Eu sou vários
Todos os dias quando o sol desiste de nos assar vivos, João Miguel, meu neto caçula de um ano e seis meses, em uma língua, talvez alienígena, abre o verbo “bavô”, com o dedo em riste para o portão, a rotina explica que é hora de irmos à praça e, assim é feito sua vontade.
Atento às recomendações médicas – garantidoras – se for disciplinado me auto torturando com exercícios físicos seria recompensado com alguns anos de sobrevida. Pensei em saber do médico qual sua cartomante, retrocedi, não quis constrangê-lo, sabe-se lá, a maioria dos médicos do SUS fogem de um “face to face”, poderia proferir algum impropério contra minha mãezinha, neste caso me “espalharia” com pernadas a três por quatro. Na praça, tomei uns goles d’água o time foi se completando.
É sabido no encontro de sexagenários e além, a saudação é quase uma prova de vida: que bom lhe ver. Instantaneamente rola uma boa conversa, logo descambar nas mazelas da velhice: hoje esquecido de tomar o “diabo” da Losartana, outro rindo segue a toada “faz dias que não tomo”, um terceiro “minha mulher quase me bate porque esqueço, pior que ela também esquece” estende-se uma risadaria, como se nós já estivéssemos no Olimpo.
Como tudo não são flores, sempre há um fulano para jogar meleca no ventilador e como todos têm uma história triste a contar, não a nossa, mas, de um amigo: ontem meu vizinho foi achado morto em sua casa, o Samur falou que havia mais de três dias de sua morte. Alguém quis mais detalhes insistindo “a família? Os filhos?”, não tinha família. Mês passado o filho que morava com ele morreu em um acidente de trânsito, tem uma filha na Itália, mas ela só liga no Natal, Aniversário”, sem pedir licença a tristeza sentou-se.
Ouvi Lívia(4), irmã de João, gritando “vô”, pedi esculpa, saí com riso nos olhos constrangido por há pouco estar triste e meus tímpanos ao receberem as ondas carregadas com aquela voz me fez feliz imediatamente, isso em milésimo de segundos. Em seguida me dei conta, de Nietzsche “Eu sou vários. Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo”. Ora, sou humano, eu sou vários.
Brito e Silva – Cartunista
É meu fraterno amigo, a nossa geração, a geração de ferro está indo embora.
Mas temos a ho ra de dizer que a nossa geração foi a última a saber curtir a essa deliciosa faze ou seja a juventude.