Quando o silêncio diz mais
Paulo Afonso Linhares
“Le parole est d’argent, mais le silence est d’or”. Sim, como reza velha máxima francesa, se a palavra é de prata, o silêncio é de ouro. Isto, aliás, nunca foi tão verdadeiro quanto nos dias que correm neste Brasil. Nos albores de mais uma eleição presidencial, neste 2018, o que prevalece mesmo é a ausência das palavras para expressar o que efetivamente pretendem os dois principais contendores da corrida presidencial.
De um lado, pontifica o silêncio de um líder encarcerado, o Lula, cujas parcas palavras se traduzem na locução do ventríloquo nomeado, Fernando Haddad, que pouco dizem de uma verdadeira intenção de governo para um Brasil desgovernado; do outro, os arroubos do candidato Jair Bolsonaro, preso a um leito de hospital depois de sofrer estúpido atentado protagonizado por um maluco solitário.
Um triste paradoxo: o debate silencioso passou a pautar a disputa presidencial de 2018; ninguém precisa falar, basta que prevaleçam os mudos argumentos dos extremos. Enfim, todos os olhos e ouvidos para o que pouco dizem Lula, o encarcerado de Curitiba, judicialmente impedido de dar entrevistas ou de fazer outras manifestações públicas, e o convalescente Bolsonaro, internado no chique Hospital Israelita Albert Einstein.
Fato é que o silêncio finda por colocá-los numa posição assemelhada e, por caminhos diversos, isentando-os de defender posições ou dar explicações vexatórias acerca de aspectos cruciais da cena política que afloram na campanha eleitoral. Ainda mais porque não pôde ser candidato à presidência da República, Lula não tem nenhum dever de explicar aos milhões de seus eleitores legados ao pupilo Fernando Haddad os erros cometidos pela cúpula petista, da qual é a mais eminente figura, com as alianças políticas espúrias e a participação em esquemas de corrupção trazidos a lume nos últimos anos; preso a um leito de hospital, Bolsonaro ‘participa’ da campanha sem falar quase nada, o que decerto tem favorecido a sua ótima posição nas sondagens de intenção de votos: tivesse que falar – e os candidatos a graduados postos eletivos têm que fazê-lo – já teria despedaçado milhares de votos, sobretudo, nos debates entre candidatos e massacrantes entrevistas à grande imprensa. As palavras de ordem das militâncias opostas falam por eles.
Cá fora, militantes orgânicos e inorgânicos, de lados extremos se digladiam, sobretudo, no ríspido chão das redes sociais e mesmos nas ruas, antevendo os atropelos políticos que devem permanecer após o resultado das eleição de 2018, eis que, pelo que revelam as sondagens de intenção de voto, é quase certo que a faixa presidencial ficará num dos extremos da disputa: ou irá para Haddad ou para Bolsonaro, deixando de fora o loquaz Ciro Gomes, o comedido Geraldo Alkimin, a frágil Marina Silva, além dos outros candidatos que não ultrapassam a margem de três pontos percentuais.
O clima tenso, a despeito do resultado, decorrerá da não aceitação pelo lado perdedor da eleição, a exemplo dos tucanos em 2014, cujas consequências foram o desgastante impeachment de Dilma Rousseff e a entronização de Michel Temer e sua gangue de corruptos no Palácio do Planalto, ademais de uma longa, persistente e insanável instabilidade política, ao lado da enorme crise econômica.
Ressalte-se que um dos grandes atrativos dos regimes democráticos é a expectativa em tons positivos que emerge da alternância periódica de poder. Um novo governo, democraticamente eleito, sempre leva as pessoas a acreditar que algo mudará, que dias melhores poderão vir, velhos erros não se repetirão ou arraigados vícios serão debelados.
Apesar da frustração natural daqueles eleitores cujo projeto político foi derrotado, o sentimento que deve prevalecer é o de que a vida seguirá seu curso normal e que é essencial a convergência de todos os segmentos sociais para a consecução dos grandes objetivos da nação. Enfim, a eleição democrática deve unir as pessoas num ambiente de convivência e respeito, mesmo que mantidas as inevitáveis divergências político-ideológicas.
O oposto disto é a fragmentação social que se traduz no repúdio às diferenças, no sectarismo, nos confrontos que podem levar à violência e aos tumultos de desagradáveis e imprevisíveis consequências. Daí a perturbadora constatação de que, dificilmente, das urnas de 2018 não emergirá um Brasil fragmentado, ganhem os companheiros de Lula ou as não menos barulhentas falanges do capitão Bolsonaro. Lastimável. Cabe-nos apenas aguardar o resultado, em obsequioso silêncio.