AÉCIO APENAS RIMA COM TÉDIO…
Vladimir Maiakóvski, num dos versos do poema dedicado a Sierguéi Iessiênin, deixou lançada uma dessas frases que a massa ignara de todos os cantos haverá de repetir por séculos a fio: “Melhor/ morrer de vodca/ que de tédio” (para nós, de fala lusa, na belíssima tradução de Boris Schneiderman, Augusto de Campos e Haroldo de Campos). Penso que se vivesse nestas terras de Pindorama, hoje, o vate russo mudaria, um pouco, o seu poema de admoestação ao colega suicida e diria: “Melhor/ morrer de Brasil/ que de tédio!” Sim, porque aqui não se precisa de vodca ou outras potestades alcoólicas para espancar o tédio; o realismo mágico dos acontecimentos do dia a dia desses brasis surpreendentes e contraditórios até não deixam margem às atmosferas tediosas.
Em suma, por tudo que nos revelam os noticiários da grande mídia, a histeria infantil das falas iracundas e não menos desinformadas de diversos matizes políticos e ideológicos que escorrem nas redes sociais, as arengas nojentas do Congresso Nacional, as cretinice ridícula do poder ilegítimo que habita o Palácio do Planalto, os esbirros proto-hegemônicos da Sacra Aliança da Moralidade Pública (juízes implacáveis, anjos vingadores do Ministério Público e Polícia Federal), não há espaço para tédio. Tudo é medo, valores não há, surpresas estonteantes abundam, hipocrisias de todos os calibres enojam e as certezas são fantasias meramente republicanas de um Brasil idealizado e bizarro.
O desgraçado do homo medius, a comer o pão que a Globo amassou, como insano bêbado, dá chutes para todos de lados. Na verdade, botinadas poucos certeiras, porque perplexas apenas. Sem dúvida, é justo que queira compreender para influir nos destinos da “nossa pátria mãe tão distraída”, que jamais sequer percebeu “que era subtraída. Em tenebrosas transações”, para lembrar os versos de Chico Buarque, aquele que não precisa ir para Cuba, porque nosso, tão nosso, no pouco de bom que temos.
Os franceses se orgulham por ter “un fromage pour chaque jour” (algo como “um queijo para cada dia”). Nestas paragens de Castro Alves, o maior dos nossos poetas, envergonha-nos a descoberta de uma pilantragem, um caso monumental de corrupção ou das suas tantas conexões, além dos modos tantos de tratá-los (de preferência, sempre à margem da lei), a cada raiar desse sol inclemente que nos alumia e fascina. Tédio? Ninguém tem. No máximo, assalta-nos (literalmente) a vergonha, a raiva, a frustração com as instituições, o desalento, a impotência de ver “triunfar as nulidades”, o aborrecimento da cidadania desmoralizada e outras coisas neste mesmo rumo.
Depois de todo esse ‘converseiro’, vale refletir sobre a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou do cargo o senador Aécio Neves (PSDB/MG), no bojo do processo que lhe move a Procuradora Geral da República por receber propina do grupo JBS, segundo delação de Joesley (Safadão) Batista. Claro, surpreendeu mesmo a reação majoritária de setores de onde jamais se poderia imaginar. O PT e alguns parlamentares petistas, seguindo a opinião maciça de juristas, inclusive, de ministros do próprio STF (votaram pelo afastamento de Aécio Neves do mandato de senador da República e para lhe impor restrições de saídas noturnas ou de se ausentar do país, os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, ficando vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello).
O grave disso é que os petistas perderam uma grande oportunidade de ficar calados, quando nem os tucanos deram apoio ao seu correligionário, embora seja justo enfrentar essa questão, menos pelo sanador Aécio e mais pela sanidade das instituições, porquanto o STF não pode impor a suspensão do exercício de mandado parlamentar em caráter temporário, como medida liminar, sem previsão legal. O risco é a generalização, quando os juízes dos inúmeros grotões começarem a suspender o exercício de mandados eletivos, inclusive do Poder Executivo, por qualquer banalidade.
No seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello demonstrou que o ordenamento jurídico brasileiro, em especial, a Constituição, não prevê essa pena de afastamento temporário do mandato parlamentar, sob qualquer pretexto. Sem lei prévia não há crime nem pena, segundo enunciado famoso atribuído ao filósofo alemão Ludwig Feuerbach (nullum crimen, nulla poena sine lege). Aliás, percebe-se uma reação cada vez mais consistente aos arroubos do ativismo de setores do Judiciário/Ministério Público, a partir da própria Suprema Corte. No mínimo mais três ministros do STF, nesta matéria, tendem a se alinhar às posições de Marco Aurélio e Alexandre de Moraes: os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
No bojo da histeria coletiva que têm causado as revelações de muitos e vultosos casos de corrupção a envolver importantes figuras da República, fazem-se necessários bom senso e serenidade, sobretudo, para aqueles que têm como encargo manejar as ferramentas da deusa Themis: a balança e a espada. Neste sentido, perder o fio dos fundamentos do Direito pode ser arriscado e inevitavelmente danoso. Ora, é elementar que as restrições a direitos devem ser precedidas de norma, porquanto ninguém pode ser compelido a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Esta é a pedra angular de todos os sistemas de direito dos povos civilizados.
Assim, a objeção desse surpreendente número de pessoas à suspensão do mandato senatorial de Aécio Neves tem a marca de um “basta” aos exageros do ativismo judicial no trato dessas questões que envolvem corrupção de contestáveis da República. Independentemente de quem seja, Aécio ou qualquer outro parlamentar deste país, a suspensão temporária de mandatos conferidos pela soberania do povo, sem previsão legal, é uma inominável aberração. Engraçado é que, no azougado espaço das redes sociais, pode ser encontrada diatribe mais ou menos assim: “os senadores do PT estão a defender Aécio já pensando em si próprios, num futuro próximo”. Todavia, muitos petistas do meio artístico se mostraram indignados com a nota do partido e a posição da sua bancada no Senado, preferindo, isto sim, ver Aécio Neves se ferrar de qualquer maneira.
Pode até nem haver esse resguardo do ponto de vista pessoal, mas, seguramente cada cidadão, de variadas formas, deve contribuir para a continuidade e o aperfeiçoamento das instituições democráticas e republicanas, de modo a evitar mais uma tragédia política, uma recaída ditatorial, que poderia infelicitar milhares de pessoas e impedir o desenvolvimento espiritual e material do povo brasileiro, bem dentro do espírito daqueles versos do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa (erroneamente atribuídos ora a Bertolt Brecht, ora a Maiakóvski):“Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor/ do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem;/ pisam as flores,/ matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/ rouba-nos a luz, e,/ conhecendo nosso medo,/arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada.”