Reorganizando Memórias

Vasculhar meus arquivos com a ilusão de organizá-los cronologicamente é um exercício recorrente. Não que eu não consiga – até organizo – mas, quando termino, estão novamente desorganizados. Segundo uma amiga astróloga, que se apresenta como bisneta de uma cigana indiana, vinda dos Himalaias, lá de Shangri-La, discípula de Omar Cardoso, meu mapa astral revela uma tendência canceriana à organização e ao acolhimento das lembranças.

Como não acredito em nada, mas tampouco duvido da fé dos outros, sigo insistindo nesse penoso ritual. Gosto de revisitar fatos da minha vida. Sei que alguns dirão ser saudosismo e que o importante é viver o presente. A esses, respondo: o bom é ter histórias para lembrar e contar. Não importa se foram boas ou ruins; como canta o RC “o importante é que emoções eu vivi”.  Se você não tem nada para contar, talvez apenas tenha passado pela vida.

Pois muito bem. Mexendo nesses arquivos, encontrei um vídeo da época da TV e Jornal Rio Branco, que causou um verdadeiro reboliço no Acre durante a campanha política para o Senado de 1990. Na ocasião, eu era Diretor de Arte e Cenografia da emissora e fui “convidado” pelo sócio-majoritário, Narciso Mendes, a criar sua campanha. Tentei recusar, argumentando que não tinha experiência com campanhas políticas, mas ele insistiu. Dizia admirar os comerciais e artes que fazíamos para sua empresa, e, no fim, acabei convencido.

A diretora da TV, Nadja Farias, nos deu “carta branca” para o que fosse necessário. O jornalista Renato Severiano correu para sua máquina de escrever Olivetti, e eu, para a prancheta. Juntos, criamos as primeiras peças. Logo de início, causamos impacto. Era algo completamente diferente de tudo o que os outros candidatos veiculavam. Empolgado, decidi ousar e inovar de vez.

Naquela época, os comerciais políticos eram majoritariamente estáticos, feitos com cartelas ou vídeos simples, sem grandes inovações. Numa sexta-feira, esperei o dia inteiro pelo momento em que, finalmente, o programa “Jô Onze e Meia” terminaria. Lá, com o fuso horário de três horas, o programa ia ao ar às 21h30. Assim que acabou, o estúdio e os equipamentos ficaram à nossa disposição. Com Wesley na mesa de corte, Michael Jackson (não o cantor, o cinegrafista) operando duas câmeras e Maria auxiliando na produção, trabalhamos das 23h30 até às 5h da manhã. Com algumas cartolinas finalizamos um projeto ousado.

O sucesso foi imediato. No dia seguinte a veiculação, Naildo Mendes, diretor-geral da TV, veio até mim perplexo:

– Brito, como você fez essa peça? Estão dizendo que trouxemos uma caríssima equipe de publicitários de São Paulo e estão nos acusando Narciso de abuso de poder econômico!

Rindo, expliquei o truque:

– Peguei dois cartazes da campanha e colei cada um numa cartolina. Depois, cruzei duas linhas de nylon formando um “X” atrás de um dos cartazes, colei o segundo por cima e amarrei as pontas das linhas no teto do estúdio. Com as mãos, enrolava as linhas e soltava, fazendo com que os cartazes girassem com duas faces. Enquanto isso, as câmeras filmavam e o editor fazia os cortes. No fim de cada giro, corríamos para o switcher para ver o resultado, conseguimos cinco segundos de um giro sincronizado, resultado de seis exaustivas horas de trabalho.

Esse trabalho simples, mas inovador, nos rendeu manchetes e até apelidos. Passei a dar entrevistas em rádios e jornais, explicando o que chamavam de “ADO de Cozinha” – sendo o nosso improvisado “equipamento”, a combinação de muita paciência a e esforço criativo – na época parecia ter somente o tal A.D.O. a Rede Globo.

Brito e Silva – Cartunista

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