CAPELA ESCOLA DO BOM JESUS

*) Por Márcio de Lima Dantas

No bairro Bom Jesus, localizado nos arrabaldes da cidade de Mossoró, há alguns anos, quando fiz essas fotos, encontrava-se uma capela tão comum aos distritos um tanto distantes do centro (não sei o estado atual), sobretudo às populações com forte pendor a fé propugnada pela Igreja Católica. Isolada em um extenso terreno baldio, na entrada daquele bairro rural, erguida à beira da autoestrada que segue em direção à cidade de Governador Dix-septrosado, descendo para o lado direito.

Essas ermidas, quase sempre despojadas de uma maior profusão de adereços, simbolicamente funcionam como o poder de uma Instituição Religiosa, fazendo saber de uma pertença, outorgando de maneira subliminar que o raio de ação de determinada prática religiosa está para além do que se imagina em um primeiro olhar.

Com efeito, não podemos esquecer o fato de que periodicamente vem um sacerdote batizar crianças, legalizar casamentos, catequizar e oficiar a liturgia, fortalecendo a coesão do rebanho, evitando a dispersão por meio de uma permanente assistência. Antigamente, não era difícil encontrá-las nas cercanias de muitas cidades, no interior de fazendas ou às margens de estradas. O que chama atenção nessa pequena capela são os usos simultâneos de dois espaços considerados como excludentes: o sagrado e do profano.

O escrito acima da porta de entrada, ocupando quase toda a largura da fachada principal, CAPELA – ESCOLA – DO – BOM – JESUS, demonstra em um rasgo de lucidez e pedagogia que onde habita o sagrado também há lugar para acolher crianças e adolescentes necessitados de receberem as primeiras letras e a tabuada, tornando-os mais aptos para a vida. O sagrado e o profano não são antípodas, haja vista as festas religiosas ao deus Dionísio, na antiga Grécia. Para não ir muito longe, observamos que no carnaval brasileiro, refiro-me às escolas de samba do Rio de Janeiro.

No século XIX, a conhecida ala das baianas, era tão-somente uma parte dos cortejos das procissões em homenagem ao calendário de eventos da Igreja Católica (In: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida). Curioso observar como o caráter de mestiçagem se estende ao plano arquitetônico da capela. Tal miscigenação concerne às formas empregadas na consecução da fachada, dando a conhecer apenas por um detido olhar das partes empregadas em lograr êxito, resultando em uma graciosa harmonia. Não precisa ser apreciador de arte para simpatizar com essa pequena construção chantada em um lugar ermo.

O próprio fato de ter sido construída em um terreno baldio, não detendo casas na sua vizinhança, já convida o olhar para ela, ressaltando suas linhas arquitetônicas de um despojamento e uma simplicidade que, como todos sabem, é muito difícil de se conseguir no domínio da arte. Vejamos como isso se organizou.

Nos dois lados da ermida, temos uma alternância entre duas portas e duas janelas longilíneas, sendo que nas quatro aberturas que dão para o interior, a parte que fecha cada uma é em arco clássico, ocorrendo um certo aprofundamento na alvenaria, permitindo ressaltar tanto o arco, como a as portas e janelas de madeira. Tem também uma outra coisa, uma espécie de falsa coluna quadrada, essas linhas riscam do sopé até o cume. Cada parte que enquadra janela ou porta sobressai discretamente acima da linha do telhado, provavelmente proporcionando obliterar a queda d´água, que irá escoar ao longo da bica, bem visível quando do início da frente. A porta principal detém uma compleição que remete aos arcos ogivais, tão nossos conhecidos por terem sido usados na Idade Média nas catedrais góticas.

É óbvio que não seguem rigorosamente os contornos desses arcos, mas não há como deixar de estabelecer uma relação, visto que o Imaginário da Igreja Católica detém elementos dos diversos estilos estéticos que vigoraram consoante as condições históricas, possibilitando uma eficácia maior da Ideologia da fé, que sempre manteve a supremacia no que diz respeito à dimensão religiosa. Assim, essa porta de madeira contém oito almofadas; é a maneira que se nomina toda e qualquer forma em alto-relevo em portas, servem para conceder valor estético, não funcional, permitindo entrever uma elegância e dignidade ao conjunto de paradigmas utilizados na elaboração sintagmática dessa humilde capela.

A calçada junto com o batente para adentrar pelo recinto, lembra aos que vêm estudar ou praticar sua fé a natureza de um simbólico que lança vetores para o alto, vigorando o caráter ascensional, tanto no que concerne a um lugar para ritualizar um deus, quanto no que diz respeito à escola como sítio do saber. Ambas resguardam sutilmente relações de poder presentes na vida social. Esse conjunto em movimento ascendente está encimado por uma elegante platibanda, arrumada em cima, tornando-se um estilizado triângulo equilátero.

Via de regra, a platibanda funciona como um meio de esconder a cumeeira, visto ser a intersecção de duas águas-mestras. Tudo indica que sua dimensão estética sobrepujou a dimensão funcional ou de valor prático. É só prestar atenção, como aquela finaliza o cume, havendo uma pequena janela em arco com um discreto sino. Logo acima, temos uma cruz. Não podemos deixar de ressaltar o lado direito e esquerdo da platibanda. O fato de ter duas volutas serpenteando em busca do alto, lembra a linha curva presente na tradição Barroca da nossa cultura. Mais uma vez remarcamos que não passa de uma estilização da linha curva que predominou nas construções religiosas e civis durante o nosso período Colonial.

A linha curva é bastante condizente com o ideal propugnado pelas religiões, pois estabelecem como alvo das prédicas a subjetividade, a emoção, um ethos que se opões frontalmente à razão, pois é necessário acreditar em algo abstrato, não tangível.

Não vamos esquecer um componente dessa fachada. É um traço presente na Arquitetura Clássica, advinda de uma sedimentação estética que levou séculos para se presentificar, atingindo seu apogeu na arquitetura da Antiga Grécia. Estamos falando da simetria bilateral, a possiblidade de cortar ao meio a capela, acabando com dois lados iguais. Tal traço segue à risca esse plano arquitetural, não muito presente no Barroco.

Por fim, nessa tão modesta capela, adjacente à cidade de Mossoró, pudemos constatar um amálgama de diversos estilos de época concernentes à História da Arte no Ocidente. Bem claro que não seguem strictu sensu os paradigmas apontados aqui, mas são estilizações ou evocações dessas manifestações artísticas.

O fato desses partícepes se manifestarem discretamente nos traços dessa construção, não invalida as nossas observações, visto que, no século XX, foram poucas as formas de arte que se apresentaram em estado puro. O importante é que na sua aura haja identidade e pertencimento a determinados grupos sociais. No caso aqui estudado, a Igreja Católica e a Escola, todas duas resguardadoras da Ideologia, seja por meio de um deus monoteísta, seja por meio da linguagem. Ambas ferramentas manuseadas desde sempre pelos que detém o controle da sociedade.

(*) Márcio de Lima Dantas – Professor doutor e escritor

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