Trauma

         Nos anos 80, a minha eterna diretora de tv, Nadja Faria, arregimentou vários jornalistas de diversas áreas de atuação, aqui da terrinha dos comedores de camarão para trabalharem na TV Rio Branco, afiliada do SBT, na capital do Acre. De Mossoró foram Kléber Barros, Washington Aquino, Renato Severiano, como éramos colegas de Kléber e Renato, no jornal Gazeta do Oeste, ficaram nos “caningando” para nós alçarmos voo no rumo da floresta amazônica.

         Passados meses, mas a “cantiga” não mudava “venham embora, Nadja está precisando de alguém para dirigir o Departamento de Arte e Cenografia do jornal e da TV” e, nós sempre se esquivando, talvez o medo de cruzar a ponte Jerônimo Rosado, sobre o Rio Mossoró com destino ao Aeroporto Internacional Augusto Severo, em Parnamirim/RN ou quem sabe não queríamos sentir a dor da saudade dos nossos? Mas, em um belo dia de junho de 1988, como diz Guilherme Arantes “são as fraquezas que nos pode salvar” e, como é curto o caminho dos covardes, tomamos nossa taça de veneno e dissemos SIM e, em uma semana preparamos tudo: avisamos à família, vendemos os móveis, carro, telefone, recebemos as contas do jornal…

         Passagens da TransBrasil nas mãos, enviadas pelos nossos novos patrões, Natal/Recife/Manaus/Rio Branco. De repente Maria foi acometida da matutagem aguda, o medo de voar a possuiu, olhando-me fixamente bradou com voz trêmula “eu vou, não de avião”, sob irredutível e firme posição percebi a nulidade de qualquer argumentação, rendi-me. Lá fomos nós para Fortaleza comprar passagem de ônibus para Rio Branco. Ônibus luxuoso, dois andares e, no sábado pegamos estrada, a noite descendo a Serra de Tianguá, o motorista anuncia que perdeu os freios, o alvoroço tomou conta dos passageiros. Notei no rosto de Maria uma pontinha de arrependimento da troca.

         O motorista de fala mansa nos oficiou que desceria a serra sem maiores perigos, pois usaria o freio do motor do ônibus. Consertado o Marcopolo, nos danamos estrada afora. Lá pela região centro-oeste, sobem várias pessoas e, põe logo no RoadStar do “buzão” música de Xitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, dia e noite, noite e dia estridentemente não davam descanso aos nossos ouvidos. Depois de umas 48 horas os ouvidos clamavam por socorro, decidi pedir ao motorista para rodar nossa fita-cassete, gravada na Disco-Fitas, quando Raimundo deu os primeiros aboios, antes mesmo de vocalizar “Verde que te quero verde…” a vaia comeu no centro, até alguém lá no fundo do corredor gritar “tire essa porcaria” … …Tirei.

          Com tufos de algodão acalentamos os tímpanos até Porto Velho, lá nos puseram em transporte velho com cadeira de plástico, daquelas que têm o formato da bunda em baixo relevo. Sete dias depois de nos despedirmos da terra de Santa Luzia, o ônibus para em uma latada, desceu todo mundo e nós ficamos até o motorista avisar que ali era a rodoviária. Maria estava com as pernas inchadas, escorrendo água parecia um afluente do Amazonas. Renato Severiano já nos esperava no carro da TV. Ah! Na volta, Maria foi a primeira a subir no avião da Vasp.

Obs: Talvez, minha arenga com os sertanejos seja trauma e, que não quero me livrar.

Brito e Silva – Cartunista

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