Castigo
Por sugestão(encomenda) de Plabo Sánchez, espanhol, de Sevilha, comecei a desenhar o violonista flamenco Paco de Lucía, o qual tenho, como quase todo mundo que gosto de violão, uma admiração profunda por seu estilo de acariciar as cordas de sua guitarra, que ainda hoje ressoam estrada afora.
Antes mesmo dos primeiros traços sobre a pálida folha de papel que se expunha imóvel, como quem esperando e pedindo de mim algo que a tornasse útil, viva de serventia ímpar. Como num abracadabra, abriu-se uma pequena gaveta de minha parca e rala memória, uma bem empoeirada lembrança, que imobilizada adormecia gastada pelo tempo e desuso, é certo, que às vezes, e até quase frequente e, principalmente quando ouço Raimundo Fagner ela vem à toa, mas não com essa ênfase, impulsiva, sem controle. É engraçado, mas, no dia nos sentimos de outro planeta, e talvez, os outros acharam isso mesmo.
Finalzinho dos anos 80, precisamente em 88, fomos convidados, eu e Maria para trabalharmos no jornal e Tv Rio Branco (AC) e, por motivos que não vou dizer, Socorro não quis ir de avião, aliás, que ela não nos ouça, digo: pura matutice. Logo, nos empoleiramos em um ônibus, lá pelas tantas, talvez pelo 5º dia de viagem, por Goiás, não lembro bem, mas por ali, pelo Centro-Oeste, nossos ouvidos sofriam e surdos já eram de tanto ouvir música sertaneja. Nos cantos dos olhos de Maria escorriam água sempre que Xitãozinho/Xoxoró ou Zezé de Camargo/Luciano abriam a boca, e não era de alegria não, é que os olhos dela também não conseguiam mais escutar os gasguitos.
Comovido, peguei uma fita cassete gravada lá Disco Fitas com Carlinhos, me dirigi até o motorista lhe pedi para botar no seu RoadStar, gentilmente ele o fez, segundo após o play, Fagner e Paco de Lucía começaram a cantar “Verde que te quero verde”, um mórbido silêncio de milésimo de segundos, se apoderou do ônibus seguido de uma vaia e uns “tira isso daí, que coisa ruim, ô música choca…”, apressadamente dei meia volta à nossa poltrona, devidamente bem acompanhado dos artistas guardados e seguros na Basf. De sorriso amarelo compulsoriamente estampado no rosto sentei para consolar os olhos de Maria e meus doídos ouvidos. O resto da viagem foi sob a mesma e torturante trilha sonora, por castigo, creio eu.