Correr para o abraço
Acordei cedinho(20), já com 62 anos nos costados e aliviado porque não iria para tal caminhada matinal, como alegria de pobre dura pouco, Maria foi logo avisando que iríamos para fila da Astrazeneca, lá no Nordestão, caminhando e cantando. Na fila ficamos perto de um fulano que girava o diabo de um molho de chaves no dedo como uma jovem da dança do ventre roda um bambolê, Maria ao meu pé do ouvido murmurou:“Ô caba besta da mulesta”. Fazendo dupla com o beltrano a sua frente iniciou um converseiro daqueles de botequim de quinta, cada um mais exibicionista que o outro.
Algum tempo depois, somos avisados que o “sistema de internet” tinha caído, e enquanto não voltasse não poderíamos ser vacinados. O fulano “pegou ar”, começou a xingar Fátima Bezerra, Lula, Fidel Castro, Maduro, o rapaz que organizava a fila, enfim, ninguém escapou. Rodou nos calcanhares e foi-se embora.
Sem parceiro de trololó, o beltrano olhou para um lado e para outro e começou a fazer alogamentos, agachamentos, rotacionamentos de quadril, elevando os braços, se esticando nas pontas dos pés, vendo a “arrumação”, cochichando no meu ouvido Maria sugeriu que logo ele dançaria “O lago do Cisne”. Outro atrás da gente falava em seu smartphone: Tire o filé do freezer… …Não, não, vou passar na oficina consertar o ar condicionado do carro, não suporto andar sem ar…”.
Adiante uma senhora falava de como tratou sua mãe doente de Alzheimer, por 10 anos, sem acompanhamento médico, pois “não confiava nesses médicos”, ainda outra dizia que ia tomar a vacina, mas não “confiava”, “num é mulher, ouvi dizer que essa vacina da Coronavac deixa o povo com bucho-inchado” profalou outra…Subindo a escada rolante da garagem para piso do supermercado, onde iríamos fazer umas comprinhas – pobre adora fazer “comprinhas” – na verdade a pedido meu, íamos comprar para o almoço, um frango assado para apaziguar minha gula. Pois muito bem, Maria disse-me “Que saber da vida alheia com detalhes sordidamente bem contados? Faça plantão numa sala de espera em uma clínica ou numa fila, por lá sabe-se de tudo”. Rimos e fomos ao frango. Na galeteria encontramos comprando meia libra de frango assado, o sujeito que mandou tirar o filé do freezer.
O certo, é que hoje completando 62 anos, tomei a 2ª dose da vacina contra a Covd-19 e presente melhor não poderia. Agora é esperar o “resguardo” da vacina e correr para o abraço dos filhos e netos. Eu e Maria devidamente vacinados.
Brito e Silva – Cartunista