor a qual lhe colocaram sobre os ombros a pecha de carregar as nossas esperanças, mas os olhos mostram tons pastéis, desbotadas e sem viço expondo cenário para um filme que não vai ser “rodado” ou talvez seja, mas sem atores: um filme triste, mudo em preto e branco.
Passou, terminou o natal e Noel já voltou à Lapônia. Agora, vem o Ano Novo, o esperado 2021 no qual jogamos todas as fichas, afinal e por fim, teremos a vacina contra o mal-humorado e criminoso vírus. Logo teremos carnaval, micaretas, pastores-curandeiros tomarão a vacina, as igrejas irão encher seus salões e cofres, empresários rirão com seus metais, políticos dirão que foi deles a “cura” do mal. Certamente, em 2021 estaremos vivendo o tão propalado “novo normal”, porém, com os velhos hábitos: desdenhar da fome alheia, olhar para o próprio umbigo e nas primeiras horas pós-pandemia planejaremos o natal de vindouro e, claro, como corriqueiramente acontece, não convidaremos o dono da festa. Quem? Perguntariam os mais desatentos ou então diriam: Noel! Noel não, direi: Aquele que faz aniversário no dia 25 e, teve os ensinamentos esquecidos por seus infiéis fiéis.
Mas também sem querer estragar o prazer de vocês, apenas alerto aqueles que irão ao mar pular as setes ondas, para que tenham muito cuidado ao fazer o pedido. Em 2018, ficamos surdo de gritar “Fora Temer”, nos deram o Capitão Bufão, reclamamos de 19 e veio 2020 com a pandemia. Vou seguir o conselho do meu amigo Josias e estou consultando búzios, tarôs e os astros a busca de uma prévia, uma avant-première, um spoiler, qualquer sinal que mostre a cara de 2021 para poder me precaver das surpresas desagradáveis, que por ventura esteja programada. De toda forma, todo meu estoque de Rivotril já zerou e até o momento não consegui chegar a uma conclusão das mensagens enviadas pelo alinhamento de Júpiter e Saturno. Na verdade, a única resolução que percebi é que o “novo normal ”será tão velho quanto o bumba, “do tempo do ronca”.
Brito e Silva – Cartunista