Discutindo a quimera da vez: castração química

Por Pedro Chê

Apesar de ter passado na CCJ, e mesmo que aprovada no Congresso, esse PL enfrentaria a real possibilidade de ser entendida como inconstitucional pelo STF

A falta de fronteira para propostas e de censura são, sem dúvidas, elementos importantes para que o tema segurança pública seja tão fervilhante nos círculos de conversa. Afinal quem resistiria a discutir, num barzinho, sobre castração química, trabalhos forçados para presidiários ou pena de morte? É possível para conversar sobre cada um desses assuntos não apenas por horas, mas por dias, e sob diferentes perspectivas. Dá facilmente para abordar procedimentos médicos, antigo testamento e questões orçamentárias, e múltiplos assuntos. Não são muitos os temas que propiciam isso e com tanto desprendimento.

Mas não tenho horas ou dias com vocês, apenas algumas poucas linhas e um assunto único. Antes de tudo, apesar de ter passado na CCJ, e mesmo que aprovada no Congresso, esse PL (da Castração Química) enfrentaria a real possibilidade de ser entendida como inconstitucional pelo STF. Aliás, antes das modificações dentro deste projeto – que antes previa no rol de tratamentos voluntários a Castração Cirúrgica –, era um dado certo, pois não é ofertado no Brasil à discricionariedade sobre o próprio corpo nesses moldes, fosse assim, estaríamos a um passo de vendermos literalmente um rim para comprar uma motocicleta, e desse mal não padecemos.

Mas o que a proposta sugere? Ela oferece aos reincidentes em crimes contra a liberdade sexual a adesão a tratamentos de castração química (inibidores de apetite sexual) em troca de mudança de regime a partir da concessão de liberdade condicional. Na proposta original, inclusive, a partir da emasculação cirúrgica era possível a própria extinção da punibilidade. A proposta, em suas justificativas, pretende estar em consonância com o nosso ordenamento e com certas perspectivas técnicas, além de trazer exemplos de sua aplicação em outros países. Esse refino normalmente não é visto nas propostas de integrantes da “bancada da bala”.

Quanto ao “aprovar” ou “desaprovar”, embora entenda que essa não seja a questão mais na discussão, vou respeitar clamor envolvido. Embora seja crítico, não me alinho dentro de uma oposição ferrenha. Se, por um lado, esse tipo de projeto é quase sempre marcado por uma pobreza sistêmica, sendo inexoravelmente cartesianos, o que popularmente a gente pode chamar de “viseira de burro” -por outro lado-, entendo que o argumento de que a castração química fere a vedação existente a penas ou tratamentos cruéis apresentaria fragilidades desconfortáveis se posta em companhia a uma análise que entenda, por exemplo, que nossas formas de penalização atuais não sejam humanizadas e misericordiosas. A pecha da inconstitucionalidade perderia bastante cola, até por que não existe direito “dado”, mas sim interpretado.

Apesar de opiniões diversas, um ponto que não pode ser ignorado é que os crimes sexuais são uma espécie de ilícito de dificílima convivência em sociedade, produzindo máculas terríveis e inesgotáveis para as vítimas – que podem levar inclusive a vítima a repetir os fatos, dessa vez como autora. No entanto, a castração não vai mudar o problema de patamar. Talvez colabore com dados tímidos (como é costumeiro nas políticas voltadas a segurança pública), ou talvez prejudique, levando a uma nova onda de “punitivismo não resolutivo”.  Isso poderia abrir portas para que – num futuro próximo – estejamos discutindo a castração compulsória devido a ineficiência da voluntária.

E aqui reside o ponto mais importante dessa discussão: a pavimentação do que queremos para o nosso país. Qual nosso projeto de nação? Mesmo que a perspectiva de benefícios seja real, continuaríamos na saga das políticas públicas viciada em lidar com as consequências e não com as causas, em investir pesadamente na restrição e não na prevenção, abandonando a formação e optando-se pela seguida clausura – expurgo.

As nossas relações de convívio estão em processo de adoecimento: a tolerância ao outro e a nós mesmos aparenta estar cada vez menor, a violência segue este mesmo caminho e isto nunca é devidamente abordado. Parece que o nosso problema reside apenas numa falta de especialização legislativa e redentora. A Castração Química sendo a quimera da vez, fantástica, mas não deixa de ser uma utopia ineficiente.

A escolha pelo novatio legis como instrumento de mudança produz essa sensação interminável de “saco sem fundo”, e a política brasileira se tornou refém disso.

*Pedro Chê é policial civil no Rio Grande do Norte e membro do grupo Policiais Antifascistas.

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