Eu vi
Sou um cidadão comum, sem muitas manias ou gostos exóticos, sou um sujeito sem graça nenhuma, sem um tiquinho de excentricidade, desprovido de esquesitices que mereçam destaque, a não ser que não gosto muito de sair do meu “banker”. Às vezes agendo um lançamento de livro de um amigo, um show, uma ida ao Riachuelo, ao Parque das Dunas, à praia…Mas um dia antes começam os sintomas: moleza no corpo, no dia aparece aquela ressaca de vodka ruim que tomei há uns 20 anos, podendo surgir febre repentina, não registrada em termômetro. Na verdade, sou um eremita urbano. Invento quase tudo para não sair de casa.
Porém, existem as boas causas que me fazem pôr o “fucin” ao vento. Ontem,20, foi uma delas. Acordei cedo, feito um passarinho urbano “desimbestei” para o Sebo Balalaika, onde tinha deixado o violão de Jade para Ramos dar “um trato”. Lá madruguei, encontrei a loja fechada sentei na soleira de onde passei a observar os transeuntes, moradores e lojistas da Rua Vigário Bartolomeu. Homens, mulheres e crianças se esguiando pelas micros-sombras das calçadas fugindo do sol.
Eram pretos, brancos, pardos, falsos índios, gays, lésbicas, hetéros, bêbados, drogados, feios, bonitos, ricos(?), pobres e miseráveis, todos fazendo parte da fauna que circunda a Casa Legislativa Estadual e o Executivo Municipal da Cidade do Sol. Todos em busca de algo: alguns atrás de livros e discos raros, outros de uma boa conversa, já outros tantos uma “talagada” de cachaça lhes descendo goela abaixo ao som de uma música brega das antigas se dariam por satisfeitos, entretanto, há aqueles que não buscam mais nada, estarem vivos já lhes basta, para alguns viver nem lhes importavam, pareciam mortos-vivos, zumbis reais perambulando de lata em lata de lixo, mas todos, sem exceção, empurram sua pedra montanha acima. Estas cenas me lembraram duas senhoras que vi outro dia no Shopping Midway, uma delas mais “enfeitada que a burrinha de Zé Garcia” a outra empurrava um carrinho de bebê com um cãozinho dentro igualmente vestido a senhora branca.
Eu vi gente, gente de verdade. Vi gente lavando o rosto em água servida que estava empoçada na calçada de um restaurante, sair rindo e dizendo que só lhe faltava um pão, vi um casal de mendigo brigando por uma parte de papelão, vi um senhor, de uns 70 e tanto anos, gritando para outro que estava num primeiro andar:
– Ei, seu carai, onde está minha máscara?
– Está no seu queixo “véi” doido.
Quando dei por min já tinham se passado duas horas. Pronto para ir embora se aproxima um pedinte, sem camisa, corpo franzino, esquelético expondo as costelas, cabelos bastante desgrenhado e naturalmente sujo e uma bermuda rasgada me pedindo R$ 2,00:
– Por que dois reais?
– Porque se você me der um já serve.
Dei uma risada, entreguei um Real. Rindo me respondeu.
– Manjou, né?
Brito e Silva – Cartunista