OS ATROPELOS DA FAMÍLIA BUSCAPÉ

Paulo Afonso Linhares

              O celibato é algo que está na contracorrente da natureza, qualquer que seja a sua motivação, vez que impede a reprodução da espécie. Ora, ao menos no âmbito da raça humana, a preservação da espécie se dá fundamentalmente a partir do encontro do material genético da mulher e do homem, fêmea e macho, numa linguagem mais simples. E que pode ser estendida para todas as espécies de mamíferos, répteis, aves e peixes. Mesmos no mundo vegetal, muitas espécies dependem, também, dessa  interação biológica de gêneros. 

              Enquanto manifestação cultural, o celibato visa impedir que homens e mulheres procriem e, sobretudo, formem famílias, por mais diversas razões. E pode ser objeto de convencimento racional a partir de normas de proibição ou, em casos mais graves, mediante sérias mutilações de homens ainda na fase infantil, transformados em eunucos, eis que eram castrados. 

              Hoje, entende-se o  celibato, em seu sentido genérico, como  a condição de quem, por opção, não contrai matrimônio,sendo igualmente norma regulamentar em determinadas instituições, como é o caso da Igreja Católica cujos clérigos são obrigados a fazer voto de celibato. Até o século 10 os padres católicos podiam casar. Além de São Pedro, outros seis papas viveram em matrimônio. Até o Concilio de Elvira, que o proibiu no ano 306, um sacerdote podia inclusive dormir com sua esposa na noite anterior a celebrar a missa. Isso começou a mudar dezenove anos mais tarde, quando o Concilio de Nicea estabeleceu que, uma vez ordenados, os sacerdotes não podiam mais casar-se.

              O papa Gregorio VII impôs o celibato, em 1073, definindo o matrimônio dos sacerdotes como heresia, pordesviar os sacerdotes  do serviço religioso  e contrariar o exemplo de Cristo. A verdade é que  na dessa decisão de impor o celibato havia a intenção de evitar que os bens dos bispos e sacerdotes casados fossem herdados por seus filhos e viúvas em vez de beneficiar à Igreja. 

              Aliás, nada indica que a Igreja Católicavá rever essa norma a curto prazo, mas o próprio papa Francisco já afirmou: o celibato clerical, ou seja, o voto que obriga os padres a permanecerem castos, não é um dogma de fé – e, sim, um regulamento da Igreja: “O celibato não é um dogma de fé; é uma regra de vida que eu aprecio muito e acredito que seja um dom para a Igreja. Não sendo um dogma de fé, sempre temos a porta aberta. Neste momento, contudo, não temos em programa falar disso”, afirmou recentemente o papa, em conversa com jornalistas.

              Certo é que a existência dessa regra de celibato sacerdotal, nos últimos dez séculos, tem sido positiva para a Igreja Católica, embora apresente, também, alguns efeitos colaterais indesejáveis,  como o dos escândalos sexuais que envolvem religiosos católicos em vários países, inclusive, muitos casos de pedofilia e têm merecido veemente condenação e medidas enérgicas da parte do papa Francisco.

              E não é apenas na Igreja Católica que esposa, filhos e outros parentes podem atrapalham. Na política os estragos são maiores. As ingerências de esposas, maridos, filhos, irmãos, pais e outros parentes nos negócios de governo e das atividades políticas têm sido fatores de muitas confusões, nas mais diversas latitudes e épocas históricas. 

              A discrição dos familiares de um governante ou de líder político evita muitas atribulações. Ademais, não é razoável alguém que não esteja investido legalmente no exercício de cargo público eletivo possa tomar decisões ou ter benefícios apenas em função de seu parentesco. Não sem propósito, na família real inglesa os seu membros são proibidos de opinar publicamente sobre temas políticos.

              No Brasil, o país do nepotismo, a mistura de parentesco com política ainda é uma prática corrente e aceita. Não é de estranhar que com a eleição de tantos parentes,nas eleições de 2018,  as dinastias políticas se fortaleceram no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e na ocupação dos governos estaduais. Só na família Bolsonaro foram eleitos, além do presidente da República, dois filhos, um para o Senado e outro para a Câmara dos Deputados.

              Em menos de dois meses de governo, a prole do presidente Bolsonaro, sobretudo, os filhos, tem causado enormes contratempos, bem mais do toda a oposição tem feito ao novo inquilino do Palácio da Alvorada. O problema começa com o completo desconhecimento do clã Bolsonaro acerca da liturgia que cerca o exercício da presidência da República, a exemplo da atitude infantil do vereador Carlos Bolsonaro que, no desfile presidencial pela Esplanada dos Ministérios, quando da posse em 1º de janeiro de 2019, subiu na traseira do Rolls Royce que conduzia o pai é a atual esposa deste, Michelle, para uma ridícula e indevida ‘carona’.

              Os Bolsonaro, pai e filhos, falam pelos cotovelos e o que lhes vem à cabeça, com intenso uso das redes sociais. E provocam crises diárias no governo. A última envolveu o presidente, seu filho Carlos, a quem ‘carinhosamente’  chama de “meu Pitbull” e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, ex-presidente do PSL é um dos principais articuladores da candidatura de Bolsonaro à presidência. Ele foi gratuita e grosseiramente exposto- chamado de “mentiroso” – nas redes sociais,pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro, com publicações que acabaram sendo compartilhadas pelo presidente, que as corroborou, para jogar o governo numa baita e desnecessária crise. Mesmo que Bebianno tenha unido em seu favor os segmentos político e militar do governo, não tem condições de permanecer no cargo. Claro, Jair prefere o seu pitbul.

              Os meninos de Bolsonaro têm atacado em especial os membros do PSL, o partido ‘alugado’ por Jair para levá-lo ao Palácio do Planalto e fazer do filho Flavio o deputado federal eleito com votos em 2019, além da eleição de Eduardo a senador pelo Rio de Janeiro. Inúmeras desavenças vêm ocorrendo, pelas redes sociais e fora delas. Parece claro que o clã Bolsonaro  está disposto a ter um partido “para chamar de seu”: vai exumar a velha União Democrática Nacional (UDN), a sigla fundado em 1945  e  que se tornou o grande estuário da direita brasileira. A proposta atual segue no mesmo rumo, agora com os Bolsonaro. O pedido de registro da UDN já tramita no TSE. Seguindo uma tradição tupiniquim – “se há governo, sou a favor” – logo a UDN será um dos grandes partidos da cena política brasileira.            É a nova família Buscapé, em sua versão brasileira, que está em ação. E vai aprontar muitas nos próximos quatro anos. No mínimo, os humoristas terão um riquíssimo filão a explorar. No geral, os meninos de Bolsonaro tendem a comprovar o triste vaticínio do poeta latino Horácio, no verso das Odes (III, 6, 46-8) sobre pais e filhos: “Nossos pais, piores do que os seus, geraram-nos / ainda mais celerados do que eles; nós, por nossa vez, geraremos  / filhos mais perversos do que nós” (Aetas parentum peior avis tulit / nos nequiores, mos daturos / progeniem vitiosiorem).

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