Com Açúcar, Com Afeto
Lá pelos anos 1960, aliás, para ser mais preciso no ano de 1967, em um barraco qualquer de uma favela do Rio de Janeiro/RJ, uma jovem senhora negra ainda apaixonada por seu “malandro” marido, que nos 362 dias do ano reclama de ser um operário, porém quando os clarins anunciam fevereiro, certamente, veste a fantasia de mestre-sala, sai a bailar na avenida, defendendo as cores de sua escola de samba do coração.
O malandro Duran, acorda às 9h, toma café preto, mastiga um pão dormido, põe seu terno de linho branco, com um beijo nos carnudos lábios de Maria se despede, não sem antes dar-lhe uma tapinha nas suas fartas ancas, sussurrando ao pé do ouvido misturando alguns “impropérios” promete voltar em tempo de sentar na esteira para o jantar, mas agora precisa descer o morro em busca de trabalho, pois precisa sustentá-la.
Vitória, ou simplesmente Vivi – como ele chama Maria Vitória – em um vestido de chita vermelho de bolinhas brancas cobrindo seu esbelto corpo negro e suas sinuosas curvas, parecendo mais uma das mulatas do cartunista Lan, desfilando num doce balanço a caminho do quintal pegar algumas goiabas e bananas para depois, na beira do fogão de lenha, fazer o doce predileto do seu ‘nego”. As bolhas de ar estourando no taxo exalando um cheiro a obrigava a salivar, mas, urgia para que continuasse a fazer movimentos circulares sincronizados com a colher de pau evitando não correr o risco de passar do ponto a deliciosa guloseima, que desandasse e ficar aguado.
Então ela mexe, mexe, mexe. Mas, seus pensamentos estão ancorados na promessa feita por Duran, sabia ser mais uma a não ser paga. O Malandro com receio de suar e manchar o bem alinhado que fora caprichosamente passado à goma com ferro de brasa, desce as ladeiras e vielas a passos lentos, com molejo de sambista. Não oferecendo desfeita aos amigos, faz parada em cada bar, marca sua presença e pendura a conta no prego, vai descendo sem pressa, passo a passo. Já em Ipanema, fala com o “Galego” dono do bar, vai ao banheiro põe a roupa de trabalho, uma sunga preta que só conhece aquela praia, senta na calçada pede uma cerveja ao garçom, abraça um velho e surrado violão e faz pose, logo aparece alguém que sabe tratar o instrumento com merecido carinho para quem passa o belo pinho, vai para ponta da mesa e inevitavelmente começa a batucar um samba de Noel.
Embriagado pela beleza das saias de quem vive pelas praias coloridas pelo sol ao som do violão e das ondas do mar. Lá por volta das 17h, o malandro vê uma linda mulata gingando no passeio público a lembrando-lo de sua “nega”, apressado se despede, bate o “cartão de ponto” e diz um até amanha. Inicia sua peregrinação de volta, porém em cada esquina tem um bar. Já avistando a luz do lampião de gás de seu barraco pede um tom a Chico Sete Cordas, canta um samba em tom maior, mais um até logo e sobe.
Vitória, “trombuda” de cara fechada, pelo atraso costumeiro ouve o rangir da porta de zinco na soleira, levanta da rede, atiça o fogo quase morto, esquenta o prato, com um iluminado sorriso estampado nos olhos, com açúcar, com afeto abres os braços ao seu Duran.
Brito e Silva – Cartunista