O Peru de Patrícia

O ser humano é mesmo surpreendente. Quando vi pela primeira vez uma foto, na revista Cruzeiro ou Manchete, lá pelos anos 70 – não vou estressar e tensionar minha fina memória -, de uma figura com os olhos “esbrugalhados”, o bigode desafiando a gravidade disse a mim mesmo, esse cara é louco, em seguida comecei a degustar a matéria, deparei-me com outras imagens tão ou mais desconcertantes quanto a primeira, eram seus quadros com objetos retorcidos, derretidos, não tive dúvidas, confirmei minha suspeita: esse cara é louquinho da silva.

Mas, os artistas são loucos, como diz o Astor Piazzolla na sua Balada Para Um Louco:

“Ah! ah! ah! Você ri… você ri porque só agora você me viu.
Mas eu flerto com os manequins,
o semáforo da esquina me abre três luzes celestes.
E as rosas da florista estão apaixonadas por mim, juro,
vem, vem, vamos passear. E assim dançando, quase voando eu…”

São todos loucos, muito loucos. E, nos surpreendem a cada momento, quando menos se espera, estão nos mostrando que ainda existe algo a ser feito, como Chico e sua “Tua Cantiga”, que bela surpresa.

Sem mais nem menos folheando, aliás, navegando tropecei numa moldura onde uma figura parecendo querer furar os olhos com seu bigode, descia as escadarias do metrô parisiense, sendo puxando por seu bichinho de estimação, um faceiro tamanduá Bandeira, nada mais “comum” a excentricidade aos artistas, se não fosse ela protagonizada por Salvador Dali que, a elevou ao quadrado. A cena devolveu-me aos bons anos 70, quando saíamos uma turma de meninos com gaiolas e alçapões para pegar passarinhos, todos sonhando com um Golinha, Azulão, e, meu irmão De Assis, meteu no “quengo” de achar um ninho de Urubu com filhote para ele criar, o quê foi reprovado com veemência por nós e Dona Geralda, minha mãe. Meu irmão não se tornou artista, é certo, mas é um eletricista de mão cheia e torcedor daquele time (não sei pronunciar o nome, Deus me livre três vezes) que tem como casa um ninho dessa ave.

Depois de cinquenta e lá vão fumaças, com os olhos cansados de ver todo tipo de imagem e histórias nas redações de jornais por onde passei, acreditei que poderia não me surpreender com mais nada. Qual o quê! Hoje cedinho, ainda debaixo dos lençóis pedi para Maria desligar a tv, sair do Globo Rural, pois ela não era fazendeira nem nada, ela disse que o grugrulejar que invadia nosso quarto era do bichinho de estimação de Patrícia nossa vizinha, uma bela ave Meleagris, isto é, um pomposo e bem cuidado peru.

Em pleno bairro de Petrópolis, acordar ao canto de ocelado peru, claro, não fiquei mais espantado que os transeuntes de Paris ao ver Dali e seu tamanduá.

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