Lembra-te de que és mortal

Nos anos 80, a Rede Globo exibia, por volta das 23h, uma série americana chamada Shogun, estrelada por Richard Chamberlain no papel de John Blackthorne, um navegador inglês que, em suas aventuras marítimas, acabou desembarcando no Japão feudal. Lá, ele se tornou testemunha ocular das intrigas, traições políticas e transformações sociais que marcaram o Japão do século XVII.

Nessa época, boa parte da redação do jornal Gazeta do Oeste já havia cumprido sua rotina. As laudas de 27 linhas e 70 toques com as notícias mais relevantes do dia provavelmente já estavam sendo impressas na moderna Dominant 714. Os jornalistas, certamente, já tinham assinado o ponto no bar “O Sujeito” ou no Kikão, relaxando com uma “loira geladinha”.

Eu também já havia concluído minhas tarefas, como fazer a Charge do Dia e coordenar o Departamento de Arte e Diagramação. Costumava esperar Socorro finalizar a coluna de Canindé Queiroz, que, assim como eu, estava vidrado na série Shogun. Durante os intervalos, discutíamos as cenas. Em um desses momentos, Canindé comentou: “O que me irrita é a arrogância intelectual, tanto de quem tem conhecimento quanto de quem não tem nenhum.” E completou: “O primeiro, por tentar impor suas ideias a quem pouco pode discernir, em vez de ensinar. O segundo, por achar que já sabe tudo e não querer aprender.”

Essa frase ecoa em minha mente até hoje, como um lembrete constante. Sempre que minha soberba ameaça ultrapassar os limites, lembro-me dos bobos da corte, que eram os únicos permitidos a ridicularizar o rei. Muitas vezes, seus recados iam além do entretenimento, lembrando que o poder é efêmero e que até os reis morrem. Da mesma forma, no Império Romano, quando um general vitorioso entrava em Roma para receber suas honrarias, um escravo, a cada 400 metros, subia na biga e sussurrava em seu ouvido: “Lembra-te de que és mortal.”

Sinto pena, às vezes, de pessoas que não sabem ouvir, que se consideram infalíveis. Quando confrontadas com seus erros, despidos de subterfúgio, insistem em apontar o dedo para o outro, recusando-se a aceitar a própria falibilidade. Às vezes ponho os joelhos sobre milho.

Brito e Silva Cartunista

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