Belchior, apenas um cidadão comum
Sempre tive uma “queda” por música; cheguei a acreditar que seria um músico, cantor ou compositor, todavia as mães sabem o que fazem, a minha percebeu logo minha inabilidade, para me proteger – creio – livrou-me da frustação do insucesso que certamente, estaria me aguardando. Não sei se a ideia era apenas uma ilusão romantizada da minha enevoada percepção do mundo artístico e, principalmente, quando a revista Manchete ou Veja trazia Vinicius de Morais, na sua banheira com um copo de uísque na mão e um charuto na outra, um litro de uísque ao fundo e Toquinho de violão em punho finalizavam o cenário.
Aí vem Zé Ramalho cantando Avôhai, Admirável Mundo Novo; Raimundo Fagner com Manera Fru Fru Manera, O último Pau de Arara; Alceu Valença Agalopado, Papagaio do Futuro; Ednardo voando em um Pavão Misterioso, Enquanto Engomo a Calça; Geraldo Azevedo em Caravana na Barcarola do São Francisco, por aqui na terra dos Potiguaras Terezinha de Jesus balançava as palhas do coqueiros em Prece ao Vento; Impacto Cinco nos afagava com Mãos de Seda Coração de Ferro, no solo sagrado da terra da Santa dos Olhos, o Trio Mossoró cantava Santo de Barro, do grande Iremar Leite.
Nesta profusão de sons de alta qualidade com medo de avião desembarcava, na Hora do Almoço, um sujeito cantando “Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior” logo arregimentou milhares (milhões) de fãs Brasil e mundo afora, muitos entenderam a mensagem carregada de críticas sócias demonstrando seu inconformismo, descontentamento com a realidade posta no Brasil e no globo, outros tantos, voluntariamente não quiseram compreender sua alucinação em expor suas impressões sobre a realidade e as dores do mundo.
Creio, quase todos da minha geração foram pegos e afetados por “Apenas um rapaz latino-americano” que vestia como uma luva, isto é, uma segunda pele a embalar a alma, para aqueles – nós – jovens dava uma identidade, uma “causa” pra chamar de sua, não apenas pelo momento político do país, porém, também por todas as inerentes ilusões, temores e medos de quem queira mudar o mundo. O certo, é que Belchior, passou a integrar o cotidiano de toda uma geração de forma arrebatadora, sem fanatismo, conscientemente.
Entretanto, quase todos os músicos acima citados, conseguiram sobreviver as intempéries, solavancos do mercado comercial da música brasileira, infelizmente, Belchior, em 30 de outubro de 2017, nos deixou, no plano físico, porque, de fato, nunca saiu de nossas vidas. É verdade que às vezes desaparecia e voltava, desaparecia novamente, voltava…
O certo, é que Belchior atravessou gerações. Contudo, agora nestes anos de 2020 a galera, uma nova geração cheia de sonhos e, talvez, entendendo o Antônio Carlos, o descobriram(?) em toda sua extensão, no sentido lato, expondo com força e com vontade suas músicas, textos, pensamentos e ideias nas redes sociais, se tornando um movimento sólido. Aqui, do meu cantinho como um cidadão comum, destes que se vê na rua, estou ciente que um dia “O anjo do Senhor, descerá para uma cerveja, e, se tiver sorte, serei levado feito um pacote no seu manto…”.
Rogo o perdão do meu amigo poeta Caio César Muniz, ante seus imensos saberes, pelo sacrilégio em falar sobre o Belchior, é que lá em casa tinha uma Frigidaire, de quem fui amante e nas madrugadas traíamos a Telefunken.
Brito e Silva – Cartunista