Mentir é preciso
Mintam, mintam por misericórdia – Nelson Rodrigues
Lá na embaixada de Mossoró/RN, em Baixa do Chico, no pé do serrote, deitado numa rede de telecelada na cidade de Jaguaruana/CE estava sempre meu tio Nôga – in memoriam – a se deliciar do aconchego da exuberante sombra de um pé de manga-rosa a contar estórias. É assim, nesta bela imagem que tenho o meu tio emoldurado na parede do museu de minhas memórias.
Outro dia vi uma entrevista do grande dramaturgo Ariano Suassuna onde admitia admiração profunda pelos mentirosos, não os mentirosos que tornam a mentira em um crime, mas daqueles que inventam novas realidades, enfeitam a crueldade veracidade da vida, cravou também quem escreve carrega sempre na tinta uma boa dose de mentira, isto é, impõe à realidade uma bem requintada fantasia transformando um pedaço de chão rachado ou uma capoeira ressequida pelo sol escaldante em um vasto campo verdejante, com montanhas azuladas ao fundo, compondo a obra de arte imaginária, em primeiro plano, sob o sol da primavera corre, com os pés desnudos, uma linda e singela donzela com um vestido branco translúcido e esvoaçante ao vento, deixando amostra seu delineado corpo juvenil, revelando a beleza da cor de sua pele. Indubitavelmente, é um convite ao leitor registrar essa imagem que não existe.
No ano de 2008, o Zé Ramalho na versão de “Things Have Changed” do prêmio Nobel de Literatura de 2012, o cantor americano Bod Dylan cunhou que “a verdade do mundo vem de uma grande mentira” e, de fato, não há saída a mentira é parte tão intrínseca de nossas vidas que de tão íntima, muitas vezes não percebemos sua utilidade no dia-a-dia. Todos nós mentimos. Calminha aí! Não precisa se ofender, basta admitir que mente.
Lendo, algum hipócrita, certamente, soberbamente dirá “eu não minto”, esse tipo, em geral, acredita no que diz. Pode até ser haja uma pessoa de alma tão limpa que não minta para outrem, ainda assim, mente para si mesmo. É bem verdade que existe mentira e mentira, cabe a você saber qual das duas faz parte do seu viver. Há quem minta pelo prazer do bem, isto é, de uma bela gargalhada, também há o sádico que mente pelo prazer de ver o sofrimento.
Voltando ao Tio Nôga. Fomos lhe fazer uma visita em um sítio ali pelos arredores de São Gonçalo do Amarante/RN e, soubemos de um entrevero dele com um sujeito das proximidades, preocupados, o inquirimos:
– Foi nada não meu sobrinho.
– Nos disseram que houve até agressão física…
– Não, não! Foi uma besteira.
– Besteira?
– Sim, um “bebo choco” encostou a “zurêa” dele na minha foice.
Esse era meu tio, cheio de pilhérias, gostava de contar estórias, tal qual Chicó. É certo, uma mentira bem contada e bom pra danado. Já disseram que mentir é preciso, viver não é preciso!!!
Brito e Silva – Cartunista
Supimpa, meu amigo Brito. Lembrei-me de uma frase, na parede de uma casa na rua Delfim Moreira (Mossoró): “Tudo é mentira”. Abraços.