Estranho

Vinha da farmácia com minhas compras mensais, acompanhado do meu neto, João Miguel, de 2 anos. Ele insistiu em ir comigo para que eu comprasse um doce chamado FINI, apesar de eu ter dito que lá não vendia. Mas, muito mais sábio que eu, propôs que eu o levasse para comprovar. Tinha!
Pois bem, já na calçada, ao nos aproximarmos da lanchonete na praça de Nossa Senhora de Candelária, João avistou uma pessoa deitada no chão, coberta dos pés à cabeça, e perguntou:
— O que é isso, vovô?
— É um morador de rua, ele não tem onde morar.
— Que estranho… — completou João.
Sou o que dizem hoje ser uma pessoa emotiva, um “bebê chorão”. Meus olhos minaram, como cacimba em leito de rio seco. Ora, João achou estranho algo que, para nós, adultos – que temos consciência de nossas responsabilidades sociais, que aprendemos que lutar por um mundo mais justo e menos desigual deveria ser nosso dever – já não parece mais surpreendente. Como se fosse natural um ser humano dormir ao relento, sem um teto sobre a cabeça.
Quando me dei conta, estava inundado por uma estranha sensação de fracasso, de impotência. Sentia-me pequeno diante da realidade ácida e cruel. Sei que as elites e a direita nunca enxergaram esses invisíveis — ou não quiseram enxergar. A esquerda tenta, ao menos na retórica. Mas a legião de miseráveis segue enchendo as cidades, enquanto poucas boas almas tentam cuidar e paziguar essas pobres criaturas abanadas pelos deuses do Olimpo.
Brito e Silva – Cartunista