PARA MARIELLE

Paulo Afonso Linhares

Mais dois jovens trucidados, a exemplos de milhares de pessoas que sucumbem na guerra fratricida que incendeia o Brasil. Marielle Franco e seu amigo Anderson tombaram diante dos sicários que viram, nos estampidos de suas armas assassinas, o único modo de calar a voz corajosa dessa jovem mulher, negra, mãe e lutadora das causas de seu povo.

A indignação e a cívica vergonha que nos atinge, diante do martírio de Marielle e Anderson, não exclui os tantos brasileiros criancinhas, jovenzinhos, idosos, mães e pais de família que, também, sucumbem à violência que grassa por este país, embora não saibamos seus nomes ou conheçamos seus rostos. Choramos por eles, também, sempre que as sucessivas tragédias e suas fortes cores assustam nossas retinas e pesam em nossos corações. Sou humano, nada do que é humano me é estranho, reza o belo verso de Publius Terentius Afer: “Homo sum; humani nil a me alienum puto.”

Lamentável é que indecentes, hipócritas e insanos de vários matizes, camisas pardas, galinhas verdes, estão a grunir neste chão conflagrado do Fecebook: querem punir Marielle por ela ter-se tornado, tristemente, uma celebridade mundial seu marido com seu martírio.

Alguns, desvestidos de qualquer traço de humanidade, até insinuam que Marielle e Anderson teriam pedido para ser vítimas e como tal objeto da atenção do mundo, na imprensa e nos grandes fóruns internacionais. Fazem troça e gracejam do trágico fim desses jovens. Com se eles tivessem chamado seus algozes a fazê-los “famosos”. O mal banalizado. Corja desumana!

Claro que devemos chorar pelas crianças mortas pelas balas perdidas que as acharam em tempo e lugar errados por este Brasil afora ou pelos policiais tantos que têm morrido no cumprimento do seu dever, os pais e mães de família assassinados, jovens e idosos de todas as classes sociais, credos ou gêneros, independentemente de rostos ou nomes. Merecem a nossa indignação cívica mais profunda.

No entanto, nada disso impede que o mundo chore a morte de Marielle e Anderson, mesmo porque esse confronto maniqueísta que alguns idiotas fazem ao dividir a sociedade brasileira em bandidos e mocinhos é falso e babaca, idiota mesmo, sobretudo, quando impõem um corte político e ideológico à discussão sobre a espiral da violência que engole o Brasil, em todos os quadrantes.

O partido de Marielle não importa, como também se era negra, lésbica ou favelada. No mínimo, a sua memória e seu corpo merecem humano respeito, decorrente de um direito imemorial e sagrado da humanidade que, segundo Agostinho de Hipona, teria Deus escrito no coração das mulheres e homens; o sagrado direito a um sepultamento com dignidade, como exigiu Antígona do tirano tebano Creonte, como se lê na obra imortal do dramaturgo Sófocles: “… nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! e ninguém sabe desde quando vigoram!”

Marielle e Anderson, requiescant in pace.

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