Agora, sou cultura!
Desde a infância e adolescência, sempre fui fascinado pelo desenho. Revistas em quadrinhos como Tex, Super-Homem e Turma da Mônica foram minhas primeiras inspirações. Nas páginas da Veja, observava com curiosidade os traços de Millôr Fernandes. Copiava suas charges, acreditando que poderia “melhorar” aqueles desenhos que, aos meus olhos juvenis, pareciam grosseiros. Eu, certamente, desenhava de forma “mais bonita”.
Naquela época, a estética, a beleza formal, era para mim o ponto mais importante no desenho. Se o traço fosse bonito, sua missão estaria cumprida, capaz de agradar ao olhar do espectador. Contudo, como acontece com muitas certezas que construímos na ignorância, essa visão logo desmoronou. Recordo-me do impacto ao abrir a revista Manchete e encontrar um desenho desconcertante: formas desordenadas, quase caóticas, mas carregadas de significado. Aquela obra era nada menos que Guernica, de Pablo Picasso, uma representação do bombardeio da cidade homônima durante a Guerra Civil Espanhola. Esse contato me fez questionar e reformular minha compreensão da estética. Ali começava uma transformação profunda na minha percepção artística.
Apesar de já ter familiaridade com Millôr, foi no final dos anos 70, quando entrei para o Gazeta do Oeste, que minha autossuficiência começou a ruir. Naquele ambiente jornalístico, compreendi o valor autêntico das charges e caricaturas. As criações de Millôr revelaram-se como formas gráficas de alta sofisticação, carregadas de crítica e ironia, especialmente em tempos sombrios. Foi nesse contexto que Eugênio Ramos, diretor de arte do jornal, me convidou a fazer minha primeira charge. Aceitei, e desde então, nunca mais deixei de produzir charges, cartuns e caricaturas.
Nos anos 80, fui profundamente influenciado por um livro do cartunista cearense Mendez, trazido de São Paulo por Canindé Queiroz. Décadas depois, em 2022, tive a honra de participar com uma caricatura no livro Mendez – Mestre da Caricatura, organizado por Levi Jucá. Além disso, colaborei com o livro Darcy 100 Anos – Caricaturas, do Memorial da América Latina, e com 90 Maluquinhos por Ziraldo, projeto que homenageou os 90 anos de Ziraldo, reunindo 90 cartunistas sob a curadoria de Edra.
Entre as conquistas recentes, estão o Prêmio Vlademir Herzog, que recebi em 2020, um Prêmio de Honra na Argentina em 2018, e uma Menção Honrosa no XXIX Salão Internacional de Humor de Caratinga em 2024. Meu trabalho já percorreu exposições na Europa, Ásia e América Latina. Hoje, com orgulho, sou reconhecido como Manifestação da Cultura Brasileira, conforme a Lei Nº 24/2020. Em uma conversa recente, alguém questionou meu sucesso, apontando a falta do “vil metal”. Ora, sorri e concordei. Afinal, cada um coloca valor no que lhe é mais importante.
Viva Henfil, Ziraldo, Mendez! Viva o cartum brasileiro!
Brito e Silva – Cartunista